Eu conto tudo como aconteceu. Já que estamos aqui apenas nós duas e a senhora não está me deixando constrangida, narro todos os pormenores. Posso até falar bem devagar para que a digitação se dê de forma satisfatória. Não há necessidade? A senhora consegue digitar independente de minha maneira de relatar? Melhor. Então, vamos. Começo. Sei que sou a responsável pelo que aconteceu; não transfiro a culpa pra pessoa alguma. Tudo começou da seguinte maneira. Fui ao Rio duas vezes encontrar esse meu namorado. A senhora deve conhecer o Rio, é uma cidade tentadora. Normalmente sente-se um calor terrível e uma sensualidade à flor da pele. Meu namorado é do Rio. Fui encontrá-lo. Passeamos muito. E, lá mesmo, já fizemos essas coisas; na verdade, nunca houve problema algum. Caso alguém repare o que está acontecendo, é até normal que vire o rosto e finja não ver; talvez o Rio seja a melhor cidade do mundo pra se viver, principalmente na Zona Sul, onde as pessoas parecem não se interessar pela vida alheia. Lá, saí com ele nessas mesmas circunstâncias; também cheguei na casa dele do mesmo modo. Foi adorável, nosso relacionamento sempre melhorou com isso. Aconselho as minhas amigas a trilhar esse caminho para melhorar o namoro. Assim, não há relação que caia na rotina. Mas aqui em Belo Horizonte, a situação é outra. As pessoas são... Bem, não quero entrar no mérito de julgar a população de toda uma cidade. Vamos ao que realmente aconteceu. Ele veio me visitar pela segunda vez. Já que estávamos acostumados a esse jeito liberal na cidade dele, resolvemos fazer o mesmo aqui. Lembro-me que antes de sair à noite, me fez um pedido: “você pode sair de vestido apenas, mais nada?” A senhora entende o que quero dizer com isso, não? Concordei com ele. Enfiei-me no quarto e procurei uma roupa bem provocante. Demorei, confesso. Quando surgi na sala, vestia um vestido inteiriço, comprido, fechado por botões de cima abaixo, e de mangas compridas. Um vestido de tecido grosso, apropriado para o frio que pode fazer à noite e, mais, de madrugada. Ele ficou fascinado. Não sei se pelo vestido, pelos botões, ou pela possibilidade de desabotoá-los. Saímos. Demos umas voltas pelo centro. Recordo-me que passamos por uma boate. Ainda era cedo e havia jovens sentados no chão, próximos à entrada. Continuamos; passeamos por algumas ruas escuras, desertas, mas atrativas. Paramos em um bar em que havia apenas um casal. Tomamos uma cerveja. Eu nem gosto muito de cerveja, mas o acompanhei. Estava um pouco frio, e a bebida me fez ficar arrepiada. Depois saímos do bar, de novo sem destino. Andamos mais um pouco. Confesso que senti vontade de encontrar um buraco, quer dizer, um vão. Queria me enfiar num lugar escondido e que ele me desabotoasse o vestido inteiro. Talvez a senhora me pergunte se eu não tenho casa para fazer essas coisas. Claro que tenho; além de tudo, moro sozinha. Mas confesso mais uma coisa, não sei se isso chega a ser considerado uma doença, mas a sensação de perigo me excita. Certa vez contei isso a uma terapeuta. Esperei que ela me desaconselhasse, ou me censurasse, mas acabou por me dizer que eu devia realizar o meu desejo. Então acho que ele captou meu pensamento. Primeiro, começamos a nos agarrar entre um muro e a entrada de um desses prédios antigos, de três andares. Minutos depois, acreditamos ter encontrado a desejada saliência. Era uma discreta e silenciosa avenida, cheia de casas enfileiradas. As moradias estavam escuras, apenas a luz exterior, que era baixa, iluminava o local. Falei a ele: “é aqui”. Daí ele me desabotoou. O vestido se abriu e ele começou a percorrer com as mãos o meu ventre, depois os meus seios, e,enfim, pôs-se a beijá-los. De certo modo, temi pegar um resfriado, mas o calor do seu corpo me bastava naquele momento. Passado um tempo, achei melhor ficar totalmente nua. Deixei que ele me despisse. Mas o desejo foi meu, isso é importante dizer. Preocupei-me apenas onde iríamos pendurar o vestido, para que não se sujasse. Acabei por encontrar uma ponta de portão, que serviu como uma espécie de cabideiro. Estava tão bom: eu nua nos braços dele, na minha cidade, numa noite silenciosa, morrendo de desejo, nunca pensei que isso fosse possível aqui, era um sonho. Até que, com o que aconteceu, descobri que realmente essas coisas não são possíveis numa cidade como a nossa. Quando me voltei ainda de olhos fechados para o meu lado direito, reparei um vulto que se afastou muito rápido. Pensei que fosse uma ilusão minha em meio àquela relação de imenso prazer. Mas quando abri os olhos, reparei que o vestido havia desaparecido; o vulto tinha sido de alguém que furtivamente o apanhara e correra. Nada falei, continuei entregue ao amor. Meu namorado nada reparara. Algum tempo depois, ao perceber o que o ocorrera, perguntou: “o que vamos fazer agora?”, sua voz soou um tanto trêmula. Ele não sabia que iniciativa tomar. “Vamos pegar um táxi, sugeri”, confesso que estava mais segura que ele, como ainda estou agora. Ele foi até a esquina, permaneci agachada, junto ao muro. Logo veio o táxi, e ele dentro. Só que o motorista era um senhor. Em vez de me levar para casa, trouxe-me para cá. Caso isso acontecesse no Rio, creio que o final seria outro. Mas aqui em Minas as pessoas são conservadoras. Agora estou aqui, sentada ante a senhora. Ainda bem que o pessoal neste lugar foi legal comigo, todos foram muito discretos, logo alguém arranjou esse pano para eu me enrolar. Só que meu bumbum está doendo, e a cadeira está tão dura...
O quê? Se tenho alguma amiga que pode me ajudar? A senhora vai me dar uma chance? Que bom! Tenho. Permite-me um telefonema? É pra já, agradeço. Não sabia que encontraria num lugar desse tipo uma pessoa tão generosa. Mas a senhora impõe uma condição: quer que eu escreva essa história de próprio punho e lhe dê autografada? Ok, dez minutos! Posso fazer duas perguntas? Faço a segunda, porque a primeira...: a senhora ficou excitada, não?
quinta-feira, agosto 20, 2009
sexta-feira, agosto 07, 2009
Ele voltou outras vezes
O homem, que eu mal sabia o nome, movia-se sobre mim. No escuro da sala, sobre um colchão estreito, descobrira-me seminua. Puxara a coberta de algodão e reparara minha blusa curta e a calcinha. Entendera minha linguagem. Eu fingia dormir, mas estava ávida que compreendesse meus sinais. Suas mãos grossas deslizaram sobre meu ventre; a boca roçou meu rosto e procurou meus lábios. O beijo, úmido, temperado pelo ar frio da madrugada, revelou nossos corpos à procura de calor. Virei-me sem abrir os olhos e o abracei. Minhas mãos percorreram suas costas, afagaram-no até encontrar pouso em algum ponto em que os músculos recheavam nosso contato. Deslizou as finas tiras que me atravessavam os ombros. Minha blusa não demorou a desaparecer, envolta por outros panos que nos cercavam. A calcinha, eu mesmo a tirei. Mantivemo-nos abraçados; nossos sexos se encontraram por instinto; não precisamos de mais esforços.
Eram dez horas quando começou a reunião. Um encontro entre amigos. Eu era a única que não conhecia quase ninguém. A dona da casa, minha amiga, apresentou-me ao grupo.
O olhar de um homem alto, de cabelos escuros, não se desprendeu de mim durante boa parte da noite.
Amigos chegavam, saíam, comiam os canapés que minha amiga preparara. Bebiam vinho, cerveja, ou mesmo uísque. A música não demorou a se espalhar pelo ambiente. Houve quem trouxera um violão. Foi uma noite de arte. Não precisávamos de muitas palavras. Apenas sons em harmonia, alguns olhares, breves diálogos, sorrisos provocantes.
Na varanda havia um grupo que fumava; fumava e olhava para o mar. Quando as vozes se calavam, era possível ouvir o ligeiro bramir das ondas.
Alguém lembrou um namoro de outros tempos na faixa de areia lá embaixo; outro, uma história engraçada sobre uma namorada nua dentro de um automóvel estacionado; alguém falou sobre um banho de mar noturno ao mesmo tempo em que havia homens pescando.
De repente, uma poesia; isso, uma voz declamou Bandeira. Já na madrugada, alguns pares haviam se formado. Moços e moças que vieram juntos também trocavam afagos. Meu pretendente não lançou palavras em minha direção. Apenas o sorriso; bebia coquetel de frutas, às vezes comia uma pequena torrada com pasta; acompanhava a música quando havia alguém no violão.
Depois das três a casa foi-se esvaziando. Ficou a anfitriã, o marido, mais um casal, meu admirador e eu.
Mais alguns quartos de hora, ela falou:
“Fiquem à vontade, aqui há mais um quarto, e mesmo a sala, caso queiram pernoitar”, sorriu.
Pouco a pouco fomos aconchegando-nos. A sala escura, os últimos lampejos do que fora uma festa, um resto de alegria, o cumprimento de boa noite. Uma noite que já quase se esvaía.
No meio tom das sombras, fingimos adormecer. Como ele nada falara, tirei a saia e a deixei sobre uma das cadeiras. Enfiei-me seminua, ou semivestida, sob a coberta. Depois soube que a saia vazia sobre a cadeira o excitara; que uma mulher que insinua a pele branca, a nudez inesperada, faz um convite impreterível ao amor.
Naquela noite, não trocamos palavras. Apenas nossos dedos percorreram os abismos que tentamos fazer transponíveis. Construímos pontes sobre as sutilezas do amor e do gozo. E quando exaustos, após arfarmos e gemermos sob prazer inclemente, voltamos ao nosso chão. Cada qual a seu canto.
Quando amanheceu, acordei sozinha. E ainda nua.
Mas ele voltou outras vezes.
Eram dez horas quando começou a reunião. Um encontro entre amigos. Eu era a única que não conhecia quase ninguém. A dona da casa, minha amiga, apresentou-me ao grupo.
O olhar de um homem alto, de cabelos escuros, não se desprendeu de mim durante boa parte da noite.
Amigos chegavam, saíam, comiam os canapés que minha amiga preparara. Bebiam vinho, cerveja, ou mesmo uísque. A música não demorou a se espalhar pelo ambiente. Houve quem trouxera um violão. Foi uma noite de arte. Não precisávamos de muitas palavras. Apenas sons em harmonia, alguns olhares, breves diálogos, sorrisos provocantes.
Na varanda havia um grupo que fumava; fumava e olhava para o mar. Quando as vozes se calavam, era possível ouvir o ligeiro bramir das ondas.
Alguém lembrou um namoro de outros tempos na faixa de areia lá embaixo; outro, uma história engraçada sobre uma namorada nua dentro de um automóvel estacionado; alguém falou sobre um banho de mar noturno ao mesmo tempo em que havia homens pescando.
De repente, uma poesia; isso, uma voz declamou Bandeira. Já na madrugada, alguns pares haviam se formado. Moços e moças que vieram juntos também trocavam afagos. Meu pretendente não lançou palavras em minha direção. Apenas o sorriso; bebia coquetel de frutas, às vezes comia uma pequena torrada com pasta; acompanhava a música quando havia alguém no violão.
Depois das três a casa foi-se esvaziando. Ficou a anfitriã, o marido, mais um casal, meu admirador e eu.
Mais alguns quartos de hora, ela falou:
“Fiquem à vontade, aqui há mais um quarto, e mesmo a sala, caso queiram pernoitar”, sorriu.
Pouco a pouco fomos aconchegando-nos. A sala escura, os últimos lampejos do que fora uma festa, um resto de alegria, o cumprimento de boa noite. Uma noite que já quase se esvaía.
No meio tom das sombras, fingimos adormecer. Como ele nada falara, tirei a saia e a deixei sobre uma das cadeiras. Enfiei-me seminua, ou semivestida, sob a coberta. Depois soube que a saia vazia sobre a cadeira o excitara; que uma mulher que insinua a pele branca, a nudez inesperada, faz um convite impreterível ao amor.
Naquela noite, não trocamos palavras. Apenas nossos dedos percorreram os abismos que tentamos fazer transponíveis. Construímos pontes sobre as sutilezas do amor e do gozo. E quando exaustos, após arfarmos e gemermos sob prazer inclemente, voltamos ao nosso chão. Cada qual a seu canto.
Quando amanheceu, acordei sozinha. E ainda nua.
Mas ele voltou outras vezes.
sábado, agosto 01, 2009
Anos 80
Vi uma matéria num desses cadernos femininos de jornal: uma atriz famosa posava para uma sessão de fotos de moda, com trajes anos 80. Uma maravilha. As roupas eram, na maior parte, de couro. Na foto maior, ela estava recostada numa caixa acústica, daquelas que se usavam nas festas da época, e trajava apenas uma jaqueta, meia-calça Wolford transparente com tonalidade negra e botas Fórum. Em outra pose, apresentava-se de frente, corpo inteiro, com um vestido curtíssimo, atravessado de cima abaixo por um longo zíper; o que havia de comprido eram as mangas, iam até os punhos, o zíper fechava na altura dos seios, deixando entreaberto o tanto de tecido que terminava sob o pescoço. A mulher tinha os braços esticados, as mãos fechadas; essas atingiam comprimento maior do que o vestidinho. Estava com a mesma meia da foto anterior e sandálias Constança. Na terceira foto, ainda de pé, tinha a perna direita voltada para fora, trajava um top Via Flores negro, de couro, calças legging, também de couro, e botas Diesel. Por alto, tudo que ela vestia nas três poses, excluindo o preço dos anéis, beirava cinco mil reais.
Não resisti. Uma vez que há muito tempo não cometo tal extravagância, procurei saber onde ficavam as lojas e comprei todas as roupas.
Escolhi o vestido curtíssimo, com seus complementos; vesti-o e fui a uma boate no Leblon. Dancei durante toda a noite. Os homens não pararam de me assediar. Fiz um terrível sucesso. Não pude sentar, como vocês imaginam; caso o fizesse... Aliás, no escurinho até que dava, cruzando as pernas, bebendo uma dose de uísque, ou uma caipirinha. As amigas me disseram: “Nos anos 80 se saía assim depois das vinte e três e tentava-se chegar em casa antes das cinco, ainda no escurinho da madrugada". Mas – sabem como sou – saí de casa em torno da meia-noite e voltei já o dia estabelecido, depois de tomar o café da manhã num hotel da orla marítima! Aluguei um automóvel com motorista; quis que me conduzisse a meu bel prazer, mesmo após a festa. Mas foram tantos os candidatos que se ofereceram a conduzir-me, amigos e aventureiros, admiradores de mulheres noturnas, amantes de mulheres nuas ou mesmo de roupa exígua (houve até mesmo candidatas), que quase me dei por vencida. Mas resisti. Mantive minha decisão: um automóvel com motorista, inteiramente à minha disposição. E por doze horas consecutivas. Foi uma extravagância feliz. Surpreendi os incautos. Cheguei no banco traseiro, única passageira. O motorista saiu do veículo, abriu a porta e fez uma mesura para que eu descesse. A cor negra do comprido automóvel combinava com toda a minha roupa, também negra. Muitas pessoas me olharam, mostraram-se surpresas. Caminhei de maneira natural, como se tudo aquilo fosse a coisa mais comum do mundo. Dentro da casa de espetáculo, havia um lugar especial, reservado apenas para mim. Não quis a presença de pessoa alguma nas outras cadeiras. A mesa era só minha, com os quatro lugares. Ao sair para a pista, notei o olhar estendido de muitos homens e mulheres. Dancei de início só, com a indiferença das estrelas. Quem quer que se aproximasse para tentar alguns passos diante de mim, eu, aparentemente, correspondia; mas, em seguida, meus olhos frios apontavam a lugar nenhum. Não me exibia para o outro, mas para mim mesma. Qualquer um podia chegar, mas também partir, no mesmo anonimato. Não dei primazia à pessoa alguma. Lá pelas três, até que tive vontade. Quando voltava do bar, olhei com insistência a um homem de meia-idade. Ao perceber meus olhos negros, minha face soturna e minhas sobrancelhas baixas, apertou-me a um canto, deslizou as mãos por sob meu tecido, tocou-me a meia, acima das coxas, já quase na virilha. Permiti-o durante poucos segundos. Larguei-o, de repente, e escorreguei para a pista novamente; agi como se nada houvesse acontecido. Assustou-se; ou sentiu-se desprezado. Perto do final, a pista estava plena, apertada. Levei alguns esbarrões e senti outros tantos toques. Mas minha pele fria e minha indiferença fizeram seus autores escapulirem. Muitos me dirigiram a palavra, mas não obtiveram resposta.
Quando ousei partir, às quatro e trinta, meu motorista encostou. Entrei no automóvel. Senti que, naquela madrugada, fora eu a estrela máxima. As próprias mulheres invejaram-me; os homens tremeram ante meu corpo esguio e minha roupa avançada, embora do passado recente.
No hotel, bem no hotel a história foi outra... Depois, o café da manhã estava uma delícia. É preciso dizer que os escandinavos são homens discretíssimos. Mesmo ante a uma mulher nua. E que encosta à porta de sua suíte ao amanhecer. Depois de tudo terminado, meu motorista não me deixou em apuros. Sob minhas ordens, e sem dirigir-me a vista direta, resgatou-me em torno das sete e trinta. Ainda com as mesmas mesuras da noite recente. Dirigiu o automóvel com a postura de um criado inglês. Devolveu-me, a casa, incólume.
Não resisti. Uma vez que há muito tempo não cometo tal extravagância, procurei saber onde ficavam as lojas e comprei todas as roupas.
Escolhi o vestido curtíssimo, com seus complementos; vesti-o e fui a uma boate no Leblon. Dancei durante toda a noite. Os homens não pararam de me assediar. Fiz um terrível sucesso. Não pude sentar, como vocês imaginam; caso o fizesse... Aliás, no escurinho até que dava, cruzando as pernas, bebendo uma dose de uísque, ou uma caipirinha. As amigas me disseram: “Nos anos 80 se saía assim depois das vinte e três e tentava-se chegar em casa antes das cinco, ainda no escurinho da madrugada". Mas – sabem como sou – saí de casa em torno da meia-noite e voltei já o dia estabelecido, depois de tomar o café da manhã num hotel da orla marítima! Aluguei um automóvel com motorista; quis que me conduzisse a meu bel prazer, mesmo após a festa. Mas foram tantos os candidatos que se ofereceram a conduzir-me, amigos e aventureiros, admiradores de mulheres noturnas, amantes de mulheres nuas ou mesmo de roupa exígua (houve até mesmo candidatas), que quase me dei por vencida. Mas resisti. Mantive minha decisão: um automóvel com motorista, inteiramente à minha disposição. E por doze horas consecutivas. Foi uma extravagância feliz. Surpreendi os incautos. Cheguei no banco traseiro, única passageira. O motorista saiu do veículo, abriu a porta e fez uma mesura para que eu descesse. A cor negra do comprido automóvel combinava com toda a minha roupa, também negra. Muitas pessoas me olharam, mostraram-se surpresas. Caminhei de maneira natural, como se tudo aquilo fosse a coisa mais comum do mundo. Dentro da casa de espetáculo, havia um lugar especial, reservado apenas para mim. Não quis a presença de pessoa alguma nas outras cadeiras. A mesa era só minha, com os quatro lugares. Ao sair para a pista, notei o olhar estendido de muitos homens e mulheres. Dancei de início só, com a indiferença das estrelas. Quem quer que se aproximasse para tentar alguns passos diante de mim, eu, aparentemente, correspondia; mas, em seguida, meus olhos frios apontavam a lugar nenhum. Não me exibia para o outro, mas para mim mesma. Qualquer um podia chegar, mas também partir, no mesmo anonimato. Não dei primazia à pessoa alguma. Lá pelas três, até que tive vontade. Quando voltava do bar, olhei com insistência a um homem de meia-idade. Ao perceber meus olhos negros, minha face soturna e minhas sobrancelhas baixas, apertou-me a um canto, deslizou as mãos por sob meu tecido, tocou-me a meia, acima das coxas, já quase na virilha. Permiti-o durante poucos segundos. Larguei-o, de repente, e escorreguei para a pista novamente; agi como se nada houvesse acontecido. Assustou-se; ou sentiu-se desprezado. Perto do final, a pista estava plena, apertada. Levei alguns esbarrões e senti outros tantos toques. Mas minha pele fria e minha indiferença fizeram seus autores escapulirem. Muitos me dirigiram a palavra, mas não obtiveram resposta.
Quando ousei partir, às quatro e trinta, meu motorista encostou. Entrei no automóvel. Senti que, naquela madrugada, fora eu a estrela máxima. As próprias mulheres invejaram-me; os homens tremeram ante meu corpo esguio e minha roupa avançada, embora do passado recente.
No hotel, bem no hotel a história foi outra... Depois, o café da manhã estava uma delícia. É preciso dizer que os escandinavos são homens discretíssimos. Mesmo ante a uma mulher nua. E que encosta à porta de sua suíte ao amanhecer. Depois de tudo terminado, meu motorista não me deixou em apuros. Sob minhas ordens, e sem dirigir-me a vista direta, resgatou-me em torno das sete e trinta. Ainda com as mesmas mesuras da noite recente. Dirigiu o automóvel com a postura de um criado inglês. Devolveu-me, a casa, incólume.
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