segunda-feira, dezembro 21, 2020

Prostitutos

Estava na praia, acho que era uma sexta ou sábado, mês de abril. O mar ia calmo, poucas pessoas, o sol morno. Foi então que vi uma menina, digamos assim. Não era criança, mas alguém de seus vinte anos. Era bonita, magra, porém tinha bundinha, o biquíni curtinho, todo entrado atrás. Sou vinte anos ou vinte e poucos anos mais velha do que ela, tenho meu charme, mas depois de tanto tempo não dá pra manter um corpinho assim. Uso também o biquíni curtinho, a bunda de fora, embora a dela esteja mais exposta. Fiquei a olhá-la caminhar pela beira d’agua e pensei na dificuldade para alguém de quarenta ou cinquenta anos arranjar um namorando, não apenas aqui nesta cidade, mas em todo lugar. A moça logo vai estar nos braços de alguém. Não errei. Passaram-se dez ou quinze minutos, lá vinha ela com um rapagão. Ele, alto, magro também, desajeitado, como todo jovem, porém bonito, esbanjando a seiva dos vinte anos.

Uma amiga disse um dia desses: aqui, em M, é difícil arranjar um homem, e quando a gente consegue, ele quer mandar na gente, repare, faz alguns meses arranjei alguém, comecei a conversar, dias depois foi lá em casa, ficamos juntos, acabou rolando alguma coisa, descobri sobre a vida dele, embora não me interessasse; só não quero confusão, ok?, falei, você pode vir aqui vez ou outra, ficar comigo; não demorou o homem queria saber aonde eu ia, que horas eu saía, que roupa eu vestia; assim não dá, transbordei, você tem a vida toda enrolada, fica comigo duas horas por semana, nem sei o que faz por aí, e quer se meter na minha vida?, acabei por terminar; seria bom arranjar macho apenas pra trepar, nada de gente no meu pé; mas eles desenvolvem um sentimento pernicioso de posse. E essa minha amiga faz a vontade de todos os namorados, realiza a fantasia de cada um deles. Até já saiu nua no banco do carona. Olha que pérola o tal perdeu.

Voltando à praia, meia hora depois chegou um homem, que já conheço e vive de olho em mim, queria conversar. Mas sei da mulher dele, não quero confusão. Diz que moram juntos, porém não têm mais relação sexual. Não acredito em histórias da carochinha. Ele se pôs a falar sobre um amigo que viajou aos Estados Unidos, o que o amigo fez, por onde passeou, a namorada que arranjou, contou que a mulher nem deixava o homem falar, era só a vontade dela, e ele aceitou. Virei-me de frente (estava de costas, sobre a canga), disse que queria beber um refrigerante. Correu para comprá-lo. Essa é uma coisa boa entre os homens, pagam na esperança de me ter na cama.

Voltou depois de alguns minutos, trouxe um guaraná para mim e um copo de caipirinha para ele. Quero a caipirinha, cheguei a falar. Você gosta?, ofereceu. Bebi um gole, ele ficou com o guaraná. Seus olhos, de modo disfarçado, procuravam minhas coxas. Não há nada de mais transar com ele, mas sempre alguém acaba sabendo e as fofocas circulam rapidamente na cidade. Ainda ficou perto de mim durante vinte minutos; pediu licença, disse que tinha de ir, prometeu telefonar qualquer hora dessas, vamos a um restaurante, comer e beber do melhor, sugeriu.

Outras pessoas já se aglomeravam na faixa de areia e a praia já não tinha o charme de que gosto, vazia, inteirinha pra mim. Mas o que há de se fazer? Em torno de onze e meia apareceu um jovem que eu jamais vira na região. Pediu-me um cigarro. Mas você, de uma aparência tão rica, pedindo cigarro a uma mulher, falei e ri. Disse que não conseguia comprar cigarros em lugar algum, que já andara a praia toda. Apontei a ele a barraca, na ponta, perto do entroncamento com Cavaleiros, onde se vendia cigarros, e não só desses que você está me pedindo. O homem sorriu. Vou até lá. Queria que ficasse, arrependi-me da sugestão dada, o homem partiria, quem sabe seria uma boa conversa, ou mesmo algo a mais. Não demorou, voltava ele, com uma carteira de cigarros inteirinha pra mim, a marca que fumo. Não, por favor, cheguei a dizer, mas ele não me deixou recusar. Sentou, então, ao meu lado.

Não sei por que estou sempre a me lembrar de minhas amigas atuais e das que já se mudaram e que não vejo faz tempo. Veio-me à cabeça a Deia. Diz que é perigoso falar com desconhecidos. Pode até conversar, mas não sai com eles logo. Engraçado, ela ainda me contou que adora tirar o biquíni quando entra n’água. Procura um lugar pouco frequentado, despe-se e faz a calcinha de pulseira, diz que sente enorme tesão nisso. Sei lá, cada maluca com sua mania. Acho muito melhor ter um homem pra me abraçar, pra tirar o meu biquíni. Não dentro d’água, é claro, mas numa boa cama. É bom criar expectativa, provocar arrepio, fazer o homem sonhar que tem a gente nua nos seus braços, um incentivo para a conquista. E o que eles fazem pra conseguir nos comer! Não posso pensar muito nisso, chego a ficar molhada.

O homem jovem disse o mar aqui é muito bonito, é a primeira vez que venho. Não quis interrompê-lo, nem nada falar sobre mim, deixei-o divagar sobre a natureza. Depois de ficar alguns segundos em silêncio, levantei-me e fiz menção de que daria um mergulho. Estava calor, precisava me molhar. Foi atrás de mim. Entramos n’água, molhei a cabeça, depois mergulhei e nadei vinte ou trinta metros, distante da beira d’água. Ele me acompanhou, ficamos flutuando e sorrindo um ao outro. O que se pode pensar em tal situação? É lógico que não iria agarrá-lo, nem pedir que me abraçasse. Caso ele viesse, será que eu permitiria? O tesão é grande, mas a vulgaridade nos rebaixa. Não me tocou. A temperatura baixa da água nos atiçava. Nadamos mais um pouco, ouvimos o suave marulhar, o vento a perder-se sobre nossas cabeças, a sensibilidade do corpo ao mar. Senti vontade de lamber os braços, fazia isso quando criança, o gosto de sal me incentivava. Mas só foram pensamentos. Pouco a pouco fomos voltando à beira, enfiei mais uma vez a cabeça dentro d’água, a água a me escorrer os cabelos. Voltamos ao ponto de partida, à canga onde eu me sentei.

Certa vez disse eu a Wanda, vou pagar pra um homem me comer, não é possível viver assim. Ela riu, não acreditou. Quando foi embora (estávamos na minha casa e tomávamos um chá), comecei a procurar se havia sites de prostitutos. Há muitos deles, mas não aqui na cidade. Todos são no Rio, ou em São Paulo. Transar com um prostituto deve ser bom, porque trepo, gozo, pago e o homem vai embora, não se mete na minha vida. Se morasse na capital, faria isso, ninguém no meu pé.

Quanto tempo você vai ficar aqui em M?, perguntei, ele sentando diretamente na areia, ao meu lado. Vou pra arraial à tarde, falou. Arraial?, perguntei. Lá é ótimo, não quer ir também?, sugeriu. É, até que seria bom, sussurrei; você bebe algo?, elevei a voz. Ele levantou e foi até o quiosque comprar duas caipirinhas. A minha pede de vodca, por favor, soprei na direção, minhas palavras levadas pelo vento.

Todos sabem o efeito das bebidas alcoólicas. Embora não seja muito de beber, na praia acabo cometendo alguma extravagância. A bebida me deixa solta, falo coisas que não falaria num estado de total sobriedade. Minhas amigas não bebem, muitas dizem que o álcool faz mal à saúde. Também acho, mas uma bebida vez ou outra não vai matar. O limão com aquela ponta de vodca, o sol e o mar me provocam mais que arrepios. Não posso nem me mexer muito, para não dar na pinta. Meu amigo voltou com os dois copos, segurei o meu e experimentei o primeiro gole. Ele não era de falar muito, um cara de espírito contemplativo, refleti. Falei sobre a cidade, onde ele estava pela primeira vez, o que havia para fazer, tanto durante o dia como à noite, as praias, os pontos turísticos e alguns problemas locais, sobre estes falei pouco, não queria estragar a beleza do dia. Conheço uma porção de gente aqui, M tem duzentos e pouco mil habitantes, mas quem nasceu aqui ou mora na cidade há muito tempo conhece muita gente, às vezes é impossível ficar sozinha, sempre aparece alguém conhecido, e não se tem privacidade. Eu falava e falava. Parei para acender um cigarro. Perguntou se podia acender seu cigarro, mas não era um cigarro comum, comprei no mesmo lugar do maço de cigarros que trouxe para você, explicou. Lógico, pode acender, sim, e deixa eu dar uns tragos. Fumamos os dois, eu alternava uma tragada do meu cigarro outra no dele. Divertimo-nos no troca-troca, ele também fumou do meu cigarro.

Bebemos, pouco a pouco, as caipirinhas. É lógico que me tornei ainda mais excitada; ele, apesar de sua beatitude original, tornou-se também. Soube que vinha de um subúrbio do Rio, mudara-se para Niterói e se formara na universidade local. Não falou sua especialidade, também não perguntei. Disse que tinha um jipe, mas antigo, apontou na direção da orla, mostrando onde o deixara ao chegar pela manhã.

Após uma hora ou pouco mais, entramos n’água mais uma vez. A temperatura baixa das águas do mar provocava arrepios, mas refrescava o calor do sol das treze horas. Mergulhei e nadei durante alguns minutos. Meus cabelos compridos molhados escorriam às minhas costas, não sei por que senti naquele momento uma imensa alegria, talvez fosse o resultado de vários fatores, como o dia bonito, o homem jovem e sonhador a minha frente, a caipirinha e tudo que poderia vir pela frente. Ele aproximou-se de mim, esticou os braços e me enlaçou, mantendo suas mãos cruzadas atrás das minhas costas. Aproximei-me do seu tórax e o abracei. Ficamos ali, durante um tempo que, no momento parecia extenso; lembrando, porém, tempos depois, parecia passado num piscar de olhos.

Quando saímos d’água, estava convencida que iria com ele a Arraial. Deitamos ainda sob o sol durante um longo tempo. Aproveitei para escutar o som da natureza. O marulhar das ondas era o mais presente, depois vinha o vento, sempre contínuo, incansável, ruídos da presença humana, como a voz de alguém ao longe, ou o marchar do motor de algum carro mais barulhento que passava na pequena rua junto à orla marítima. Quando íamos lá pelas duas horas senti um pouco de fome. Em situações normais, eu voltaria para casa, mas com meu novo amigo deitado ao meu lado, de olhos bem fechados, como se visitasse outros planos naquele momento não tive coragem de partir. Poderia mesmo me levantar e me retirar, silenciosa, ele não notaria. Desci sozinha à beira e entrei no mar novamente. Havia mais pessoas naquele momento, mas a distância entre elas e eu era grande. Aproveitei para me refrescar bastante. Apesar da meia estação, o calor estava forte. O banho de mar me excitou ainda mais, senti uma vontade incrível de trepar. Enfiei a mão por dentro do biquíni para procurar meu clitóris, mas o biquíni era curto e tão apertado que resolvi baixá-lo até os joelhos. A água do mar a invadir de forma mais direta o local que momentos antes era coberto pelo tecido aumentou-me o desejo. Toquei, enfim, o clitóris, pressionei-o, friccionei-o. Quem sabe, chegando ao orgasmo perderia o desejo de acompanhar o homem a Arraial. Quando avançava na masturbação, a ponto de sentir meu coração se agitar, percebi alguém atrás de mim. Era meu amigo. Você mergulhou sem me chamar, disse. Ele pareceu não notar que eu me masturbava. Disfarcei. Você parecia dormir profundamente, respondi. Dormia mesmo, mas a tua falta me despertou. Ele veio me abraçar; eu, com o biquíni acima dos joelhos!

O jipe dele era bonito, tinha alguns adesivos. E ventava terrivelmente. Olha, alertei, você está me levando para Arraial, mas repare bem, estou nua, não tenho, nada a vestir além do biquíni e dessa canga semitransparente, é preciso que me traga de volta, está bem? Claro que trago você, ele disse, quando quiser basta pedir, arraial é a quarenta e cinco minutos de M.

Quando chegamos, estava morrendo de fome. Almoçamos numa cabana rústica, junto à praia. Não sei se foi por causa da fome, mas achei a comida deliciosa, tinha mesmo arroz e feijão, comida que quase não faço em casa. Comemos também filé de peixe, batatas cozidas e uma salada de alface. Bebemos uma cerveja, das grandes, depois descemos à praia. Andamos um pouco pela beira d’água, o sol ia mais suave. Houve um momento em que ele apontou um grupo de casas após uma pequena envergadura do mar, disse que estava hospedado ali. Estou mesmo é precisando tomar um banho de água doce e deitar um pouco, cheguei a dizer. Vamos, então, sugeriu, você vai poder descansar bastante. Andamos ainda na areia por dez ou quinze minutos, quando atravessamos a pista estreita e rumamos para o local das casas.

Não preciso dizer que fiquei pelada dentro da casa dele. Não tinha o que vestir. Saí enrolada na toalha, fui até a uma pequena área atrás da parte construída, onde havia um fio de estender roupa, dependurei minhas duas peças e a canga, depois entrei. Ele perguntou se eu queria uma camiseta. Ótima ideia. Vesti-a e me atirei na cama. Engraçado, quando deitei veio-me à cabeça a ideia que eu tivera de contratar homens para trepar comigo, homens que não teriam relação alguma além da sexual. Naquele momento tudo acontecia de maneira muito diversa, com alguém que poderia mesmo vir a gostar de mim. Seria ele possessivo? Pelo seu caráter zen, não.

Acordei, olhei meu telefone, eram onze e meia da noite. Virei ao lado e abracei meu recente namorado. Ele despertou, percebeu minhas intenções, abraçou-me também e rolamos sobre a cama. Beijei-o na boca, um longo beijo. Após alguns segundos, sentei-me e tirei a camiseta. Mesmo no escuro, ele apreciou minha nudez. Apertou-me os seios, puxou-me para junto dele, subiu sobre meu corpo. Lembrou-se que estava de bermuda. Não demorou a despir-se. Abraçamo-nos, cada um sentia o calor do corpo do outro. Ficamos assim durante longos minutos, beijando-nos, apertando-nos, enfim, explorando tecidos desconhecidos, pele inexplorada, promontórios escondidos. Senti-me excitada diante da ereção que ele mantinha. Um pênis que se conservava em todo seu esplendor durante o tempo que eu desejava. Ajoelhei-me e comecei a mordiscá-lo. Pouco a pouco deixei que penetrasse minha boca, depois avancei e pude senti-lo tocar-me os limites entre boca e garganta. Se esse homem esguicha seu sêmen, será que vou engasgar?, cheguei a pensar. O gozo me vinha lento, prazeroso, desejava mantê-lo o máximo possível. Minha estada ao seu lado, naquela casa, a loucura de ter deixado minha cidade e vindo praticamente nua a Arraial, tudo me excitava muito. Pensei no meu biquíni mínimo dependurado na corda, na canga transparente, será que ainda estavam lá? Será alguém os furtaria para me deixar ainda mais nua? Não me importei, o homem daria um jeito, grande parte dos homens sempre dão um jeito. Após alguns minutos, deixei minha boca escorregar, soltei seu pênis e sentei-me sobre o namorado. Adoro cavalgar. Mas primeiro era necessário encaixar seu peru, deixar que, com vagar, escorregasse pra dentro de mim. Comecei suave, apenas a ponta a beirar-me a vagina, quando senti que me molhava por dentro e por fora pressionei-o. Perdi o controle, percebi que me penetrava fundo, cheguei a gritar. Parti para o cavalgamento, era amazona a fugir de inimigo poderoso; ou , quem sabe, a atacá-lo com flechas certeiras, derrubando-os um a um. Mas naquela cama de fim de mundo, na verdade era eu a receber a flecha, a ponta anatômica mais perfeita que a natureza produziu, capaz de proporcionar gozo às mulheres. Esquecemos a camisinha, disse, não goza, não, por favor, me deixa perder a cabeça sozinha, sussurrei próxima ao seu ouvido. Gozei, ele gozou também. Ambos éramos, naquele momento, o homem e a mulher mais felizes do mundo.


Não fui embora no dia seguinte. Continuei o dia inteiro de biquíni, com meu homem, na praia, no quiosque próximo a beber um coquetel, na cama por mais duas ou três vezes. Escrevendo hoje, não lembro se parti num domingo ou numa segunda-feira. E vejam que são dias bem distintos, fáceis de serem demarcados. Nossa loucura foi tanta, que os dias se misturaram e vivemos a maior parte do tempo sob as sensações dos nossos corpos.

Depois daqueles dias não o vi mais. Ele voltou a sua cidade. Telefonou, enviou mensagens, falou comigo pelo videofone, sempre viajando, sempre em cidades diferentes. Jamais perguntei em que trabalhava. Ficou um dia de aparecer.

terça-feira, dezembro 15, 2020

Refúgio

No final de Cavaleiros, quando havia o quebra-mar, certa vez encontrei um refúgio. Ficava a cinquenta metros do que seria o entroncamento com a Praia do Pecado, e dois metros abaixo da calçada. Quem passeava pelo local não dava por sua existência, porque a tendência era olhar na direção da beira da praia. Acho que houve, ali, um quiosque, por isso alguém escavou a parede, talvez com a intenção de guardar garrafas ou outro tipo de mercadoria. Quando o encontrei, estava deserto. Como estou sempre ali, num canto tranquilo da praia, onde tomo sol e posso ler revistas e livros, acabei descobrindo-o. Fui investigar. Quem o utilizou chegou a fazer uma entrada lateral, esculpiu dois degraus na pedra. No total devia ter nove metros quadrados. Havia ainda uma espécie de entrada de luz, na verdade uma fenda na pedra. Caminhantes que olhassem de longe só o descobririam se muito meticulosos. Era preciso aproximar-se, agachar-se, só então se descobriria a entrada.

Algumas amigas perguntam o meu local predileto da praia, se em Cavaleiros ou no Pecado. Evito revelar. Quando muito, digo que tomo banho de mar em frente ao Country. Mas não é verdade. Não quero ninguém a me perturbar. Amo a liberdade, a beleza do mar e o calor do sol, principalmente na meia estação. Por isso, estou sempre sozinha. Às vezes, aparece alguém para conversar, contar um caso, ou destilar suas mágoas. Permaneço, porém, impávida, não falo nada de mim, não conto meus desejos nem o que faço. Lógico que observo se há alguém que me agrade. Quem sabe um homem para apreciar de longe, ou um namorado sem grandes envolvimentos. Tenho conhecidas que falam demais, contam seus problemas e frustrações. Há mesmo quem conte seus casos com os homens, como Nara. Diz que já trepou com não sei quantos, aqui da cidade. Procura manter as aparências, tem cara de quieta, mas age de modo contrário. Seu último namorado era um homem casado. Vinha apanhá-la na praia, levava-a a um hotel e depois a devolvia à mesma praia. Quando o tempo muda e começa a ventar e não é possível mais a praia?, cheguei a perguntar. Aí tenho de me virar. Talvez ela, caso descubra o esconderijo, entre nele com um homem. Para namorar, é claro. Sorrio e volto à minha leitura.

Entrei no refúgio e pude verificar se estava sujo, ou cheio de areia. Havia areia, sim, trazida pelos dias de vento forte, mas, para quem ama a liberdade, era possível esconder-se, guardar algo, ou mesmo trocar de roupa.

Numa quarta-feira cheguei à praia às seis e trinta da manhã, para caminhar e dar um mergulho. Depois de andar de uma ponta a outra, fui ao esconderijo. Queria saber se alguém estivera lá. Qual minha surpresa quando descobri uma bolsa de butique, num dos cantos, dessas que se ganha quando se faz a compra de uma roupa cara. Abri-a com cuidado, temendo qualquer armadilha. Encontrei um vestido, de fazenda fina, acho que da mesma marca escrita na bolsa. Fiquei a imaginar quem o poderia ter deixado ali, correndo o risco de ser encontrado e levado. Mas não o levei. Enfiei-o de volta na bolsa e a coloquei no mesmo lugar. Pensei esconder-me e ficar à espreita da visitante que viria buscá-lo. Mas não pude, e acho que não teria paciência. Mergulhei, na parte da praia onde começa o Pecado. Depois, juntei minhas coisas e parti. Tinha de trabalhar.

Numa quinta-feira, por volta de meia-noite, eu deixava o Ilhote, onde havia encontrado uma amiga. Comemos, bebemos e colocamos nossos assuntos em dia. Ela viera de carro e eu também. Na hora de partir, porém, decidi ir ao tal esconderijo. Seria perigoso? Se fosse, eu não levava em conta o tal perigo. Dirigi até a ponta da praia. Ao parar, permaneci ainda dentro do carro durante um bom tempo, queria me certificar se havia alguém ao redor. Saí do automóvel, todo o cuidado era necessário. A lâmpada de um poste, a cinquenta metros, orientava o caminho, mas, ao mesmo tempo, revelaria minha presença. Caminhei na direção contrária, onde as sombras eram mais densas e me protegiam. Agachei-me quando cheguei junto ao refúgio, olhei mais uma vez em volta e coloquei a cabeça na pequena entrada. Não havia viva alma. Iluminei o celular e entrei. Verifiquei todos os recantos. Vi a bolsa, mas era outra, menor, e a loja estampada no papel era de roupas de banho. Direcionei a luz ao interior da bolsa e descobri o que ela guardava. Um biquíni de praia, duas peças, muito pequenas, manequim talvez 40 ou 42. Caberia no meu corpo, poderia tê-lo tomado para mim, estava ainda envolto naquele papel fino que as vendedoras utilizam para proteger a peça. Mas deixaria suspeita. Alguém teria descoberto o esconderijo. O jogo terminaria. Deixei tudo no local e parti. As conclusões ficariam para o dia seguinte.

Passaram-se duas semanas. Vieram várias frentes frias, o tempo fechou, choveu durante vários dias. No primeiro dia de sol, o calorzinho da manhã convidou-me à praia. Primeiro, a caminhada; depois, o mergulho. Mas não fui ao esconderijo. Sentei e li uma revista. Um homem veio me pedir fogo. A noite de quinta-feira, no entanto, aprontou-me duas surpresas. A primeira: a amiga que marcou encontro comigo no Ilhote não apareceu. Telefonei continuamente, mas o telefone dava caixa postal. Fiquei sozinha no restaurante. Tal atitude despertou interesse numa mesa onde quatro homens jantavam. Um deles, duas dezenas de minutos depois, passou por mim e tentou falar algo em meu ouvido. Como não dei atenção, foi embora. Depois, alguém deixou um pedaço de papel. Não cheguei a abri-lo. Os homens eram barulhentos e gesticulavam muito, tinham aspecto de que trabalhavam nas empresas de petróleo. A cidade, à noite, fica cheia deles, nos bares e restaurantes. Quando foram embora, permaneci mais um pouco, tentei ainda falar com Marília, a tal amiga, mas continuei sem resposta. Tomei ao todo duas taças de vinho tinto e fiquei apenas na entrada, carpáccio de salmão. Quando decidi partir, lembrei-me do refúgio. Como já estivera lá numa noite, resolvi dar outra olhada. Agi da mesma forma como da primeira vez. Estacionei o carro num local escuro, desci à areia pelo lado contrário à iluminação da rua, andei próxima ao muro de proteção à maré alta. Assim, ninguém me veria. Quem vem na calçada tem a tendência de olhar à beira d’água e não para baixo. Ao chegar perto do refúgio, o poste próximo ficou às escuras. Dei a volta, até a pequena fenda de entrada de ar. Escutei, então, gemidos de mulher. Depois, pude distinguir o que ela dizia. Senta, vai ser melhor assim, pedia, deixa que eu vou por cima, cavalgo sobre você, isso, assim, assim, mas, puta merda, você não trouxe a camisinha, isso não pode acontecer, mas vai, tenta não gozar dentro, por favor, isso, ai, está bom assim, que gostoso, olha que vou perder a cabeça, mas você não perde, não, por favor, sem camisinha é um problema, mas vai, vai, se segura. A voz dela era clara, cheia de desejo, o homem nada dizia. Afastei-me trinta metros e deitei-me sobre a areia. Quando saíssem, queria saber de quem se tratava. Mas, dez ou quinze minutos depois, apenas o homem saiu. Escutei-o subir ao calçadão e desaparecer na escuridão. Depois, ao longe, o motor de uma moto mostrava que ele se afastava. A mulher só, lá dentro, deixava-me curiosa. Caminhei de novo e olhei pela fenda. Ela fumava, a claridade do cigarro produzia algumas sombras e dava para ver o seu perfil, ainda estava nua. Em um momento se levantou, deu dois passos e chegou à saída do refúgio. Atirei-me para trás, encolhida. Ela caminhou até a beira e entrou na água. Tinha o cabelo muito curto e pareceu mesmo nadar um pouco. Num ímpeto, entrei no refúgio, olhei o que havia lá dentro. Nada. A mulher ficara sozinha, e sem o que vestir. Voltei-me e escapei. Deitei-me novamente no mesmo lugar onde me escondera assim que chegara. Depois de um quarto de hora, ela voltou ao refúgio. Foi então que decidi partir. Ela vivia uma situação perigosa, e eu não queria me misturar a tudo aquilo. Cheguei a correr dali, atingi o local onde estava o meu carro, ofegante.

Enquanto dirigia de volta, pensei que poderia ter ido a ela e oferecido ajuda. Mas será que ela estava em dificuldades, será que desejava ajuda? Há gente para tudo nesta vida. Decidi esquecer a tal história.

No dia seguinte, Marília me telefonou, pediu mil desculpas por ter faltado ao encontro, disse que depois me contaria o que aconteceu. Uma ou duas semanas mais tarde, encontrei-a ao acaso, no calçadão, estava bonita, sempre de cabelo bem curto, parecia um rapaz. Desculpou-se mais uma vez, mas não tocou no assunto.

Meses depois começaram as obras de remodelação da orla marítima de M. O tal refúgio não demorou a desaparecer.

segunda-feira, dezembro 07, 2020

Vem comer meu pão de ló

Fui eu a culpada, numa das últimas mensagens a ele escrevi aproveita pra me telefonar porque vou me casar, depois não quero mais conversar com outros homens. A mensagem deu a entender que eu ainda queria falar com ele, mas ele nada respondeu. O homem foi alguém muito especial pra mim durante um bom período. Namoramos, chegamos a viver juntos. Depois cada um seguiu sua vida. Faz uns três ou quatro anos, nos reencontramos. Ele telefonou algumas vezes, chegou a vir aqui. Em todas, acabamos fazendo amor. Não consigo resistir às histórias que ele conta, na verdade são cantadas, caio em todas elas direitinho, muito sedutor o homem. Na última vez, veio resolver um problema aqui na cidade, depois passou na minha casa, ficamos conversando um bom tempo. Num momento, resolvi lhe mostrar um vídeo onde eu estava nua. Ele logo falou você está tão bonita. Que nada, estou gorda, já não sou jovem. Não, não, você é muito bonita e gostosa, acrescentou. Cinco minutos depois, eu estava nua, ele fazendo carinho nas minhas costas, uma espécie de massagem. Que tesão! Daquele dia pra cá, nos falamos apenas por mensagens, ele sempre dizendo você é muito gostosa. Agora tenho namorado, rebatia, nada de se engraçar pro meu lado, viu? Precisei de dinheiro, pedi a ele. Depositou trezentos e cinquenta reais na minha conta. Quando for aí, te faço um carinho. Nada disso, retruquei, agora tenho namorado, quero ficar apenas com ele. Então, mesmo eu já tendo enviado duas mensagens, ele não mais entrou em contato. Acho que foi por causa da tal mensagem lá no começo. É importante não definir as coisas, não se sabe o dia de amanhã, é o que diz uma amiga. Pode ser que esteja certa. Vamos supor que amanhã eu volte a estar sozinha, ele vem aqui e a gente pode dar uma namoradinha. Quando me olho nua no espelho, penso nele, você é muito gostosa, mesmo com essa barriguinha. Barriguinha?, você acha mesmo que isso é barriguinha? O problema é que, agora, estou com a maior vontade, e meu namorado anda longe, trabalhando em outra cidade. Os homens aqui me paqueram, mas não vou trepar com um deles, logo fico mal falada. Mas o meu amigo, caso aparecesse, até que seria uma solução. Por que fui cair na besteira de enviar a tal mensagem? Você é muito confusa, Nete, diz minha irmã, não sabe aproveitar as oportunidades. Às vezes conto das minhas pra ela. "Se eu tivesse alguém como esse teu ex-namorado, que até faz depósito na tua conta quando você pede, não pensava duas vezes, tratava o homem a pão de ló." Tão engraçada a expressão, será que alguém ainda faz pão de ló? Vou fazer um, vou chamar o homem pra vir aqui em casa, deito nuinha e coloco o tal pão de ló sobre minha barriga. Vem, meu amor, vem comer meu pão de ló!