sábado, junho 20, 2009

Sou estrela nua que treme no ar frio

As estrelas tremem no ar frio. Eu tremo, mas não apenas devido à temperatura baixa da noite de junho: estou nua sob um céu que há pouco dissolveu seus borrões vermelhos.

Tudo começou com uma brincadeira de meu homem. Como gosto dele! Gosto também de suas brincadeiras. Trouxe-me à praia. Uma praia distante e deserta. Ficamos num quiosque. Bebi duas cervejas, das pequenas. Ai!, sou fraca pra bebida. Começamos a nos amar, a nos beijar. Não demorou para que me levasse pra perto do mar e me deitasse sobre um pequeno manto. Minhas roupas pareciam seres vivos, soltaram por si mesmas de meu corpo e espalharam-se no imenso areal. A noite, pouco a pouco, chegou sorrateira, envolveu os dois amantes em seu véu de Via - Láctea. Apesar do vento, dos respingos da maré, queimavam-me as entranhas. Até que não pude mais. Deixei escapar perfumes de gozo e de desejo. Nos espaços brancos do silêncio, contei – nada de muitos verbos – orgasmo em que agachada despejara jorro extático nas mãos de um namorado voraz, borrifara-lhe o corpo, engolira-lhe o pênis. A princípio, ele não quis acreditar, mas logo viu que sou fêmea vibrante, alguém que torna o desejo cor de vinho. Pediu então que eu repetisse o feito; agora, em suas mãos.

“Não sei se ainda posso.”

Apostou. Apostei. Quem perdesse, o que pagaria? Hei de me importar? Já pagamos ou perdemos tantas coisas.

Agachei. Fiz que beijasse meus seios, que deslizasse a língua sob meus cabelos, na altura do pescoço; que descesse – equilibrado na ponta dos dedos dos pés – lambuzando-me pelas costas, que me atravessasse as nádegas e, mergulhando sob minhas pernas, me mordesse o grelo. Talvez assim esguiche mais uma vez, pensei. Quando tocou a língua à beira dos meus abismos, gritei:

“Estou solta, vou levitar, plane a pele alva sob meu sexo.”

Foi a vez de ele ter prazer maior. Na pequena poça que transbordei cintilaram, sobre suas mãos, as estrelas. Lambuzou-nos. Primeiro sua face; depois, a minha. Sussurrei:

“Procure minha malha – eu viera tal qual esportista –, amasse-a bem pequena e a lance ao mar.”

“Estás louca? Como vais voltar nua pra casa?”

“Não, não estou louca; vai, cumpre o que desejo; assim gozo mais rubra.”

“Mas como vais voltar nua?”

“Não sei, arremesse-a; depois, o resto, a gente vê.”

Arremessou.

“E agora?”

“Não sei. Sou toda arrepio. Agache mais uma vez; estenda a palma; rápido. Isso, assim, que bom, que gostoso, ah... ah..., agora me penetre, assim, assim, flexione, isso, mais um pouco, mais, mais, mais, rápido, rápido, assim, estou por um triz, vai, vai, ah... ah... ah... vou gozar... vou gozar... ahhh... ahhh... Que bom, que gostoso. Beije-me, hum... hum... Adoro sua língua, adoro sua boca.”

“Gozou?”

“Precisa perguntar?”

“É sempre bom.”

“Gozei, sim; mas agora vá.”

“Para onde?”

“Embora.”

“Como? Deixá-la só?”

“Isso mesmo, sozinha e nua.”

“Não posso!”

“Vá. Estou pedindo, por favor, deixe-me sozinha.”

“Estás louca? Acaso não me queres mais?”

“Não estou louca e te quero muito; mas, agora, prefiro ficar só.”

“Como vais fazer pra voltar?”

“Não sei, mas vá. Eu me safo. Já saí ilesa outras vezes.”

“Então, vou. Mas estás tremendo.”

“Estou.”

“Como te sentes?”

“Por favor, vá!”

“Depois me contas como te saístes?”

“Conto”.

“Juras?”

“Juro.”

“Um beijo.”

“Outro.”

Sou estrela nua que treme no ar frio, que cintila; sou mar que respinga; sou princesa em pele, sou mendiga
plena.

sábado, junho 13, 2009

Terapia

Doutora, procurei você por um motivo muito simples. Posso chamá-la por você, não? Obrigada. Uma amiga, que indicou a terapia. Disse que resolveu aqui quase todos os seus problemas. Veja, vem acontecendo comigo algo que de início parecia uma coisa à-toa, mas agora me tem atrapalhado. Como deve ocorrer a muitas mulheres que aparecem aqui, meu problema é sobre relacionamento. Entende? Isso, sobre a dificuldade de me relacionar com os homens. Por isso, fico sozinha a maior parte do tempo. Não é que eu não goste de ficar só; às vezes, fico feliz por não ter ninguém que me aborreça, por poder andar nua dentro de casa, sem vergonha alguma. De repente, aparece algum homem; me paquera, me deseja; passa a me fazer convites. No começo recuso, mas em algum momento acabo aceitando. Sabe quando se sai com alguém pela primeira vez? Bate aquela curiosidade. Tudo é novo, repara-se nos menores detalhes. Todos, eu inclusive, tentam de toda a forma não decepcionar o outro. Acho que apenas nessas poucas vezes é que se pensa realmente no “outro”. Um dia desses me aconteceu tal caso. Conheci um homem que se separou havia pouco, uma pessoa muito bacana, gentil, bem-sucedida por sinal. A apresentação se deu através de uma amiga. Ela mantém um relacionamento estável com um homem também muito legal, e esse que me apresentou é amigo do companheiro dela. Foram amigos de faculdade e trabalharam juntos. Encontram-se até hoje. Na primeira vez que saí com ele, perguntou aonde eu queria ir. “Ao cinema”, falei. Não tem nada de mais ir a um cinema quando se sai com alguém pela primeira vez. É até bom, porque há o que se conversar depois. Assistimos ao filme. Gostamos muito. Depois fomos lanchar. Nenhum de nós pediu bebida alcoólica. Ficamos conversando na praça de alimentação do shopping durante muito tempo; depois, ele perguntou se eu queria ir a mais algum lugar. Lógico que eu disse não; falei que, na verdade, estava cansada e queria ir para casa. Levou-me em seu carro, com muita gentileza. Ficamos de telefonar alguns dias depois. Marcamos então outro encontro. Nesse encontro, ele me convidou para jantar. Num restaurante lindo, no Leblon; acho que na Dias Ferreira. Ali há cada restaurante maravilhoso. Jantamos, bebemos vinho, conversamos mais. Quando acabamos, percebi que ele queria me levar para outro lugar. Talvez à casa dele, ou mesmo a um hotel. Não fez o convite abertamente, mas era o que ele queria. O que podem querer duas pessoas adultas, que começam um relacionamento? Querem se tocar, se beijar, trepar, não é mesmo? Mas relutei, disse que naquela semana não tinha me sentido bem, talvez uma virose. Tudo mentira, é claro. Não insistiu, conduziu-me em seu automóvel, com muita amabilidade. Agradeci e me despedi. No dia seguinte, telefonou para perguntar como eu estava. Fiquei radiante por ele ter se preocupado comigo. No final de semana seguinte, saímos de novo. Dessa vem, um espetáculo teatral. Ótimo, no Shopping da Gávea. Lá é tão bonito, não é mesmo? Depois jantamos num restaurante que eu não conhecia, em Ipanema. Lindo. Comi pouquinho, mas estava ótimo. Bebemos uns coquetéis, uma delícia. Quando acabamos e partimos, perguntou se não desejava conhecer o apartamento dele. Ali mesmo, em Ipanema. Disse que tinha vista para o mar, que poderíamos ouvir umas músicas, conversar mais, que o ambiente lá era muito agradável e coisa e tal. Relutei, mas acabei aceitando, Chegando lá, mostrou-me todo o apartamento. Um sonho e tanto para quem mora sozinho. Depois ficamos numa ampla sala, conversando. Em certo momento, ligou o aparelho de DVD e a TV; assistimos ao show de uma cantora famosa. Conversamos mais um pouco. Achei que ele não tinha intenção de fazer amor comigo naquela noite. Mostrou-se muito gentil, como era seu costume. Qualquer mulher que tivesse aquele homem não o largaria mais. Mas eu relutava. Não sabia o que fazer. Logo pensei: “para ele é fácil, basta ir lá embaixo que arranja alguém para trazer para cá”. Naquela noite ficamos durante duas horas e meia sentados num dos estofados da sala, ouvindo música. Ele não se aproximou de mim para me abraçar, como eu temia. Também não tomei iniciativa alguma. Quando passava da meia-noite, pedi que me levasse em casa. Levantou-se sem fazer objeção. Saímos. Comentei o caso com a minha amiga, a que me apresentou o homem. Ela disse que estou perdendo tempo, que não temesse, que ele é boa pessoa. “Nem chegamos a nos agarrar”, falei a ela. “Demos apenas um ou dois beijos”. Duas semanas depois, encontramo-nos de novo. Levou-me a uma festa. Muito agradável a festa; freqüentada por pessoas bonitas e simpáticas. Acabou tarde. Quando se preparava para me levar em casa, eu disse que queria ir para o apartamento dele. Pensei: “hoje me entrego, vou agir como disse minha amiga”. Já tinha tomado dois coquetéis de frutas com vodca, estava até um pouco excitada. Seu rosto abriu-se num sorriso largo quando ouviu meu desejo. Ligou o carro e dirigiu até aquela rua bonita de Ipanema, onde mora. Entramos no apartamento. Larguei-me primeiro sobre o estofado, enquanto ele foi fazer alguma coisa. Depois, ligou o aparelho de som, colocou um CD instrumental e veio para sala. Mas não me encontrou ali. Procurou-me. Eu estava no quarto, sobre a cama dele. Falei: “deita aqui ao meu lado”. Ainda vestido, deitou-se. Então o abracei e lhe dei um longo beijo na boca. Trouxe o homem para cima de mim. Agarramo-nos. Nossas roupas se roçavam umas nas outras. Quando me soltou, tirei o vestido e deixei que escorregasse para o chão, num dos lados da cama. Ele também despiu-se. Gostou, doutora? Despiu-se. Ficamos ali, juntinhos. Então aconteceu. Mas você deve estar se perguntando o que me trouxe aqui. Porque até agora parece que tudo está dentro da mais perfeita normalidade. Mas ouça o que aconteceu depois. De um extremo, fui ao outro. Foi algo que já havia ocorrido outras vezes, com outros homens que tive. No momento em que me percebi próxima daquela satisfação que toda mulher gosta de sentir numa boa trepada, não me contive. Comecei a gritar assustadoramente. O homem ficou desesperado. Acho que não estava acostumado com isso. Gritei e gritei com toda minha energia. Falei cada coisa... O quê? Ah, dizer agora é difícil. Mas disse coisas que nem a mais reles prostituta diria. E tudo num volume altíssimo. No final, ainda esbravejei que me mandasse embora nua, porque eu era a maior puta da cidade. Pensei que ele fosse levar tudo na esportiva, fantasias de uma mulher de quarenta anos. Mas, depois que tudo acabou e que me levou pra casa, notei que já não era o mesmo. Dali pra cá, não mais me ligou. Fiquei sem o namorado. Então, doutora, o problema que quero resolver é esse. Quando conheço alguém, estou num extremo, sou super tímida; ao entrarmos pelo relacionamento, no momento em que acontece a primeira transa, vou ao outro extremo. A maioria dos homens se assusta e não mais me procura. Devem pensar que sou louca. O que você me aconselha, doutora? Como a sua terapia pode me ajudar?

sábado, junho 06, 2009

No estacionamento...

Havia extravagância em minhas roupas. Desfilava pelo shopping e sabia que os homens me apreciavam. Caso eu os encarasse, via seus olhos na direção das minhas pernas. Evitava que descobrissem que eu investigava suas fisionomias. Para uma mulher, é sempre bom fazer-se a pessoa mais inocente do mundo.

Em todos os lugares a que fui pela manhã, houve quem me espreitasse. E não foram apenas os homens. Dentro de um toalete, uma jovem se dirigiu a mim com as seguintes palavras: “você está linda com esse vestido, aceita um convite para andar um pouco ao meu lado? Tenho coisas ótimas para fazer, inclusive ir a uma festa.” Delicada, declinei. Pedi o número do telefone, quem sabe amanhã ou depois.

Num restaurante, na hora do almoço, duas adolescentes vieram a mim: “por favor, seu vestido é tão bonito, em que loja você o comprou?” Dei as informações, de muito boa vontade, sempre sorrindo.

Quem quer que fosse, eu conquistaria. Se não para namorar, ao menos para segurá-lo por alguns minutos; tempo em que me apreciaria. Sabia também que demoraria a desaparecer-lhe da lembrança. Por falar em namoro, caso essa fosse a minha vontade, bastava sentar-me numa cafeteria, cruzar as pernas e fingir um olhar distante, como se não quisesse nada com pessoa alguma. Logo surgiriam homens que não me deixariam por nada desse mundo.

À tarde, entrei no carro e dirigi até o Park Shopping. Quando caminhava já no primeiro piso, reparei dois jovens que me olharam, riram e comentaram alguma coisa. Os jovens poderiam ser muito mais bem sucedidos com as mulheres, mas eles não sabem o que falam; acabam perdendo boas oportunidades. Eram grandes, bonitos, simpáticos; mas não havia razão para fazer o que eu vou contar a seguir.

Continuei meu passeio; olhava as vitrines; vez ou outra me encantava com alguma roupa. Ao parar durante alguns minutos em frente a uma loja de lingerie, senti um ligeiro sobressalto. Um daqueles jovens soprou a seguinte frase no meu ouvido: “você fica linda quando sai sem calcinha!”

Numa primeira reação, qualquer mulher educada nada falaria; poderia reagir através de um leve movimento no rosto. Talvez houvesse quem se virasse na direção oposta e deixasse o local. A mais esquentada talvez soltasse um palavrão, mesmo que em voz baixa. Mas mantive-me incólume. Uma vez que tenho o pleno domínio de todo o meu corpo, mesmo em situações imprevistas, agi como se nada houvesse acontecido.

Continuei a admirar as peças, os tecidos, os detalhes das roupas, as quais eu considero um tipo de obra de arte.

Ele tentou outro golpe: “você ficou excitada, os bicos de seus seios estão rijos”.

Continuei como se ele fosse invisível e eu nada percebesse.

“Você gostou, não? Seus seios continuam me correspondendo.”

Decidi então reagir, mas de forma totalmente inesperada: beijei-lhe os lábios.

Desconcertou-se, não esperava pelo gesto.

Continuei a apreciar as vitrines.

Após recuperar-se, falou: “que tal sairmos um pouco?”

“Sairmos?”, resolvi embarcar na fantasia dele.

“Isso, sairmos, namorarmos...”

“Agora, às três da tarde?”

“Não tem problema, estou de carro, os vidros são escuros, está no estacionamento coberto.”

“Você acha, amor, que eu tenho cara de namorar em estacionamentos?”

“Não sei. Há garotas que adoram. Tiram toda a roupa, até ameaçam sair nuas do automóvel.”

“Não sou uma garota.”

“Tem razão.”

“Você quer fazer amor comigo?", eu o excitava.

“Claro!”

“Então me leve ao Mercure, ou ao Confort, no setor hoteleiro.”

“É muito caro!”

“Cada coisa tem o seu preço. Você não gosta de coisas boas?”

“Gosto, mas...”

“Encontre comigo em frente ao Pátio Brasil, às 20:30h, caso você decida.”

“Fala sério?”

“Falo. Mas não dentro de seu carro, no estacionamento...”

Segui em frente. Ele ficou.

E é claro que, caso tenha me procurado à noite, permaneceu só.

No estacionamento...