quinta-feira, fevereiro 26, 2009

Samba, beijos e arrepio

Esse carnaval foi um arraso, me diverti muito. Saí em duas escolas: uma na noite de domingo, outra na de segunda. Nas alas onde as fantasias são mínimas. Que curtição! Não há nada melhor do que ser estrela na avenida, em meio aos holofotes e sob as câmeras dos fotógrafos e de TV.

Mas quero contar algo que vai além disso. Aconteceu na terça. Não satisfeita, aceitei o convite de duas amigas para assistirmos ao desfile das escolas do segundo grupo. Nunca pensei que seria tão animado. Acho que o samba autêntico está nessas escolas; nelas predomina a criatividade e o samba no pé. Dentre todas as alegrias e satisfações de um ótimo carnaval, a melhor se deu já depois de meia-noite, quando os tambores ressoavam e tornavam mais intensas as batidas dos corações.

Um homem ficou por muito tempo me azarando. Eu sambava, cantava com as escolas, fechava os olhos, estava entusiasmadíssima. Ele aproximou-se e beijou minha boca. Uma pessoa qualquer tomaria um enorme susto. Mas mantive a tranqüilidade e agi como se nada tivesse acontecido. Ele continuou junto a mim. Minhas amigas já haviam se misturado a outras pessoas, ou mesmo arranjado namorados.

O recém-chegado ficou a dançar às minhas costas; vez ou outra encostava no meu corpo.

Depois de eu ter andado nos outros dias de fantasia, estava de vestido curtinho. Não é preciso dizer que até as mulheres olhavam para mim e sentiam inveja do meu corpo.

O homem não desistiu. Voltou com um novo beijo, num rodopio que fez com que nos encontrássemos frente a frente. Fui tomada por um terrível frêmito; aceitei o beijo – como ele sabia beijar! – e tocamos nossas línguas. Dali em diante, nosso idioma foi o gingar dos corpos, a sutileza dos abraços e a umidade dos nossos lábios.

Então ocorreu o clímax. Quando vinha a bateria da última escola, ele agarrou-me com mais volúpia. Surpreendeu-me, levantou o meu vestido. Não foram muitos os segundos para que eu sentisse toda a sua vitalidade.

Ainda bem que ninguém reparou. Cada um dos presentes também vivia o seu êxtase: uns com a música; outros com o balanço do corpo; poucos talvez da mesma forma que nós dois.

Queria que aquele momento fosse eterno. Ele soube fazer amor naquela posição desconfortável, como eu jamais experimentara.

Depois que tudo passou, ele também se foi, desapareceu na multidão. Encontrei então minhas amigas. Cada qual contou sua aventura. Eu falei que adorei o desfile, que sambei e me diverti muito naquela última madrugada de carnaval. “Só isso?”, perguntou Soraia. “Só”, foi o que respondi. Mas lógico que elas não acreditaram.

Ainda há um porém. Hoje pela manhã, após dormir quase a quarta inteira, fui à padaria. Quis tomar café quase ao ar-livre, envolta pelo clima de verão. De repente, vejo um homem conversando com outro em uma das mesas. Seria o dos apertos, beijos e tudo mais? Ainda bem que eu estava de óculos escuros e de cabelo preso. Agucei os ouvidos. Falava ao amigo justamente sobre o carnaval e sobre a incrível experiência que tivera.

“Você precisava ver a gata que conquistei. Vestia uma roupa curtíssima.”

“Onde?”, perguntou o amigo.

“No sambódromo, no último dia do desfile.”

“Em que lugar do sambódromo?”

“Na arquibancada especial. Escute só como foi: ela sambava num entusiasmo que não tenho palavras pra descrever. Então me aproximei por trás; de repente, dei um rodopio e beijei a boca da gata.”

“Ela não reagiu?”

“Não, agiu como se eu não existisse. Permaneci atrás dela. Na minha segunda investida, senti sua pele toda arrepiada. Entendi como um sinal verde. Ficamos juntos o resto da noite; beijei-a na boca o tempo todo e, no final, aconteceu...”

“Aconteceu o quê?”

“O principal, ora. Fui levantando de leve o vestidinho dela. Ela pouco a pouco me apertava com mais intensidade, então...”

Paguei meu lanche e fui embora. Temi que ele me reconhecesse.

Sabem como é, amor de carnaval deve ser assim: fugaz. Daí, a gente nunca esquece.

E mais uma coisa: não se deve dizer o nome nem perguntar o do parceiro.

domingo, fevereiro 15, 2009

"Olhem essa foto, eu estava só de camisa!"

Tomávamos vinho na casa de um casal amigo. Era sábado à noite, final de janeiro. Ela, o marido, um amigo e eu. Conversávamos sobre os mais variados assuntos. Predominou, porém, a conversa sobre cinema. Falou-se sobre os principais filmes da temporada. Conforme entrávamos pela noite, tornávamo-nos mais excitados. Bebíamos o vinho e, entre um gole e outro, água mineral.

Minha amiga é escritora, mas de livros sérios. Também viaja muito; ela e o marido. Contava sobre uma viagem que fizeram à Argentina há mais ou menos uns seis anos. Depois os dois já foram a outros lugares, mas aquela, de 2003, parece que marcara a ambos e ao casal que viajara junto; uma das pessoas que compôs o segundo par era o amigo que estava também ali.

Leda – chamemos assim minha amiga escritora – vivia, à época da viagem, o idílio inicial do casamento. Pegara o diário que o grupo escrevera durante os dias em que estiveram em Buenos Aires. Isso mesmo, o grupo tinha um diário, e minha amiga recebera a tarefa de escrevê-lo. Além das observações sobre a cidade, sobre o que faziam durante o dia e a noite, o diário também exibia objetos que os viajantes colaram nas páginas do caderno, como rótulo de cerveja, guardanapo de restaurante, bilhete de metrô, reclame do hotel ou de algum bar, folheto com algum espetáculo que estava em cartaz, entrada do espetáculo etc.

Ela mostrou também muitas fotos em que apareciam além de ela e o marido, o outro casal. Havia cenas de beijos movidos por paixão tempestuosa. Ao remexer na caixa de onde tirara o diário, encontrou algumas outras fotos; não da viagem, mas tiradas em casa ou em festividades com os amigos.

“Olhem essa foto, eu estava só de camisa, devia estar muito doida; olha essa outra, é a Marisa. Também pelo jeito não estava nada sóbria. Lembra o dia em que ela chegou aqui com o vestido rasgado?, estava bêbada. Mas essa em que estou só de camisa, nem lembro, não sei como me fotografaram assim.”

“Tente lembrar e conte pra gente”, sugeri.

“Será que meu marido deixa?”, falou de modo irônico e se voltou para ele.

“Você é quem sabe; será que o Rui também não estava com a namorada?”

“Que eu me lembre, não”, respondeu com presteza o amigo.

“Acho que já sei o que aconteceu”, começou a contar Leda.

“Lembrou muito depressa, amor”, falou o marido enquanto colocava mais um pouco de vinho na própria taça.

“É que foi um dia espantoso, ou melhor, uma noite. Eu e a Lúcia havíamos comprado seis garrafas de champanha. Isso mesmo, seis garrafas. Lembro que o champanha não era para aquele dia. Mais ou menos às quatro da tarde, chegou a Ruth. Ela logo sugeriu: ‘que tal tomarmos um golinho?’ Abri uma garrafa; bebemos em dez minutos. Estava uma delícia. Resolvemos abrir mais uma; de uma em uma, tomamos as seis. Éramos só mulheres em casa, o César disse que chegaria às nove e, quando ele abriu a porta, deu com as mulheres todas nuas num fogo terrível, e eu só de camisa. Ele fez de conta que nem reparou. As mulheres continuaram nuas. Então, ele resolveu abrir uma garra de vinho. Lembro bem, depois falou: ‘que tal irmos com a garrafa lá pra baixo, para o Parque do Flamengo?’. Todas nós concordamos. Só então a Ruth e a Lúcia se deram conta de que estavam nuas. Acabei emprestando uma camisa para cada uma e descemos. Acho que as pessoas nos olharam um tanto incrédulas. Quando estávamos lá, depois de esvaziarmos a garrafa de vinho com a ajuda do César, não foi, amor? ele mesmo tirou a câmera do bolso e fez as fotos. Queria encontrar a outra; há uma ainda mais engraçada. Voltamos para casa e caímos cada uma num sofá. Só acordamos no dia seguinte. Quando levantei, César tinha saído. Mas não demorou a voltar. As meninas, logo que se deram conta da noite que viveram, procuraram muito recatadas suas roupas, vestiram-se e foram embora. Cada foto tem uma história, não é mesmo?”

Continuamos bebendo e conversando.

Entre esses amigos, tenho fama de ser uma mulher comedida, que gosta de ler, de música, de cinema e de espetáculos teatrais. Nada sabem sobre minhas histórias, muitas delas muito mais picantes. É bom que seja assim; cada coisa em seu devido lugar; e em cada lugar uma representação.

quarta-feira, fevereiro 04, 2009

Cris e o amor

Não me devasse desse jeito, olhe apenas para o meu rosto. Eu conto o que aconteceu. Os homens adoram essas histórias, principalmente quando elas saem da boca de uma mulher. Foi o seguinte:

Encontrei um homem lindo, parecia ainda rapaz, mas já entrava pelos quarenta; elegante, jovial. Fui eu quem o abordou.

“Você não é da Filosofia, da UFRJ?”

“Não”, ele respondeu, “sou da UFRJ, mas da Letras.”

“Você é muito parecido com um antigo amigo meu da Filosofia; pensei que fosse ele.”

Continuamos a conversar. Estávamos no Espaço de Cinema, era uma tarde de domingo. Ele tinha ido para assistir a um filme espanhol; eu, apenas para sair um pouco de casa.

Comentou sobre o que fazia na universidade. Concluíra um mês antes o mestrado. Falou sobre o tema da pesquisa. Acabou me convidando para assistir ao filme. Aceitei. Era uma comédia, nem lembro mais o nome, mas naquele momento até que nos divertimos.

Quando o filme acabou, ele queria lanchar; acompanhei. Conversamos mais um pouco. Falei sobre mim, sobre o que faço na vida. Ouviu com interesse.

Ao despedirmos, ofereceu uma carona. Contra-argumentei:

“Você vai ter que dar muitas voltas, vou de ônibus, não quero incomodar.”

“Não incomoda, a gente aproveita e conversa mais um pouco.”

Aceitei.

Uma semana depois estávamos namorando. Comecei a freqüentar a casa dele. Um apartamento pequeno, no Centro, muito arrumadinho, cheio de CDs e livros.

O namoro, porém, não durou. Havia um mulheril terrível atrás dele, e aquilo me incomodava.

Ele dizia:

“Não se preocupe, não vou trair você, elas são apenas minhas amigas; não se pode viver sem amigos, não é mesmo?”

Mas não me acostumei com o jeito dele. A maior parte de suas amizades era de mulheres. Fui eu que terminei o namoro.

Um dia, estou sozinha de novo, no Espaço de Cinema, quando o vejo. Mas dessa vez com uma mulher muito bonita. Me escondi, não deixei que ele me descobrisse. Ele não deu por mim.

Então fui tentada a procurá-lo. Telefonei. Marquei. Saímos mais uma vez e depois de tomarmos algumas taças de vinho fomos para casa dele.

“Vi você com aquela sua namorada”, eu disse.

“Namorada?”

“Sim, aquela de cabelo castanho, curto.”

“Ah, sim, é a Rita. Mas não chega a ser uma namorada. Veio de BH, ficou aqui alguns dias, acabou acontecendo alguma coisa entre nós, mas não posso dizer que seja namorada.”

A existência daquela mulher pôs fogo nas minhas entranhas. Acabei por abraçá-lo, beijá-lo e por tirar toda a roupa. Quando já ia nua, falou:

“Vou contar a você uma coisa que aconteceu. A mineira é um tanto louca. Numa das noites, bebi bastante. No momento em que ela acabou de tirar a roupa, pedi: vai até lá fora e toca a campainha, faz de conta que está chegando nua pra me namorar. Ela ainda perguntou: nuazinha? Sim, respondi, nuazinha. Não é que ela foi?”

Então, eu disse a ele:

“Vou também. Sou tão louca quanto ela.”

“Você?”, ainda duvidou.

Saí duas vezes, deixei que ele trancasse a porta e fiquei pelada no corredor do quinto andar. E o corredor era tão iluminado...

Toquei a campainha. Ele demorou para abrir. Cheguei a pensar um pouquinho arrepiada: ‘Será que ele vai me deixar pelada aqui fora?’ Mas ele abriu. Entrei, me agarrei a ele e trepamos imediatamente. Eu que sou difícil de gozar, naquela noite gozei primeiro. Foi isso.

Veja só a maluquice que dá na gente quando se está apaixonada. Sou uma pessoa importante, diretora de uma escola técnica federal. Já pensou se alguém me flagra nua, se sou presa, sei lá. Na hora, esses perigos não me vieram à cabeça.

De lá pra cá me tornei uma mulher mais desinibida, mas às vezes tenho umas recaídas. Morro de vergonha. Agora pode me devassar, pode me apreciar nua. Só não me peça para ir lá fora, por favor...