Todos sabem que se eu pudesse andaria a maior parte do tempo nua. Como o carnaval se aproxima, é o momento de sair bem à vontade. No sábado passado, cumpri a sina. Aproveitei um dos desfiles pré-carnavalescos da Banda de Ipanema e fui para a praça General Osório. Vesti apenas um levíssimo maiô. Isso mesmo, maiô. Alguém poderia perguntar: por que não fostes de biquíni, ou mesmo vestida com uma das suas saias curtíssimas? Mas aí é que está o segredo. Mais ou menos no início de janeiro, fui apresentada a um tecido que jamais vira. Tecido italiano. Uma amiga em viagem pela Europa o trouxe de presente, especialmente para mim. Disse-me: “Marg, você não vai acreditar, este tecido ainda se encontra em experiência, é criação recente, mas consegui uma peça para você. Quando soube de sua existência, pensei: é ideal para a Margarida. Veja como é fino; quando estamos envoltas por ele, não o sentimos no corpo, ou melhor, sentimo-nos nuas. Asseguro, porém, uma coisa: ainda não é possível comprá-lo em loja alguma.”
Com o tal fruto da mais moderna tecnologia nas mãos, não pensei duas vezes, pus-me a confeccionar um belo maiô. O pano é estampado, flores e listras, verde e vermelho, e alguns outros matizes. Não preciso dizer que ficou lindo. Minha habilidade de artesã – que ainda vigora plena – e a sutileza do tecido puseram-me entre as maravilhas da cidade.
E lá fui eu para a banda. Apenas o maiô, sandálias de salto e um chapéu bege largo cheio de charme. Ao descer do prédio em que moro, após dar os primeiros passos na rua, quase enrubesci (ao menos imagino), pois senti que não levava roupa alguma sobre a pele. Pouco a pouco, no entanto, acostumei-me. Ao chegar em meio à banda, caí no samba.
“Que maiô lindo, Marg”, diziam as pessoas, “que beleza, onde você o comprou?” Respondia que mais tarde revelaria.
Caso alguém tocasse meu corpo, percebia tanto quanto eu que aparentemente minha pele estava nua; não era possível sentir o pano. Se arranjo um paquera e ele me toca sobre o maiô, vou ter problemas, pensei sorrindo. Mas esse seria um problema que toda mulher bonita gostaria de ter.
Surgiu, então, o primeiro candidato. Em meio à multidão e à alegria geral, aproximou-se; exibia-se semelhante a experiente passista.
Dançamos, demos belo show durante muito tempo. As pessoas nos observavam, admiravam-nos, aplaudiam. Aconteceu depois de três quarto de hora, na mais completa exaltação e alegria: o homem tocou-me a pele junto ao ombro direito. Continuou nos seus passos afrodescendentes, mas senti que franziu a testa. Apenas sorri. Continuamos a nos esparramar pela larga rua interditada para o desfile, em meio a outros carnavalescos e sempre sob o som arrebatador da banda. Em algum momento, meu recente par aproximou-se de meu rosto, sem perder o ritmo, e tentou falar junto ao meu ouvido: “a madame está nua?” Apenas sorri e dei de ombros, como se nada pudesse fazer.
Diverti-me muito. Com ele e com outros. Encontrei vários amigos e amigas. Transitei por entre as pessoas. Fui focalizada e filmada pela TV; vejam só, apareci no jornal local. Nada me intimidou. Continuei em plena exaltação, sempre desejando que aquela festa não terminasse. Caso alguém me tocasse sobre o tecido, logo perguntava: “Marg, você está nua, o seu corpo está somente pintado, não? Sabia que ia aprontar uma surpresa para nós.”
Numa das calçadas da praça, vi uma menina vestida de fada que disse para mãe: “Olha, mãe, que moça feliz; não fala pra ninguém, mas acho que ela está pelada!” Mandei um beijinho para a garotinha. Ela me acenou com a varinha e também sorriu. Ouvi ainda a voz entusiasmada da mãe: é carnaval, é carnaval!
Surgiram, de presente, duas taças de champanha. Um dos presenteadores disse que abriu a garrafa especialmente para mim.
Tentei não me exibir demais, não chamar a atenção. A festa é do Rio, a festa é de todos. Quando o alvoroço se concentrava à minha volta, dava um jeito de sair dançando com alguém e desaparecer da curiosidade geral.
No final da festa, encontrei meu primeiro par. Ele, sim, portou-se como verdadeiro carnavalesco. Acompanhado ou só, não saía do tom, não perdia o ritmo; sua alegria não diminuía nem ele se cansava, apesar dos inúmeros copos de cerveja. Dançamos de novo. E dessa vez até o final. Não mais se preocupou com minha possível nudez; sua tarefa era levar avante toda essa tradição de samba que uma cidade inteira herdou. Pessoas como ele, caso encontrem uma mulher nua ou de maiô finíssimo, o que não deixa de ser quase a mesma coisa, têm como preocupação maior a música, a dança, enfim, a alegria geral.
Após extraviar-me, já de noitinha, entre pessoas fantasiadas, extasiadas, e carrocinhas que vendiam cerveja, reparei que o dançarino não me seguiu nem me pediu o endereço. Misturou-se entre os seus. Não abandonou sua arte.
Ele entende o que é o Carnaval!
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