terça-feira, março 04, 2014

O que é do homem o bicho não come

Preparei duas fantasias sensuais para o Carnaval.  A primeira, um tomara que caia negro de rendas, transparente, sem forro, deixando entrever a calcinha e o top. Nos pés, sapato plataforma também preto.  A segunda: apenas um conjunto de biquíni e top, coberto o biquíni por uma sainha de renda bem leve, curta e transparente. Caso precisasse, também tinha meias arrastão dentro da bolsa. Quem sabe, um complemento para os dois minúsculos conjuntos.

No sábado, entrei na multidão no desfile do Cordão do Bola Preta. Muitos foliões aproximaram-se, abraçaram-me e quiseram beijar-me a boca. Permiti o beijo apenas a alguns. Mas dancei com quase todos. Adoro corpos quentes, sentir a empolgação no ponto de fervura. Ela transborda nos desfiles de blocos.

No Carnaval, há vários tipos de homens. Há em primeiro lugar aqueles que desejam uma mulher fácil. Outros querem aproveitar o momento, beijos e carícias nas mulheres são seus prazeres preferidos. Pode ser que se encontre aquele que nos queira namorar por quatro dias. E, por fim, ainda há quem acredite que achará o amor de sua vida nos agitados dias de Carnaval.

Encontrei um homem de mais ou menos quarenta anos que se apaixonou por mim. Não sei dizer que tipo de homem era. Mas me tratou com muito chamego. No final, falou: “fadinha, mesmo que você desapareça, a gente se encontra de novo; o Carnaval é curto, assim como esse mundo.”

Aproveitei o desfile de sábado de manhã. Queria mesmo era dançar e pular. Não estava preocupada com eventuais namorados. Mas o que me chamou de Fadinha...

À noite eu e a Lúcia, uma amiga dos tempos de faculdade, fomos a um bloco, no Leblon. Apesar de ter menos gente do que o Bola, o ambiente foi bem mais pesado. Todos os rapazes queriam nos beijar. E tínhamos de ter cuidado, porque, com nossas fantasias curtas, frágeis e provocantes dávamos a entender que queríamos nos arranjar. O mais importante para nós, no entanto, era a festa. E lá pelas tantas, já madrugada de domingo, ouço: “oi, Fadinha, que bom, você sempre perto de mim”. E fomos escapando pelas ruas, no meio do bloco, próximos mas soltos, sem que cada um atrapalhasse a dança e o desfile do outro. Minha amiga perguntou: “você não quer ir ao um baile, no Humaitá?” Escapamos as duas, num táxi. Um táxi para Humaitá. Meu amor de Carnaval? Ah, como disse ele, é pequeno esse nosso mundo.

No baile, a coisa estava quente. Logo que entramos fomos arrastadas por uma avalanche de homens em constante delírio. Por ser quase duas da madrugada, a maioria já havia bebido muito, por isso a excitação.

“Cuidado, Lúcia, segura a saia”, alertei, embora sôfrega, à minha amiga.

Com nossa experiência de outros anos, sabíamos que aquele turbilhão de gente não demoraria a nos deixar nuas. Mas conseguimos um cantinho para dançar e alguns rapazes para nos proteger.

“Você é a Kátia, do Leblon”, disse um deles, “conheço você lá do Jobi.”

“Isso mesmo, e essa é minha amiga Lúcia”, completei.

Nosso pequeno grupo permaneceu no baile até quase quatro da manhã. Então, chamei minha amiga e apontei uma passagem entre as pessoas. Alguns já haviam partido a outras aventuras, e eu não queria muitos amores naquelas horas. Sabia que os meninos iam querem ficar com a gente, exigiriam pelo menos um agrado.

Saímos de fininho. E tivemos sorte com outro táxi, parado bem adiante.

No domingo apareci em torno das duas da tarde na Garcia D’Ávila. Ainda não havia me recuperado do primeiro dia, mas não podia perder o desfile do “Que Merda é essa?”, um bloco muito animado. Os integrantes vestem uma camiseta distribuída pelo próprio bloco, e saem desfilando de um bar que fica na esquina da Garcia com uma transversal, a duas quadras da Lagoa.

Eu enlouquecia os homens quando um deles me ofereceu uma camiseta, enfim, estava ali por causa do Carnaval e, vestidinha, suas mulheres não ficariam com inveja.  Segui em frente no meio do bloco. O desfile só terminou às cinco da tarde. Dançamos até a Delfim Moreira e voltamos por uma rua paralela à Garcia.

“A noite é do Flamengo”, soprou-me Lúcia.

“Será que aguentamos?”, perguntei quando saíamos de casa, depois de meia-noite, já madrugada de segunda.

“Os homens é que não vão aguentar, estamos nuas!”, sorriu minha amiga.

“Nua nua não, mas acho que vou ficar, acho que pelada vou o nascer do sol apreciar”, brinquei   como se cantasse uma marchinha dos velhos tempos.

Todos sabem como é o baile do Flamengo. Tem de se ter coragem. É preciso ter amigos. Um empurra-empurra alegre, às vezes passando um pouco dos limites. Mas vale a pena. Oh, como me acabei. A banda tocava, eu saltava. Acho que apareci na TV. E nem precisei tirar o top. Quem bom, os homens me deixaram sambar, rebolar! Nada de agarramento. Apreciem-me, isso, olhem para mim, depois quem sabe dou a vocês alguma esperança. Mas agora quero é sambar. O suor me escorria de todo o corpo. Toda hora uma garrafa de água mineral. Não sei de onde me trouxeram tanta água. E lá pelas tantas, ouço de novo: “oi, fadinha, você tão fofinha!”, o meu admirador do primeiro dia. E pelas mãos dele lá fui eu salão adentro, fui como se fosse pra jamais voltar... Naquela madrugada me perdi de Lúcia, naquela madrugada não sei como cheguei ao meu apartamento. Quando acordei segunda à tarde, surpresa. Estava ainda de fadinha...

Vamos hoje para o Centro, falou Lúcia às sete da noite, pelo telefone. Vamos sair num bloco de enredo. Arranjei as fantasias.

A cidade corria em plena volúpia. Homens, mulheres, gente de todo tipo. Todos se entreolhavam procurando o prazer.

Na concentração do primeiro bloco, eu e Lúcia encontramos nossos pares. Tivemos de ficar só de biquíni, e o meu nem era de praia. Pintaram o meu corpo, pintaram também o de Lúcia. Transformaram-nos em duas sereias.

Sussurrei à minha amiga: “será essa a fantasia?”

Ela apenas riu.

“Vocês têm os seios rijos, precisamos de mulheres assim para ganhar o carnaval”, falou o chefe do bloco.

“E as outras mulheres, não vão ficar enciumadas?”, me preocupei.

“Não, todas querem ser campeãs, não importa como.

Desfilamos. O delírio foi geral. Tanta luz sobre nossos corpos. Forte a pulsação, mais forte ainda a bateria. Quase vibrou no lugar dos nossos corações.

No final, beijos e abraços.

“Venham conosco, vamos comemorar”, pediu o chefe.

“Ainda temos outro compromisso”, disse Lúcia.

“É”, afirmei, “há gente nos esperando”, falei enquanto cobria os seios, esperávamos por nossas roupas.

“Fiquem mais um pouquinho”, insistiu o homem.

“Um pouquinho”, sorri. Olhei em volta pra ver se já chegava a sainha e o top que eu vestia antes do desfile.

O homem nos levou com ele, juntaram-se a nós outras pessoas, e nós duas ainda tão nuas...

Acabamos numa roda de samba, até o amanhecer. O chefe do bloco, ainda muito solícito, nos colocou num táxi. Ai, cadê minha sainha?

Terça-feira, último dia de Carnaval, a Banda de Ipanema e um baile famosíssimo no Leblon!

Depois do divertimento e do rolo da segunda, acordei quase quatro da tarde no apartamento de Lúcia.

“Kátia, está na hora, vamos?”

“Na hora?”, repeti.

“Isso mesmo, na hora da Banda de Ipanema. Não podemos perder?”

“E minha fantasia?”, perguntei ansiosa.

“Você agora tem apenas a de fadinha, lembra?”

“Ah, sim”, respondi ainda nublada.

“Há algo aqui para tomarmos e sairmos a mil de casa. Segure, é energizante.”

Eu nem quis sabe que tipo de bebida se tratava, bebi, vesti-me e saímos.

Ah, bastou-me ouvir os primeiros acordes para que eu despertasse totalmente. Minha pele arrepiou-se sob a fantasia transparente. Comecei a dançar.

A banda partiu da General Osório. A multidão, enlouquecida, ia atrás. E qual não foi minha surpresa encontrar tanta gente amiga, gente que eu não achava havia tempos. E minhas amigas tão nuas. Algumas só de camiseta; outras, fantasiadas, transparentes como eu. Não é possível descrever um desfile da Banda de Ipanema em toda sua plenitude. É preciso estar um dia ali, desfilar sem cronômetro e sem compromisso, aceitar os copos de gim e de vodca oferecidos pelos rapazes. Além disso, não deixar que se percam os seus beijos longe de nossas bocas. Nada de namoro, quero apenas beijos na boca. E mais música, dança, desfile, encanto...

“Kátia, vamos ao Leblon, um baile fechado”, Lúcia gritou no meu ouvido quando a Banda voltava ao ponto de partida, os foliões embriagados de alegria.

“Não é melhor ficarmos aqui? Já fomos a um baile no sábado, se não me engano.”

“Mas agora é coisa fina, você nunca viu nada igual.”

“O que tem lá de tão especial.”

“Só vendo, Kátia, só vendo., Tenho certeza que será inesquecível.”

“Mas estou acabada, suada, nem sei se me resta a fantasia”, dei com a vista pelo próprio corpo.

“Resta, sim, e bem elegante. Passemos lá em casa e damos um jeitinho em nossas aparências."

Eu não podia deixar passar o último dia. Carnaval é sempre Carnaval. Saímos de casa meia-noite. Acho que um tanto de pilequinho, mas com muita energia e animação.

No baile, me acabei. Os rapazes apreciavam-me o corpo e o minúsculo biquíni. Que sucesso! Quando eu dançava com todo ímpeto, o biquíni descia um pouquinho. Às vezes eu fazia de conta que não reparava, às vezes eu acertava a fina tirinha de pano. Quase fiquei nua! (quase?).

“Kátia, dessa vez você encantou, nenhum dos homens quer sair de perto de você.”

Eu sorria, fazia de conta que não entendia suas palavras. Mas o calor, o suor e minha nudez não excitavam apenas a eles. Eu também estava a mil. Calafrios de gozo...

“Lúcia, não posso voltar pra casa assim, com o dia claro, entende?. Temos de correr daqui antes do amanhecer”, lembrei-lhe em meio à música e à algazarra.

Nunca havia passado um Carnaval tão bom. Lá pelas quatro e meia, tomei Lúcia pelo braço e corremos dali. Sorte nossa, sempre um táxi.

“Não se preocupe, Lúcia, nessa cidade sempre é Carnaval. Toda semana uma festa, não podemos lamentar.”

Fomos para o meu apartamento. Dessa vez não perdi a chave, ela estava a tiracolo na pequena bolsinha, junto ao celular.

“Kátia, não entendi por que você correu tanto. Podíamos ter esperado o fim do baile.”

“E não esperamos?”

“Eu ainda queria curtir mais um pouco, ver os amigos depois da festa.”

“Eu, ao contrário, não queria que eles me vissem depois da festa”, afirmei.

“Por quê?”

“Será que você não notou?"

“Se não notei? O quê?”

“Ah, Lúcia, você é distraída mesmo. Lembra o admirador do primeiro dia?”

“Ah, aquele homem com quem você dançou no final? Bem que o percebi familiar.”

“’Oi, Fadinha, você de novo?’, ele, lá pelas três e pouco. O cara vinha enfeitiçado por mim desde o primeiro dia de Carnaval.”

“E o que houve, afinal?”

“’O que é do homem o bicho não come’, meu admirador falou! Não come?, deixei escapar o meu desejo.”

“E depois, Kátia, o que aconteceu?”

“Ele comeu.”

“Comeu?”

“Foi tão bom. Ou melhor, foi ótimo. E ainda deixei a lembrancinha.”

Nenhum comentário: