Tomávamos vinho na casa de um casal amigo. Era sábado à noite, final de janeiro. Ela, o marido, um amigo e eu. Conversávamos sobre os mais variados assuntos. Predominou, porém, a conversa sobre cinema. Falou-se sobre os principais filmes da temporada. Conforme entrávamos pela noite, tornávamo-nos mais excitados. Bebíamos o vinho e, entre um gole e outro, água mineral.
Minha amiga é escritora, mas de livros sérios. Também viaja muito; ela e o marido. Contava sobre uma viagem que fizeram à Argentina há mais ou menos uns seis anos. Depois os dois já foram a outros lugares, mas aquela, de 2003, parece que marcara a ambos e ao casal que viajara junto; uma das pessoas que compôs o segundo par era o amigo que estava também ali.
Leda – chamemos assim minha amiga escritora – vivia, à época da viagem, o idílio inicial do casamento. Pegara o diário que o grupo escrevera durante os dias em que estiveram em Buenos Aires. Isso mesmo, o grupo tinha um diário, e minha amiga recebera a tarefa de escrevê-lo. Além das observações sobre a cidade, sobre o que faziam durante o dia e a noite, o diário também exibia objetos que os viajantes colaram nas páginas do caderno, como rótulo de cerveja, guardanapo de restaurante, bilhete de metrô, reclame do hotel ou de algum bar, folheto com algum espetáculo que estava em cartaz, entrada do espetáculo etc.
Ela mostrou também muitas fotos em que apareciam além de ela e o marido, o outro casal. Havia cenas de beijos movidos por paixão tempestuosa. Ao remexer na caixa de onde tirara o diário, encontrou algumas outras fotos; não da viagem, mas tiradas em casa ou em festividades com os amigos.
“Olhem essa foto, eu estava só de camisa, devia estar muito doida; olha essa outra, é a Marisa. Também pelo jeito não estava nada sóbria. Lembra o dia em que ela chegou aqui com o vestido rasgado?, estava bêbada. Mas essa em que estou só de camisa, nem lembro, não sei como me fotografaram assim.”
“Tente lembrar e conte pra gente”, sugeri.
“Será que meu marido deixa?”, falou de modo irônico e se voltou para ele.
“Você é quem sabe; será que o Rui também não estava com a namorada?”
“Que eu me lembre, não”, respondeu com presteza o amigo.
“Acho que já sei o que aconteceu”, começou a contar Leda.
“Lembrou muito depressa, amor”, falou o marido enquanto colocava mais um pouco de vinho na própria taça.
“É que foi um dia espantoso, ou melhor, uma noite. Eu e a Lúcia havíamos comprado seis garrafas de champanha. Isso mesmo, seis garrafas. Lembro que o champanha não era para aquele dia. Mais ou menos às quatro da tarde, chegou a Ruth. Ela logo sugeriu: ‘que tal tomarmos um golinho?’ Abri uma garrafa; bebemos em dez minutos. Estava uma delícia. Resolvemos abrir mais uma; de uma em uma, tomamos as seis. Éramos só mulheres em casa, o César disse que chegaria às nove e, quando ele abriu a porta, deu com as mulheres todas nuas num fogo terrível, e eu só de camisa. Ele fez de conta que nem reparou. As mulheres continuaram nuas. Então, ele resolveu abrir uma garra de vinho. Lembro bem, depois falou: ‘que tal irmos com a garrafa lá pra baixo, para o Parque do Flamengo?’. Todas nós concordamos. Só então a Ruth e a Lúcia se deram conta de que estavam nuas. Acabei emprestando uma camisa para cada uma e descemos. Acho que as pessoas nos olharam um tanto incrédulas. Quando estávamos lá, depois de esvaziarmos a garrafa de vinho com a ajuda do César, não foi, amor? ele mesmo tirou a câmera do bolso e fez as fotos. Queria encontrar a outra; há uma ainda mais engraçada. Voltamos para casa e caímos cada uma num sofá. Só acordamos no dia seguinte. Quando levantei, César tinha saído. Mas não demorou a voltar. As meninas, logo que se deram conta da noite que viveram, procuraram muito recatadas suas roupas, vestiram-se e foram embora. Cada foto tem uma história, não é mesmo?”
Continuamos bebendo e conversando.
Entre esses amigos, tenho fama de ser uma mulher comedida, que gosta de ler, de música, de cinema e de espetáculos teatrais. Nada sabem sobre minhas histórias, muitas delas muito mais picantes. É bom que seja assim; cada coisa em seu devido lugar; e em cada lugar uma representação.
Minha amiga é escritora, mas de livros sérios. Também viaja muito; ela e o marido. Contava sobre uma viagem que fizeram à Argentina há mais ou menos uns seis anos. Depois os dois já foram a outros lugares, mas aquela, de 2003, parece que marcara a ambos e ao casal que viajara junto; uma das pessoas que compôs o segundo par era o amigo que estava também ali.
Leda – chamemos assim minha amiga escritora – vivia, à época da viagem, o idílio inicial do casamento. Pegara o diário que o grupo escrevera durante os dias em que estiveram em Buenos Aires. Isso mesmo, o grupo tinha um diário, e minha amiga recebera a tarefa de escrevê-lo. Além das observações sobre a cidade, sobre o que faziam durante o dia e a noite, o diário também exibia objetos que os viajantes colaram nas páginas do caderno, como rótulo de cerveja, guardanapo de restaurante, bilhete de metrô, reclame do hotel ou de algum bar, folheto com algum espetáculo que estava em cartaz, entrada do espetáculo etc.
Ela mostrou também muitas fotos em que apareciam além de ela e o marido, o outro casal. Havia cenas de beijos movidos por paixão tempestuosa. Ao remexer na caixa de onde tirara o diário, encontrou algumas outras fotos; não da viagem, mas tiradas em casa ou em festividades com os amigos.
“Olhem essa foto, eu estava só de camisa, devia estar muito doida; olha essa outra, é a Marisa. Também pelo jeito não estava nada sóbria. Lembra o dia em que ela chegou aqui com o vestido rasgado?, estava bêbada. Mas essa em que estou só de camisa, nem lembro, não sei como me fotografaram assim.”
“Tente lembrar e conte pra gente”, sugeri.
“Será que meu marido deixa?”, falou de modo irônico e se voltou para ele.
“Você é quem sabe; será que o Rui também não estava com a namorada?”
“Que eu me lembre, não”, respondeu com presteza o amigo.
“Acho que já sei o que aconteceu”, começou a contar Leda.
“Lembrou muito depressa, amor”, falou o marido enquanto colocava mais um pouco de vinho na própria taça.
“É que foi um dia espantoso, ou melhor, uma noite. Eu e a Lúcia havíamos comprado seis garrafas de champanha. Isso mesmo, seis garrafas. Lembro que o champanha não era para aquele dia. Mais ou menos às quatro da tarde, chegou a Ruth. Ela logo sugeriu: ‘que tal tomarmos um golinho?’ Abri uma garrafa; bebemos em dez minutos. Estava uma delícia. Resolvemos abrir mais uma; de uma em uma, tomamos as seis. Éramos só mulheres em casa, o César disse que chegaria às nove e, quando ele abriu a porta, deu com as mulheres todas nuas num fogo terrível, e eu só de camisa. Ele fez de conta que nem reparou. As mulheres continuaram nuas. Então, ele resolveu abrir uma garra de vinho. Lembro bem, depois falou: ‘que tal irmos com a garrafa lá pra baixo, para o Parque do Flamengo?’. Todas nós concordamos. Só então a Ruth e a Lúcia se deram conta de que estavam nuas. Acabei emprestando uma camisa para cada uma e descemos. Acho que as pessoas nos olharam um tanto incrédulas. Quando estávamos lá, depois de esvaziarmos a garrafa de vinho com a ajuda do César, não foi, amor? ele mesmo tirou a câmera do bolso e fez as fotos. Queria encontrar a outra; há uma ainda mais engraçada. Voltamos para casa e caímos cada uma num sofá. Só acordamos no dia seguinte. Quando levantei, César tinha saído. Mas não demorou a voltar. As meninas, logo que se deram conta da noite que viveram, procuraram muito recatadas suas roupas, vestiram-se e foram embora. Cada foto tem uma história, não é mesmo?”
Continuamos bebendo e conversando.
Entre esses amigos, tenho fama de ser uma mulher comedida, que gosta de ler, de música, de cinema e de espetáculos teatrais. Nada sabem sobre minhas histórias, muitas delas muito mais picantes. É bom que seja assim; cada coisa em seu devido lugar; e em cada lugar uma representação.
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