Quando morei em Estâncias do Vale, uma pequena cidade no noroeste do Rio, tive experiências fascinantes com a natureza. Minha casa ficava no meio de um bosque onde se podiam apreciar árvores diversas e acolhedoras. Sempre achei que há árvores que não desejam a proximidade de seres humanos. Mas, ao menos em relação a mim, elas se mostraram receptivas a partir do momento em que me estabeleci ali e passei a admirá-las. Ainda bem que minha casa ficava fora do perímetro urbano, e a residência mais próxima a mais ou menos quinhentos metros. Podia sair à vontade em qualquer hora do dia ou mesmo da noite que me sentia protegida por toda aquela exuberante natureza. O canto dos pássaros, os sons de animais de que eu nem mesmo sabia o nome não me intimidavam. Nada ali poderia me fazer mal. À noite, gostava de caminhar até um platô de onde eu observava todas as estrelas possíveis. Não havia luzes por perto, logo era mais escuro o céu e as estrelas brilhavam como diamantes. Não me lembro de, antes, ter apreciado um céu assim.
Quando chegou o verão, um vento morno soprava ao entardecer. Após as dez da noite, já se podia sentir a pele sendo acariciada por um sudoeste que vinha para nos arrepiar. Aí esquecia-se todo o calor do dia que findara para se mergulhar numa noite fresca, confortável.
Certo dia estava excitada. Não sabia o motivo. Meu peito arfava, queria sair, irmanar-me a toda aquela vegetação, acariciar o tronco das árvores, sentir o pulsar de suas seivas, recostar num arbusto que se mostraria irmão de uma mulher que não estava ali para destruí-lo nem tramar nada de mal contra ele. Na mesma noite, notei que me faltava algo. Observei mais acurada a natureza; tentava descobrir nela o que faltava em mim. Passeei por vários caminhos; andei sobre a relva; resvalei em árvores que até então não havia reparado; descobri a areia fofa das margens de um pequeno regato que eu escutava mas ainda não estivera com ele. Depois olhei de novo para o céu. Toda a imensidão desembocava numa confluência que é difícil traduzir em palavras. As palavras às vezes matam a experiência. Subitamente descobri o que me fazia diferente: a natureza é nua! Isso mesmo, nada a cobre, a não ser sua própria pele: cascas, folhas, resíduos diversos, frutos e flores. Descobri um galho que se sobressaía em uma árvore maior. Galho à meia-altura, convidativo a aparar as roupas de uma mulher que se embebia de um suco embriagador. Tirei toda a roupa. Que não era muita. Pendurei-a no galho saliente.
Passei então a andar entre as árvores, a fazer meu passeio noturno como vim ao mundo, exatamente como todo aquele bosque, com plantas, árvores pequenas e grandes, vegetação diversa, e pequenos bichos.
A natureza expõe sua beleza através de seus próprios traços; os homens e as mulheres convencionaram criar traços que vão além daqueles com os quais nasceram.
Depois de algum tempo, já não precisava do galho em que pendurara minhas roupas na primeira e na segunda vez. Saía nua de casa.
Então veio a estação das chuvas. Quis sentir a tempestade sobre a própria pele, quis viver a experiência das árvores maiores, que estão expostas ao tempo, que não têm onde se esconderem. A água escorria sobre meus cabelos, sobre meu corpo inteiro, até atingir a terra que alimenta todos nós. Observava os galhos maiores, os troncos úmidos, as folhas que jaziam já sem vida à sua volta. Tudo era amor e silêncio, cheiro de terra e vida que se acumulava.
Quando voltou o sol, saí nua em plena luz do dia. Fui mais longe do que nunca. Quando voltava reparei sons vizinhos, vozes estranhas ao local, ruídos que destoavam à natureza. Fiquei à espreita, procurei um tronco maior onde me abrigar. Escalei-o sôfrega. Protegi-me nos galhos mais altos. Nunca tinha subido numa árvore, mas percebi que aquela me ajudava. Eles passaram. Eram dois e traziam uma espingarda. Demoraram a partir. Apenas ao anoitecer pude sair do meu esconderijo. Então, já não se ouvia som humano. Perto de casa, recostei-me numa árvore que sempre me acarinhava, contei-lhe o sucedido.
Dali em diante, fiquei muito tempo sem sair nua. Ao mesmo tempo, tentei descobrir quem eram aqueles homens. O que pude saber é que não moravam na cidade nem em nenhum arraial próximo.
Quando tudo se tranqüilizou novamente, me expus como antes, agora em pleno júbilo, talvez devido ao desejo reprimido.
Foi aí que me descobriste. Nua! E eu morrendo de vergonha. Te aproximaste e pediste que eu não temesse, que tu já me espiavas de longa data e também querias viver a mesma aventura. Fingi acreditar, embora exigisse que tapasses os olhos para que eu escapasse incólume. Prometeste naquele momento que não me farias mal algum e que só tocarias meu corpo com minha permissão. Fiz-me afável, talvez tenha semeado algum tipo de esperança em teu coração.
Mas ao amanhecer do dia seguinte, antes que voltasses – porque eu sabia que voltarias –, parti. Deixei para trás minhas árvores, minhas flores, meu céu nunca antes visto. Concluí que minha vida era um sonho; que aos homens e às mulheres não é possível a mesma vida das árvores.
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