Estávamos no Iguatemi, domingo à tarde, eu, Graça e Maristela. Como era o primeiro domingo do ano e as festas havia dois dias tinham terminado, predominava o clima de passeio que completava os feriados de reveillon, famílias saíram de casa para almoçar no shopping.
Esperávamos os rapazes; um fora ao toalete; o outro estava um pouco atrasado. Enquanto as pessoas passavam por nós, podíamos observar as vitrines das lojas que ficavam do lado oposto de onde nos encontrávamos. Ao fundo se localizava a livraria Cultura, Graça olhava para lá. Maristela reparou que tanto os homens quanto as mulheres passeavam bem vestidos.
“É porque a temperatura caiu, apesar de verão. Em Brasília é assim, por natureza já não é uma cidade quente, e as chuvas de verão fazem a temperatura em torno de vinte ou dezenove graus, você que já há anos mora aqui sabe disso”, falei.
Graça despertou do hipnotismo que a proximidade da livraria a envolvia.
“As pessoas andam tão elegantes aqui nesta cidade, gosto muito disso; no Rio, acho que devido ao calor excessivo, não é assim, há uma atitude de relaxamento, ou mesmo desleixo.”
“Você, Graziela, anda muito bem vestida, não é porque estou ao seu lado que estou elogiando, não”, Maristela se dirigiu a mim.
“Ah, obrigada, gosto de andar bem arrumada.”
“Não é só isso, é que, como se pode notar, você sempre usa roupas de grife, e esse seu vestidinho está uma graça.”
Depois que Maristela falou, Graça sorriu, o trocadilho com o seu nome fez que se manifestasse:
“Epa, a Graça aqui sou eu.”
“Todas somos muito graciosas, mas a Graziela anda com roupas muito chiques”, acrescentou Maristela.
“É mesmo, conta pra gente quanto foi o vestido, Grazi, vi numa revista e acho que não saiu por menos do que setecentos”, Graça, com ar indagador.
“Oitocentos e cinquenta”, falei, “caro, não?”, sorri.
“Puxa, você é corajosa”, Graça suspirou, “mas aqui em Brasília as pessoas ganham bem.”
“Não é isso”, esclareci, “nem todos por aqui ganham bem nem se vai jogar dinheiro fora, é pela qualidade, vocês reparem que um vestido desse tipo dura bastante e é útil para muitas ocasiões, mas não se deve usá-lo todo dia, hoje é uma data especial, estamos acompanhadas, e o ano mal se inicia.”
“Há mais um segredinho”, peruou Maristela no ouvido da Graça, “o namorado dela”, apontou para mim, “exige que ande bem vestida, com roupas de primeira, ela mesma já me falou sobre isso.”
“Verdade?”, quis saber Graça, “ele é tão exigente assim?”
“Fale a ela Grazi, diga a verdade.”
“É isso mesmo, ele é muito exigente, e além de tudo me enche de presentes. O vestido foi ele quem me deu. Alíás, fui com ele, porque sou eu que escolho.”
“Aqui entre nós, enquanto ele não chega, ouça só, é também exigente em outras coisas”, Mari alimentava o assunto.
Graça deu uma tremenda gargalhada.
“Grazi é minha amiga há anos, não fica aborrecida com as coisas que falo”, continuou Stela, “ela mesma me contou e não pediu segredo. Grazi veste essas roupas caras, a maioria presentes dele, mas também o recompensa, não é mesmo, meu docinho?”
Tive de rir. “Essa minha amiga é terrível, será que sou apenas eu que conto atrações íntimas, ou você me falou sobre aquela madrugada, a pele branquinha, isto é, nada sobre a pele, um arrepio, o Honda do seu amado...”
“Não, Grazi, por favor, depois deixo que você conte, mas agora não, morro de vergonha, veja que vem o Júlio...”
Olhei na direção a que Stela apontou, mas não vi Júlio algum.
“Sobre a Maristela, como pediu, não vou falar nada, vou deixar que depois ela conte com suas próprias palavras, assim será mais emocionante, mas quanto a mim não tenho vergonha alguma de dizer, uma vez que sou agraciada com tantas roupas, acessórios lindíssimos e outros tipos de presentes, o que custa agradar meu namorado?”, enfatizei.
“Todas as mulheres agradam seus namorados e vice-versa, ou não?”, Graça.
“A Grazi é demais. O agrado dela é exagerado”, Mari.
“Sou exagerada? Só porque...” olhei para os lados e hesitei se falaria.
“Estou curiosa, gostaria de saber que agrado é esse...”, Graça.
Maristela correu e sussurrou algumas palavras no ouvido dela.
“Oh”, Graça suspirou.
“Já sei o que ela falou, não acredite”, interrompi o suspiro da minha amiga que viera do Rio, depois virei para Mari e, debochada, falei:
“Sempre achei o Rio tão avançado, todas aquelas mulheres nuas no carnaval, atrizes sem calcinha, e a Graça não pôde ouvir essa bobagem que você falou sem deixar de dar esse longo suspiro”, acrescentei.
“Olhe, Grazi, agora é o Júlio, entendi porque demorou, repare o que ele traz nas mãos, observe de que loja é? Acho que vou desmaiar, queria tanto ganhar um presente assim”, disse Mari, dengosa.
“Oi pessoal”, Júlio me beijou e beijou minhas duas amigas. Entregou-me o presente, “querida, presentinho de ano novo.”
Mari e Graça suspiraram no mesmo ritmo.
“Onde vocês pretendem ir? Lembrem, hoje é por minha conta”, acrescentou.
“Júlio, você não tem um irmão, ou mesmo um primo?” Mari, toda espevitada.
“Tenho, mas é em segundo grau.”
“Ah, que ótimo, não faz mal que seja em segundo grau. Não dá pra você chamá-lo, assim, assim?”, Mari completou a frase com gestos que tentavam continuar suas palavras. Graça acompanhou as mãos da amiga de olhos arregalados.
“Posso, mas ele tem apenas quatorze anos, e não sei se vai gostar de sair com a gente.”
“Oh, Graça, então temos que esperar mais alguns anos”, Maristela entristecida.
Todos mergulharam numa intensa risada...
“De que vocês estão rindo? Me contem que quero rir também”, era o amigo da Graça que chegava. Havia um ano viera trabalhar em Brasília, passara no concurso da Câmara, se juntava a nós para passar a tarde de domingo.