Rua Treze de maio, em frente a um restaurante:
Duas mulheres passam; a chuva e o céu nublado trouxeram de volta as jaquetas; gesticulam, falam alto, as faces expressivas; o que tramam? O amor por algum homem ou o que falta para a ceia de natal?
Homens elegantes, de terno, corte preciso, homens bem vestidos; um deles de repente ao telefone; ah, fala com um amigo; logo, são dois os homens: o visível e o detrás da linha; o que este veste? Será que me despe?
Uma jovem de saia curtinha vai com o namorado; ela é menor que ele, mas tem mais corpo e é bela; vão de mãos dadas; nessa idade, as mãos não suam...
No edifício Avenida Central:
As mulheres são mais elegantes do que os homens; onde encontro os rapazes de corpo torneado que vestem roupas fashion e fazem ponto nas novelas de TV? Na Rio Branco, as mulheres caminham a passos rápidos, sabem combinar blusas e saias, camisetas e calças, vestidos e sandálias; e os homens? Não vão tão preocupados com a beleza, parece que têm pouco esmero aos próprios trajes; ah, uma exceção, desvio os olhos, ainda é cedo; a saída? Vou na contramão.
Uma jovem, loura, de blusa preta e calça jeans carrega a bolsa num ombro e, em uma das mãos, um pequeno jornal; anda devagar; em que pensa? Pára numa banca de revistas e pergunta alguma coisa ao jornaleiro; não ouço sua voz; ela traz meio cigarro entre os dedos e, no rosto, uma vontade imensa de amar.
A livraria Leonardo da Vinci é linda com seus três poemas a ladearem as vitrines; livros em língua nativa, livros em língua estrangeira; filosofia, artes, romances e gastronomia; escritores, escritoras, talvez leitores e o cheiro forte de café da galeria.
Uma loura quarentona de blusa branca e calça justa, nádegas em destaque, passa sozinha; mas é certo que ela tem um namorado.
Entro na livraria da Travessa; dessa vez não para ver os livros, mas a face dourada das pessoas; como são belas! (sou suspeita); aqui há gente elegante; três homens ainda jovens trajando ternos italianos conversam, tomam café e água Perrier; são consultores do mercado financeiro; duas mulheres tagarelam e também bebem café; o espelho em fogos e juventude explode o reflexo da morena.
No centro do Rio, anda-se por ruas estreitas, quase só de pedestres, atravessa-se a avenida, carros multicores e buzinas, mergulha-se de novo em ruelas abarrotadas, pequenas lojas, às vezes uma confeitaria; há também as galerias, passagens passarelas, quiosques, mostruários de perfumes e presentes refinados, corações a palpitar por amores extraviados.
Em meio aos passantes de fim de tarde, um homem quase negro, de gravata, olha-me; estuda meus traços; vermelha a gravata, branca a camisa social; será pastor? Se quiser salvar-me, fujo; se me quiser pôr a perder (ou a ganhar?), vou; vou de bermuda sensual e blusa curta de algodão; vou vestidinha, por enquanto...
quinta-feira, dezembro 20, 2007
quarta-feira, dezembro 12, 2007
São Paulo lá embaixo se estendia múltipla, sedutora, sob um sol frio de fim de tarde
O metal deslizou ligeiro sobre minha pele, chegou a me provocar um arrepio. Virei-me quase por instinto e percebi a face sorridente do homem.
– Moeda, não! Assim você me deixa em apuros.
– Eu ajudo a procurar – ameaçou introduzir uma das mãos na minha calcinha.
Corri, as pernas juntas, com passos rápidos fiz um bailado que acompanhou a música ritmada e as luzes que refletiam no pequeno salão estrelas coloridas. Enfiei-me num reservado que era separado por apenas uma cortina. Encontrei ali a Mel, estava sem o biquíni.
– O que houve? – perguntei enquanto procurava a moeda e segurava duas notas de dez que estavam bem enroladinhas dentro do exíguo pano na parte da frente da calcinha.
– Um boboca me roubou o biquíni, estava esperando alguém aparecer...
– Ajudo você, espera um instante.
Coloquei a moeda entre as notas, fiz com elas um pequeno envelope introduzindo-o no mesmo lugar de onde tirara o dinheiro. Saí para voltar alguns minutos depois com um pano preto transparente, que a Mel enrolou na cintura, provando-o como numa cabine de loja de roupas finas; então me beijou e, antes que voltasse feliz para a pista, sussurrei em seu ouvido:
–Não deixe que o roubem de ti; antes, venda-o!
Riu mais uma vez.
O salão era no Centro. Um local de divertimento para ricaços. E ali acontecia de tudo. Havia certas regras que nós, as mulheres – principais estrelas do espetáculo –, precisávamos respeitar. A circulação de dinheiro era expressamente proibida, mas sempre arranjávamos um meio de burlá-la; não perdíamos qualquer oportunidade de faturar um pouco mais. Os proprietários nos pagavam no fim do dia, ou da noite. Pediam-nos também que não ficássemos nuas no salão. Mas quem conseguia evitar que mãos viciadas e ligeiras nos arrancassem a única peça? Os velhos, principalmente, eram os mais tarados. Ao mesmo tempo que nos enfiavam dinheiro pelas entranhas, queriam nos deixar nuas. E as notas eram sinais para que permanecêssemos mais tempo ao lado deles.
Certa tarde fui chamada pelo gerente. Assustei-me. Mas era apenas um convite. Um freqüentador da casa me queria como companhia fora dali.
– Você é a mais discreta, nada deve comentar sobre a identidade do homem nem sobre o local aonde ele vai levá-la.
Fiz que sim com a cabeça. Vesti-me em três minutos e saí pela porta dos fundos. Um automóvel escuro esperava-me. No interior, apenas o motorista.
Rodamos pelo Centro, depois ele dirigiu em direção a Pinheiros. Pediu então que eu colocasse uns óculos escuros que ele próprio trazia no bolso.
– Não enxergo coisa alguma com esses óculos.
– É por pouco tempo.
Guiou por cerca de trinta minutos. Desceu a garagem de um prédio.
Ao sair do automóvel, disse:
– Segure meu ombro.
Senti-me a própria cega.
Apenas dentro do apartamento é que pude tirar os óculos. A primeira coisa que me surpreendeu foi a paisagem. Estávamos no último andar de um desses prédios suntuosos, provavelmente algum bairro da zona norte. Através das janelas quase contínuas, podia-se observar São Paulo lá embaixo; a cidade se estendia múltipla, sedutora, sob um sol frio de fim de tarde.
Um homem ainda jovem, que não me era desconhecido, apresentou-se a mim. Fazia-o como se fosse a primeira vez. Tive vontade de saudá-lo; minha discrição, no entanto, impôs-se profissional. Levou-me a outra sala, onde me ofereceu um cálice de vinho do Porto. A decoração era discreta; os quadros se não eram originais remetiam a pintores do século XX; no final de uma das paredes, estava dependurado o auto-retrato de uma mulher um tanto tímida, que me chamou a atenção. Ele falou sem embaraço: Anita. Percebi música trazida pelo ar frio. Era preciso apurar os ouvidos para apreciar a melodia; talvez um blues norte-americano. Permaneci sentada em um acolchoado comprido, quase branco, de pureza inigualável.
Entrou então uma mulher muito bonita. Sorria, tinha os cabelos pretos curtos, dirigiu-se a mim e beijou-me as duas faces. Mantive-me séria e compenetrada, procurava não demonstrar surpresa alguma: ela estava nua.
Um garçom regiamente vestido adentrou o ambiente, discretíssimo. Foi-nos servido o antepasto do que seria uma longa e deliciosa refeição. Pusemo-nos a saborear delicados frios, alguma pasta de cor e sabor sofisticados, bebidas coloridas. Tudo no mais absoluto silêncio. Além do silêncio, a música; agora som de piano, mas distante, quase inalcançável. A mulher mantinha a face alegre, não tirava os olhos de mim. Abria a boca delicada e experimentava alguma iguaria; seus lábios pintados de vermelho sobressaíam. O que um homem que tem a seu dispor uma mulher de tamanha beleza deseja ao contratar uma puta?, pensei comigo. Mas já vira muitas fantasias; aguardava o que se seguiria.
Jantamos. A mulher em momento algum demonstrou qualquer desconforto devido à nudez; portava-se sobre as sandálias plataforma como se fosse a pessoa mais vestida do mundo. A refeição estendeu-se pela noite. Serviram-se inúmeros pratos. Comia-se o que se apreciava, ou mesmo se podia nada comer. O que importava era que nossos gestos demonstrassem a máxima satisfação. Fomos até o último gole, ou a ultima sobremesa, um manjar recoberto por açúcar queimado transformado em calda saborosa.
Foi ela quem se aproximou de mim. Tirou-me toda a roupa. Ofereceu-me um cigarro. As duas nuas e mais o homem. Trancaram-se as portas, a música subiu de tom. E nós, os três, pusemos a nos exercitar, de início vagarosos, porém, após os primeiros toques – um óleo composto de essência de flores –, a temperatura subiu e as carícias profissionais tornaram-se amadoras, tão amadoras a ponto de parecermos um trio enamorado desde tempos remotos.
Houve um momento em que fui surpreendida. Ele sentou-se sobre uma cadeira e puxou-me por um dos braços para que eu o atravessasse. Lembrei-me de um antigo namorado: deitava-se nu na rede, que ficava na varanda de minha casa; pedia que eu, de pé, afastasse cada perna sobre o tecido estreito e colocasse meus grandes lábios acima de seu pênis; em movimentos lentos, eu levantava e abaixava meu corpo; então ele me tocava a musculatura das coxas, apalpava-as; elas iam rijas; acariciava-as para que eu enfraquecesse e desabasse sobre ele; assim me penetrava numa inteireza doída e ao mesmo tempo prazerosa. Agora, a intenção do homem era semelhante; minhas pernas apoiadas ao solo num movimento ritmado, os mesmos músculos enrijecidos e ele golpeando-me suave as coxas, como que elogiando minha resistência; eu, emitindo sussurros que não demoraram a se transformar em compassados gemidos e gritos, até desabar ruidosa sobre ele. A mulher? Sentada sobre o estofado, de pernas cruzadas, cigarro à mão, com os olhos cravados em nós, num gozo frio.
Quando tudo acabou, ela, assim como me despira, pediu para me vestir. Antes de partir, beijei-os nas duas faces; e, num último momento, trêmula, ainda tive tempo de balbuciar ao casal agora abraçado – a mulher sempre nua – um último desejo: “até logo”.
Antes de sair, o mesmo motorista, os mesmos óculos; a escuridão.
– Moeda, não! Assim você me deixa em apuros.
– Eu ajudo a procurar – ameaçou introduzir uma das mãos na minha calcinha.
Corri, as pernas juntas, com passos rápidos fiz um bailado que acompanhou a música ritmada e as luzes que refletiam no pequeno salão estrelas coloridas. Enfiei-me num reservado que era separado por apenas uma cortina. Encontrei ali a Mel, estava sem o biquíni.
– O que houve? – perguntei enquanto procurava a moeda e segurava duas notas de dez que estavam bem enroladinhas dentro do exíguo pano na parte da frente da calcinha.
– Um boboca me roubou o biquíni, estava esperando alguém aparecer...
– Ajudo você, espera um instante.
Coloquei a moeda entre as notas, fiz com elas um pequeno envelope introduzindo-o no mesmo lugar de onde tirara o dinheiro. Saí para voltar alguns minutos depois com um pano preto transparente, que a Mel enrolou na cintura, provando-o como numa cabine de loja de roupas finas; então me beijou e, antes que voltasse feliz para a pista, sussurrei em seu ouvido:
–Não deixe que o roubem de ti; antes, venda-o!
Riu mais uma vez.
O salão era no Centro. Um local de divertimento para ricaços. E ali acontecia de tudo. Havia certas regras que nós, as mulheres – principais estrelas do espetáculo –, precisávamos respeitar. A circulação de dinheiro era expressamente proibida, mas sempre arranjávamos um meio de burlá-la; não perdíamos qualquer oportunidade de faturar um pouco mais. Os proprietários nos pagavam no fim do dia, ou da noite. Pediam-nos também que não ficássemos nuas no salão. Mas quem conseguia evitar que mãos viciadas e ligeiras nos arrancassem a única peça? Os velhos, principalmente, eram os mais tarados. Ao mesmo tempo que nos enfiavam dinheiro pelas entranhas, queriam nos deixar nuas. E as notas eram sinais para que permanecêssemos mais tempo ao lado deles.
Certa tarde fui chamada pelo gerente. Assustei-me. Mas era apenas um convite. Um freqüentador da casa me queria como companhia fora dali.
– Você é a mais discreta, nada deve comentar sobre a identidade do homem nem sobre o local aonde ele vai levá-la.
Fiz que sim com a cabeça. Vesti-me em três minutos e saí pela porta dos fundos. Um automóvel escuro esperava-me. No interior, apenas o motorista.
Rodamos pelo Centro, depois ele dirigiu em direção a Pinheiros. Pediu então que eu colocasse uns óculos escuros que ele próprio trazia no bolso.
– Não enxergo coisa alguma com esses óculos.
– É por pouco tempo.
Guiou por cerca de trinta minutos. Desceu a garagem de um prédio.
Ao sair do automóvel, disse:
– Segure meu ombro.
Senti-me a própria cega.
Apenas dentro do apartamento é que pude tirar os óculos. A primeira coisa que me surpreendeu foi a paisagem. Estávamos no último andar de um desses prédios suntuosos, provavelmente algum bairro da zona norte. Através das janelas quase contínuas, podia-se observar São Paulo lá embaixo; a cidade se estendia múltipla, sedutora, sob um sol frio de fim de tarde.
Um homem ainda jovem, que não me era desconhecido, apresentou-se a mim. Fazia-o como se fosse a primeira vez. Tive vontade de saudá-lo; minha discrição, no entanto, impôs-se profissional. Levou-me a outra sala, onde me ofereceu um cálice de vinho do Porto. A decoração era discreta; os quadros se não eram originais remetiam a pintores do século XX; no final de uma das paredes, estava dependurado o auto-retrato de uma mulher um tanto tímida, que me chamou a atenção. Ele falou sem embaraço: Anita. Percebi música trazida pelo ar frio. Era preciso apurar os ouvidos para apreciar a melodia; talvez um blues norte-americano. Permaneci sentada em um acolchoado comprido, quase branco, de pureza inigualável.
Entrou então uma mulher muito bonita. Sorria, tinha os cabelos pretos curtos, dirigiu-se a mim e beijou-me as duas faces. Mantive-me séria e compenetrada, procurava não demonstrar surpresa alguma: ela estava nua.
Um garçom regiamente vestido adentrou o ambiente, discretíssimo. Foi-nos servido o antepasto do que seria uma longa e deliciosa refeição. Pusemo-nos a saborear delicados frios, alguma pasta de cor e sabor sofisticados, bebidas coloridas. Tudo no mais absoluto silêncio. Além do silêncio, a música; agora som de piano, mas distante, quase inalcançável. A mulher mantinha a face alegre, não tirava os olhos de mim. Abria a boca delicada e experimentava alguma iguaria; seus lábios pintados de vermelho sobressaíam. O que um homem que tem a seu dispor uma mulher de tamanha beleza deseja ao contratar uma puta?, pensei comigo. Mas já vira muitas fantasias; aguardava o que se seguiria.
Jantamos. A mulher em momento algum demonstrou qualquer desconforto devido à nudez; portava-se sobre as sandálias plataforma como se fosse a pessoa mais vestida do mundo. A refeição estendeu-se pela noite. Serviram-se inúmeros pratos. Comia-se o que se apreciava, ou mesmo se podia nada comer. O que importava era que nossos gestos demonstrassem a máxima satisfação. Fomos até o último gole, ou a ultima sobremesa, um manjar recoberto por açúcar queimado transformado em calda saborosa.
Foi ela quem se aproximou de mim. Tirou-me toda a roupa. Ofereceu-me um cigarro. As duas nuas e mais o homem. Trancaram-se as portas, a música subiu de tom. E nós, os três, pusemos a nos exercitar, de início vagarosos, porém, após os primeiros toques – um óleo composto de essência de flores –, a temperatura subiu e as carícias profissionais tornaram-se amadoras, tão amadoras a ponto de parecermos um trio enamorado desde tempos remotos.
Houve um momento em que fui surpreendida. Ele sentou-se sobre uma cadeira e puxou-me por um dos braços para que eu o atravessasse. Lembrei-me de um antigo namorado: deitava-se nu na rede, que ficava na varanda de minha casa; pedia que eu, de pé, afastasse cada perna sobre o tecido estreito e colocasse meus grandes lábios acima de seu pênis; em movimentos lentos, eu levantava e abaixava meu corpo; então ele me tocava a musculatura das coxas, apalpava-as; elas iam rijas; acariciava-as para que eu enfraquecesse e desabasse sobre ele; assim me penetrava numa inteireza doída e ao mesmo tempo prazerosa. Agora, a intenção do homem era semelhante; minhas pernas apoiadas ao solo num movimento ritmado, os mesmos músculos enrijecidos e ele golpeando-me suave as coxas, como que elogiando minha resistência; eu, emitindo sussurros que não demoraram a se transformar em compassados gemidos e gritos, até desabar ruidosa sobre ele. A mulher? Sentada sobre o estofado, de pernas cruzadas, cigarro à mão, com os olhos cravados em nós, num gozo frio.
Quando tudo acabou, ela, assim como me despira, pediu para me vestir. Antes de partir, beijei-os nas duas faces; e, num último momento, trêmula, ainda tive tempo de balbuciar ao casal agora abraçado – a mulher sempre nua – um último desejo: “até logo”.
Antes de sair, o mesmo motorista, os mesmos óculos; a escuridão.
sábado, dezembro 01, 2007
Como uma flor
Caminho pela rua do Ouvidor, centro do Rio. A tarde vai quente, o verão se anuncia. Em meio à fileira de lojas e à avalanche de gente que serpenteia, vou em direção à Uruguaiana. Muitas pessoas distribuem panfletos: “compra-se ouro”, “dinheiro rápido e fácil”. Os homens olham em minha direção. Meu vestido curto tomara-que-caia, justo nos seios, desce solto, se abrindo, feito balão. Tenho que segurar uma das barras, porque vez ou outra há o risco de ele subir, descobrir minhas pernas mais do que já vão nuas. Intempestivos esses homens, grande parte tem mulher em casa, talvez filhos, mas não deixam de virar a cabeça, medir minha estatura, voltar-se às minhas nádegas. Alguns até tentariam abordar-me, mas passo rápida, vou alheia. Não deixo de lembrar Alfredo. Penso como tudo aconteceu e acabou. Dizia que me amava, que eu era a melhor mulher do mundo, a mais bonita; e o surpreendo num restaurante com uma mulher vulgar. Depois veio correndo, queria-me dizer que não tinha nada com ela, que não passava de uma colega de trabalho. Ela, porém, mostrou-se digna; disse-me que era sua amante. Nos primeiros dias, mantive-me irresoluta; não mais queria saber daquele homem; traíra-me. Com o passar do tempo, a saudade aumenta e esquecemos o mal a que fomos submetidas. Às vezes tendemos a nos lembrar apenas das coisas boas. Então revivi os dias alegres em que estive ao lado dele. Um filme deslocado rodou em minha cabeça; tínhamos sido bons atores. Sorria e o beijava. Mas eu não podia recuar. Para esquecê-lo, atirar-me-ia nos braços do primeiro que aparecesse.
O sucesso de toda mulher depende muito da roupa que veste e da tinta que usa. Tinta, isso mesmo. Tudo é tinta; maquiagem e cabelo. Outro dia li num desses jornais uma escritora: toda realidade é uma construção. Os homens olham para quase todas as mulheres. A que vá bem trajada e bem maquiada, os cabelos arranjados de forma exuberante, terá todo um império a seus pés, ou toda uma república; questão de geografia.
Lançar-me-ia ao primeiro homem. Mas na rua, temi. Não podia olhar diretamente a alguém porque corria o risco de ser confundida com uma prostituta barata. Eu, que sempre ando de roupa curta, percebi como seria complicado. Optei por um prédio de escritórios. Desses que há em profusão nas pequenas ruas do centro; em que na portaria não se pergunta aonde você vai. Entrei. O elevador ascendeu solto, sem o ascensorista. Às vezes temo pela falta desse profissional; ele nos dá segurança. Quando a gente se vê só dentro da cabine, o coração dispara, o peito dói e falta o ar. Saí num desses andares de corredor comprido, passei por algumas portas trancadas, com placas indicando contadores ou advogados. Eu queria me entregar ao primeiro homem, experimentar o mesmo que Alfredo ao se entregar à primeira mulher. O que é que os homens sentem para se atirarem à primeira mulher que passa? Escorreguei por mais corredores, desci lances de escada.
“Se eu contar, ninguém vai acreditar”, “Não é para contar”, eu sussurrava em seu ouvido enquanto ele ia com as mãos sob minha roupa. “Será que alguém já teve essa sorte, dona?”, “Que dona?, não sou nenhuma dona.” Trepávamos num dos vãos da escada de incêndio. Eu, um degrau acima; ele, tentando me penetrar. Quis tirar o vestido – lembrei-me de uma amiga que tirava toda a roupa antes de bater na porta do namorado, “peladinha, é o segredo”, ela dizia –, mas nossa localização era arriscada; apenas levantei o tecido fino até acima dos seios, queria que ele os apertasse. O rapaz tremeu, “alguém pode encontrar a gente, dona.” “Que dona?, não sou nenhuma dona, e aproveita que você não vai me ver mais.” “Nós podíamos ir para um hotel.” “Nada de hotel; até chegarmos lá, já perdi a vontade; acho que você quer é passear comigo, não ?, quer mostrar a seus amigos que você tem talento.” “Não é isso, dona, é melhor transar numa cama; rola uns beijos e ninguém precisa ter pressa.” “Não sou dona, é a última vez que digo.” Trepamos durante um bom quarto de hora. “Beije-me”, disse eu, “não foi você que falou em beijo?” Tapei a boca do homem com a minha. Ele era na verdade muito jovem, sem experiência alguma. “Vamos, vou fazer você gozar”, falei. “Moça, acho que vem alguém, vão nos pegar no flagra!” “Silêncio, não vai acontecer nada.” Na verdade vinha alguém, mas se deteve ante a porta do elevador. Quando acabamos, abaixei-me para deixar escorrer toda a porra. “Vá embora”, eu disse mantendo-me agachada. “Mas e você?” “Não se preocupe comigo, sei me virar, vá; você não me esperava encontrar nem pensava em trepar com uma mulher bonita às quatro da tarde; desapareça, tenha disso tudo uma boa lembrança.” Beijei-o sobre uma das faces. Ele se foi sem olhar para trás.
Desço rápido. Recomposta. Ando pela mesma rua do Ouvidor. Paro diante de uma loja de roupas. Que vestido lindo! Vai cair em mim como uma flor. O que sente um homem quando vê pela primeira vez uma mulher na rua e dez minutos depois a tem nos braços? Não sei. O que sente uma mulher depois de se abrir a um homem que conheceu há um quarto de hora? Também não sei; difícil dizer. Passadas algumas horas, só sei dizer que não me sinto traída. Coitado do rapaz, nunca vai me esquecer. Nem jamais alguém vai acreditar na história dele...
O sucesso de toda mulher depende muito da roupa que veste e da tinta que usa. Tinta, isso mesmo. Tudo é tinta; maquiagem e cabelo. Outro dia li num desses jornais uma escritora: toda realidade é uma construção. Os homens olham para quase todas as mulheres. A que vá bem trajada e bem maquiada, os cabelos arranjados de forma exuberante, terá todo um império a seus pés, ou toda uma república; questão de geografia.
Lançar-me-ia ao primeiro homem. Mas na rua, temi. Não podia olhar diretamente a alguém porque corria o risco de ser confundida com uma prostituta barata. Eu, que sempre ando de roupa curta, percebi como seria complicado. Optei por um prédio de escritórios. Desses que há em profusão nas pequenas ruas do centro; em que na portaria não se pergunta aonde você vai. Entrei. O elevador ascendeu solto, sem o ascensorista. Às vezes temo pela falta desse profissional; ele nos dá segurança. Quando a gente se vê só dentro da cabine, o coração dispara, o peito dói e falta o ar. Saí num desses andares de corredor comprido, passei por algumas portas trancadas, com placas indicando contadores ou advogados. Eu queria me entregar ao primeiro homem, experimentar o mesmo que Alfredo ao se entregar à primeira mulher. O que é que os homens sentem para se atirarem à primeira mulher que passa? Escorreguei por mais corredores, desci lances de escada.
“Se eu contar, ninguém vai acreditar”, “Não é para contar”, eu sussurrava em seu ouvido enquanto ele ia com as mãos sob minha roupa. “Será que alguém já teve essa sorte, dona?”, “Que dona?, não sou nenhuma dona.” Trepávamos num dos vãos da escada de incêndio. Eu, um degrau acima; ele, tentando me penetrar. Quis tirar o vestido – lembrei-me de uma amiga que tirava toda a roupa antes de bater na porta do namorado, “peladinha, é o segredo”, ela dizia –, mas nossa localização era arriscada; apenas levantei o tecido fino até acima dos seios, queria que ele os apertasse. O rapaz tremeu, “alguém pode encontrar a gente, dona.” “Que dona?, não sou nenhuma dona, e aproveita que você não vai me ver mais.” “Nós podíamos ir para um hotel.” “Nada de hotel; até chegarmos lá, já perdi a vontade; acho que você quer é passear comigo, não ?, quer mostrar a seus amigos que você tem talento.” “Não é isso, dona, é melhor transar numa cama; rola uns beijos e ninguém precisa ter pressa.” “Não sou dona, é a última vez que digo.” Trepamos durante um bom quarto de hora. “Beije-me”, disse eu, “não foi você que falou em beijo?” Tapei a boca do homem com a minha. Ele era na verdade muito jovem, sem experiência alguma. “Vamos, vou fazer você gozar”, falei. “Moça, acho que vem alguém, vão nos pegar no flagra!” “Silêncio, não vai acontecer nada.” Na verdade vinha alguém, mas se deteve ante a porta do elevador. Quando acabamos, abaixei-me para deixar escorrer toda a porra. “Vá embora”, eu disse mantendo-me agachada. “Mas e você?” “Não se preocupe comigo, sei me virar, vá; você não me esperava encontrar nem pensava em trepar com uma mulher bonita às quatro da tarde; desapareça, tenha disso tudo uma boa lembrança.” Beijei-o sobre uma das faces. Ele se foi sem olhar para trás.
Desço rápido. Recomposta. Ando pela mesma rua do Ouvidor. Paro diante de uma loja de roupas. Que vestido lindo! Vai cair em mim como uma flor. O que sente um homem quando vê pela primeira vez uma mulher na rua e dez minutos depois a tem nos braços? Não sei. O que sente uma mulher depois de se abrir a um homem que conheceu há um quarto de hora? Também não sei; difícil dizer. Passadas algumas horas, só sei dizer que não me sinto traída. Coitado do rapaz, nunca vai me esquecer. Nem jamais alguém vai acreditar na história dele...
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