Preparei duas fantasias sensuais para o Carnaval. A primeira, um tomara que caia negro de
rendas, transparente, sem forro, deixando entrever a calcinha e o top. Nos pés,
sapato plataforma também preto. A
segunda: apenas um conjunto de biquíni e top, coberto o biquíni por uma sainha
de renda bem leve, curta e transparente. Caso precisasse, também tinha meias
arrastão dentro da bolsa. Quem sabe, um complemento para os dois minúsculos
conjuntos.
No sábado, entrei na multidão no desfile do Cordão do Bola
Preta. Muitos foliões aproximaram-se, abraçaram-me e quiseram beijar-me a boca.
Permiti o beijo apenas a alguns. Mas dancei com quase todos. Adoro corpos
quentes, sentir a empolgação no ponto de fervura. Ela transborda nos desfiles
de blocos.
No Carnaval, há vários tipos de homens. Há em primeiro lugar
aqueles que desejam uma mulher fácil. Outros querem aproveitar o momento,
beijos e carícias nas mulheres são seus prazeres preferidos. Pode ser que se
encontre aquele que nos queira namorar por quatro dias. E, por fim, ainda há quem
acredite que achará o amor de sua vida nos agitados dias de Carnaval.
Encontrei um homem de mais ou menos quarenta anos que se apaixonou
por mim. Não sei dizer que tipo de homem era. Mas me tratou com muito chamego.
No final, falou: “fadinha, mesmo que você desapareça, a gente se encontra de
novo; o Carnaval é curto, assim como esse mundo.”
Aproveitei o desfile de sábado de manhã. Queria mesmo era
dançar e pular. Não estava preocupada com eventuais namorados. Mas o que me
chamou de Fadinha...
À noite eu e a Lúcia, uma amiga dos tempos de faculdade,
fomos a um bloco, no Leblon. Apesar de ter menos gente do que o Bola, o ambiente
foi bem mais pesado. Todos os rapazes queriam nos beijar. E tínhamos de ter
cuidado, porque, com nossas fantasias curtas, frágeis e provocantes dávamos a
entender que queríamos nos arranjar. O mais importante para nós, no entanto,
era a festa. E lá pelas tantas, já madrugada de domingo, ouço: “oi, Fadinha,
que bom, você sempre perto de mim”. E fomos escapando pelas ruas, no meio do
bloco, próximos mas soltos, sem que cada um atrapalhasse a dança e o desfile do
outro. Minha amiga perguntou: “você não quer ir ao um baile, no Humaitá?”
Escapamos as duas, num táxi. Um táxi para Humaitá. Meu amor de Carnaval? Ah,
como disse ele, é pequeno esse nosso mundo.
No baile, a coisa estava quente. Logo que entramos fomos
arrastadas por uma avalanche de homens em constante delírio. Por ser quase duas
da madrugada, a maioria já havia bebido muito, por isso a excitação.
“Cuidado, Lúcia, segura a saia”, alertei, embora sôfrega, à
minha amiga.
Com nossa experiência de outros anos, sabíamos que aquele
turbilhão de gente não demoraria a nos deixar nuas. Mas conseguimos um cantinho
para dançar e alguns rapazes para nos proteger.
“Você é a Kátia, do Leblon”, disse um deles, “conheço você
lá do Jobi.”
“Isso mesmo, e essa é minha amiga Lúcia”, completei.
Nosso pequeno grupo permaneceu no baile até quase quatro da
manhã. Então, chamei minha amiga e apontei uma passagem entre as pessoas. Alguns
já haviam partido a outras aventuras, e eu não queria muitos amores naquelas
horas. Sabia que os meninos iam querem ficar com a gente, exigiriam pelo menos
um agrado.
Saímos de fininho. E tivemos sorte com outro táxi, parado
bem adiante.
No domingo apareci em torno das duas da tarde na Garcia
D’Ávila. Ainda não havia me recuperado do primeiro dia, mas não podia perder o desfile
do “Que Merda é essa?”, um bloco muito animado. Os integrantes vestem uma
camiseta distribuída pelo próprio bloco, e saem desfilando de um bar que fica
na esquina da Garcia com uma transversal, a duas quadras da Lagoa.
Eu enlouquecia os homens quando um deles me ofereceu uma
camiseta, enfim, estava ali por causa do Carnaval e, vestidinha, suas mulheres
não ficariam com inveja. Segui em frente
no meio do bloco. O desfile só terminou às cinco da tarde. Dançamos até a
Delfim Moreira e voltamos por uma rua paralela à Garcia.
“A noite é do Flamengo”, soprou-me Lúcia.
“Será que aguentamos?”, perguntei quando saíamos de casa,
depois de meia-noite, já madrugada de segunda.
“Os homens é que não vão aguentar, estamos nuas!”, sorriu minha
amiga.
“Nua nua não, mas acho que vou ficar, acho que pelada vou o
nascer do sol apreciar”, brinquei como
se cantasse uma marchinha dos velhos tempos.
Todos sabem como é o baile do Flamengo. Tem de se ter
coragem. É preciso ter amigos. Um empurra-empurra alegre, às vezes passando um
pouco dos limites. Mas vale a pena. Oh, como me acabei. A banda tocava, eu saltava. Acho que apareci na TV. E nem precisei tirar o top. Quem bom, os homens me
deixaram sambar, rebolar! Nada de agarramento. Apreciem-me, isso, olhem para
mim, depois quem sabe dou a vocês alguma esperança. Mas agora quero é sambar. O
suor me escorria de todo o corpo. Toda hora uma garrafa de água mineral. Não
sei de onde me trouxeram tanta água. E lá pelas tantas, ouço de novo: “oi,
fadinha, você tão fofinha!”, o meu admirador do primeiro dia. E pelas mãos dele
lá fui eu salão adentro, fui como se fosse pra jamais voltar... Naquela
madrugada me perdi de Lúcia, naquela madrugada não sei como cheguei ao meu
apartamento. Quando acordei segunda à tarde, surpresa. Estava ainda de
fadinha...
Vamos hoje para o Centro, falou Lúcia às sete da noite, pelo
telefone. Vamos sair num bloco de enredo. Arranjei as fantasias.
A cidade corria em plena volúpia. Homens, mulheres, gente de
todo tipo. Todos se entreolhavam procurando o prazer.
Na concentração do primeiro bloco, eu e Lúcia encontramos
nossos pares. Tivemos de ficar só de biquíni, e o meu nem era de praia.
Pintaram o meu corpo, pintaram também o de Lúcia. Transformaram-nos em duas
sereias.
Sussurrei à minha amiga: “será essa a fantasia?”
Ela apenas riu.
“Vocês têm os seios rijos, precisamos de mulheres assim para
ganhar o carnaval”, falou o chefe do bloco.
“E as outras mulheres, não vão ficar enciumadas?”, me
preocupei.
“Não, todas querem ser campeãs, não importa como.
Desfilamos. O delírio foi geral. Tanta luz sobre nossos
corpos. Forte a pulsação, mais forte ainda a bateria. Quase vibrou no lugar dos
nossos corações.
No final, beijos e abraços.
“Venham conosco, vamos comemorar”, pediu o chefe.
“Ainda temos outro compromisso”, disse Lúcia.
“É”, afirmei, “há gente nos esperando”, falei enquanto
cobria os seios, esperávamos por nossas roupas.
“Fiquem mais um pouquinho”, insistiu o homem.
“Um pouquinho”, sorri. Olhei em volta pra ver se já chegava a
sainha e o top que eu vestia antes do desfile.
O homem nos levou com ele, juntaram-se a nós outras pessoas,
e nós duas ainda tão nuas...
Acabamos numa roda de samba, até o amanhecer. O chefe do
bloco, ainda muito solícito, nos colocou num táxi. Ai, cadê minha sainha?
Terça-feira, último dia de Carnaval, a Banda de Ipanema e um
baile famosíssimo no Leblon!
Depois do divertimento e do rolo da segunda, acordei quase
quatro da tarde no apartamento de Lúcia.
“Kátia, está na hora, vamos?”
“Na hora?”, repeti.
“Isso mesmo, na hora da Banda de Ipanema. Não podemos
perder?”
“E minha fantasia?”, perguntei ansiosa.
“Você agora tem apenas a de fadinha, lembra?”
“Ah, sim”, respondi ainda nublada.
“Há algo aqui para tomarmos e sairmos a mil de casa. Segure,
é energizante.”
Eu nem quis sabe que tipo de bebida se tratava, bebi, vesti-me
e saímos.
Ah, bastou-me ouvir os primeiros acordes para que eu
despertasse totalmente. Minha pele arrepiou-se sob a fantasia transparente. Comecei
a dançar.
A banda partiu da General Osório. A multidão, enlouquecida,
ia atrás. E qual não foi minha surpresa encontrar tanta gente amiga, gente que
eu não achava havia tempos. E minhas amigas tão nuas. Algumas só de camiseta;
outras, fantasiadas, transparentes como eu. Não é possível descrever um desfile
da Banda de Ipanema em toda sua plenitude. É preciso estar um dia ali, desfilar
sem cronômetro e sem compromisso, aceitar os copos de gim e de vodca oferecidos
pelos rapazes. Além disso, não deixar que se percam os seus beijos longe de
nossas bocas. Nada de namoro, quero apenas beijos na boca. E mais música, dança,
desfile, encanto...
“Kátia, vamos ao Leblon, um baile fechado”, Lúcia gritou no
meu ouvido quando a Banda voltava ao ponto de partida, os foliões embriagados
de alegria.
“Não é melhor ficarmos aqui? Já fomos a um baile no sábado,
se não me engano.”
“Mas agora é coisa fina, você nunca viu nada igual.”
“O que tem lá de tão especial.”
“Só vendo, Kátia, só vendo., Tenho certeza que será inesquecível.”
“Mas estou acabada, suada, nem sei se me resta a fantasia”,
dei com a vista pelo próprio corpo.
“Resta, sim, e bem elegante. Passemos lá em casa e damos um
jeitinho em nossas aparências."
Eu não podia deixar passar o último dia. Carnaval é sempre
Carnaval. Saímos de casa meia-noite. Acho que um tanto de pilequinho, mas com
muita energia e animação.
No baile, me acabei. Os rapazes apreciavam-me o corpo e o
minúsculo biquíni. Que sucesso! Quando eu dançava com todo ímpeto, o biquíni
descia um pouquinho. Às vezes eu fazia de conta que não reparava, às vezes eu acertava
a fina tirinha de pano. Quase fiquei nua! (quase?).
“Kátia, dessa vez você encantou, nenhum dos homens quer sair de perto de você.”
Eu sorria, fazia de conta que não entendia suas palavras. Mas
o calor, o suor e minha nudez não excitavam apenas a eles. Eu também estava
a mil. Calafrios de gozo...
“Lúcia, não posso voltar pra casa assim, com o dia claro, entende?. Temos de correr daqui antes do amanhecer”, lembrei-lhe em meio à música e à
algazarra.
Nunca havia passado um
Carnaval tão bom. Lá pelas quatro e meia, tomei Lúcia pelo braço e corremos
dali. Sorte nossa, sempre um táxi.
“Não se preocupe, Lúcia, nessa cidade sempre é Carnaval.
Toda semana uma festa, não podemos lamentar.”
Fomos para o meu apartamento. Dessa vez não perdi a chave, ela
estava a tiracolo na pequena bolsinha, junto ao celular.
“Kátia, não entendi por que você correu tanto. Podíamos ter
esperado o fim do baile.”
“E não esperamos?”
“Eu ainda queria curtir mais um pouco, ver os amigos depois
da festa.”
“Eu, ao contrário, não queria que eles me vissem depois da
festa”, afirmei.
“Por quê?”
“Será que você não notou?"
“Se não notei? O quê?”
“Ah, Lúcia, você é distraída mesmo. Lembra o admirador do primeiro dia?”
“Ah, aquele homem com quem você dançou no final? Bem que o percebi
familiar.”
“’Oi, Fadinha, você de novo?’, ele, lá pelas três e pouco. O cara vinha enfeitiçado por mim desde o primeiro dia de Carnaval.”
“E o que houve, afinal?”
“’O que é do homem o bicho não come’, meu admirador falou! Não
come?, deixei escapar o meu desejo.”
“E depois, Kátia, o que aconteceu?”
“Ele comeu.”
“Comeu?”
“Foi tão bom. Ou melhor, foi ótimo. E ainda deixei a
lembrancinha.”