sábado, agosto 01, 2009

Anos 80

Vi uma matéria num desses cadernos femininos de jornal: uma atriz famosa posava para uma sessão de fotos de moda, com trajes anos 80. Uma maravilha. As roupas eram, na maior parte, de couro. Na foto maior, ela estava recostada numa caixa acústica, daquelas que se usavam nas festas da época, e trajava apenas uma jaqueta, meia-calça Wolford transparente com tonalidade negra e botas Fórum. Em outra pose, apresentava-se de frente, corpo inteiro, com um vestido curtíssimo, atravessado de cima abaixo por um longo zíper; o que havia de comprido eram as mangas, iam até os punhos, o zíper fechava na altura dos seios, deixando entreaberto o tanto de tecido que terminava sob o pescoço. A mulher tinha os braços esticados, as mãos fechadas; essas atingiam comprimento maior do que o vestidinho. Estava com a mesma meia da foto anterior e sandálias Constança. Na terceira foto, ainda de pé, tinha a perna direita voltada para fora, trajava um top Via Flores negro, de couro, calças legging, também de couro, e botas Diesel. Por alto, tudo que ela vestia nas três poses, excluindo o preço dos anéis, beirava cinco mil reais.

Não resisti. Uma vez que há muito tempo não cometo tal extravagância, procurei saber onde ficavam as lojas e comprei todas as roupas.

Escolhi o vestido curtíssimo, com seus complementos; vesti-o e fui a uma boate no Leblon. Dancei durante toda a noite. Os homens não pararam de me assediar. Fiz um terrível sucesso. Não pude sentar, como vocês imaginam; caso o fizesse... Aliás, no escurinho até que dava, cruzando as pernas, bebendo uma dose de uísque, ou uma caipirinha. As amigas me disseram: “Nos anos 80 se saía assim depois das vinte e três e tentava-se chegar em casa antes das cinco, ainda no escurinho da madrugada". Mas – sabem como sou – saí de casa em torno da meia-noite e voltei já o dia estabelecido, depois de tomar o café da manhã num hotel da orla marítima! Aluguei um automóvel com motorista; quis que me conduzisse a meu bel prazer, mesmo após a festa. Mas foram tantos os candidatos que se ofereceram a conduzir-me, amigos e aventureiros, admiradores de mulheres noturnas, amantes de mulheres nuas ou mesmo de roupa exígua (houve até mesmo candidatas), que quase me dei por vencida. Mas resisti. Mantive minha decisão: um automóvel com motorista, inteiramente à minha disposição. E por doze horas consecutivas. Foi uma extravagância feliz. Surpreendi os incautos. Cheguei no banco traseiro, única passageira. O motorista saiu do veículo, abriu a porta e fez uma mesura para que eu descesse. A cor negra do comprido automóvel combinava com toda a minha roupa, também negra. Muitas pessoas me olharam, mostraram-se surpresas. Caminhei de maneira natural, como se tudo aquilo fosse a coisa mais comum do mundo. Dentro da casa de espetáculo, havia um lugar especial, reservado apenas para mim. Não quis a presença de pessoa alguma nas outras cadeiras. A mesa era só minha, com os quatro lugares. Ao sair para a pista, notei o olhar estendido de muitos homens e mulheres. Dancei de início só, com a indiferença das estrelas. Quem quer que se aproximasse para tentar alguns passos diante de mim, eu, aparentemente, correspondia; mas, em seguida, meus olhos frios apontavam a lugar nenhum. Não me exibia para o outro, mas para mim mesma. Qualquer um podia chegar, mas também partir, no mesmo anonimato. Não dei primazia à pessoa alguma. Lá pelas três, até que tive vontade. Quando voltava do bar, olhei com insistência a um homem de meia-idade. Ao perceber meus olhos negros, minha face soturna e minhas sobrancelhas baixas, apertou-me a um canto, deslizou as mãos por sob meu tecido, tocou-me a meia, acima das coxas, já quase na virilha. Permiti-o durante poucos segundos. Larguei-o, de repente, e escorreguei para a pista novamente; agi como se nada houvesse acontecido. Assustou-se; ou sentiu-se desprezado. Perto do final, a pista estava plena, apertada. Levei alguns esbarrões e senti outros tantos toques. Mas minha pele fria e minha indiferença fizeram seus autores escapulirem. Muitos me dirigiram a palavra, mas não obtiveram resposta.

Quando ousei partir, às quatro e trinta, meu motorista encostou. Entrei no automóvel. Senti que, naquela madrugada, fora eu a estrela máxima. As próprias mulheres invejaram-me; os homens tremeram ante meu corpo esguio e minha roupa avançada, embora do passado recente.

No hotel, bem no hotel a história foi outra... Depois, o café da manhã estava uma delícia. É preciso dizer que os escandinavos são homens discretíssimos. Mesmo ante a uma mulher nua. E que encosta à porta de sua suíte ao amanhecer. Depois de tudo terminado, meu motorista não me deixou em apuros. Sob minhas ordens, e sem dirigir-me a vista direta, resgatou-me em torno das sete e trinta. Ainda com as mesmas mesuras da noite recente. Dirigiu o automóvel com a postura de um criado inglês. Devolveu-me, a casa, incólume.

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