A festa nas areias da praia de Taperapuan fora contagiante, e o que Júlia vivera mais ainda. Contaria no dia seguinte aquela história para Beatriz. Sabia que ela a chamaria de louca, como sempre. O que precisava naquele momento era se levantar, procurar seus poucos pertences e voltar ao hotel. As pessoas eram poucas, alguns casais ainda se abraçavam, namoravam, trocavam talvez as últimas carícias. Ninguém a observava, ou se a viam, faziam de conta que ela não estava ali. Permanecia sentada, abraçara a si mesma, agarrara-se às próprias pernas. Não estava com frio, apesar da hora: duas e trinta da manhã. Aliás, em Porto Seguro nunca faz frio. Sua posição, de quase total imobilidade, era um jeito de estar oculta, protegida, talvez desse até para disfarçar a nudez, mas sabia que não poderia ficar assim a madrugada inteira, teria de arranjar um jeito de sair dali.
Durante a festa, horas antes, entusiasmara-se com a banda de rock, J. Quest. Sim, aquilo é que era música, deixara todos extasiados. Júlia fora tomada por uma sensação de euforia jamais sentida. As pessoas se divertiam de maneira exagerada, muitos pulavam no ritmo da música com latas de cerveja nas mãos, com caipirinhas ou com outras bebidas. Havia também quem fumasse seu baseado e dançasse ensimesmado.
Pode ser que o seu erro fora vir de vestido curto, pensava. No meio da multidão entusiasmada era difícil evitar as mãos bobas dos rapazes. Eles aproveitavam o máximo, queriam tocar as mulheres, beijá-las, havia aqueles que beliscavam suas pernas, tentavam subir as mãos por baixo das saias e dos vestidos.
Beatriz sorriria da história, talvez dissesse: “Júlia, você já passou por tantas situações semelhantes, você adora essas coisas.”
Na Bahia é assim mesmo, todos querem se divertir, querem algo para contar ao voltar para as suas cidades.
Os homens quando viam mulheres sozinhas logo se aproximavam, tanto mais num lugar propício a novas conquistas, a amores fugazes. Júlia fora com Beatriz ao show; após chegar reparou que as duas sofreriam forte assédio. A amiga, porém, vestia bermuda, teoricamente estava mais protegida. Os rapazes se alternavam num intenso empurra-empurra. Mas a presença não era só deles. Havia também muitas mulheres, era normal que a multidão constantemente se deslocasse de um lado para outro e muitos se esbarrassem.
Num dos momentos do espetáculo, momentos de intensa euforia, segundos luminosos em que todos parecem imergir num êxtase coletivo, Júlia perdeu-se de Beatriz. Não faz mal, pensou, estamos no mesmo hotel, nos falaremos mais tarde, ou mesmo amanhã. Continuou a dançar. Sentiu então o corpo envolvido pelos fortes braços de um homem musculoso. Parecia um desses lutadores. Ele tomou-a para si, apossou-se dela. Como sairia dali? Como diria para que se afastasse porque ela não estava interessada? Não era possível mover aqueles braços pesados nem se fazer ouvir em meio ao som ensurdecedor da banda de rock. O homem a apertava, valorizava-lhe as pernas, encostava-se, subia-lhe com as mãos. Foi aí que aconteceu o primeiro dos dois incidentes que lhe marcaram a noite. Sabia que quando dissesse a Beatriz, esta falaria: “vai dizer que você não gostou?”
Logo a seguir uma enorme massa humana a empurrou para direita. Seu acompanhante, apesar dos músculos, teve de soltá-la. Júlia perdeu-se dele. Que alívio... Cuidou para que não mais o encontrasse.
Quando o movimento arrefeceu, deslocou-se para o outro extremo onde havia um alegre grupo de jovens. Isso mesmo, um grupo composto por rapazes e moças, parece até que tinham viajado em grupo. Júlia reparou então um jovem que não tinha companhia, embora ele não se acanhasse e dançasse com o grupo. Ao vê-la se aproximar, não tardou a ficar pertinho dela. Acabou tomando-a por um dos braços. Um rapaz adorável, pensou. E realmente foi super delicado com ela pelo resto da noite.
Dançaram muito. Mas Júlia temia que o homem musculoso aparecesse. Temor vão. O homem não apareceu naquele momento. Quando ao acaso deu com ele mais tarde, já estava com outra mulher nos braços.
Saltou de um lado para o outro com o grupo até a festa acabar. Aliás, era o tipo de festa que não deveria jamais acabar. Mas as moças e os rapazes ficaram agarrados uns aos outros depois que a banda parou de tocar, dando continuidade a outro tipo de festa. Trocaram latas de cerveja, fumaram e tomaram goles de outras bebidas. Júlia os acompanhou. Pensou em Beatriz. Seria o momento de procurá-la? Achou melhor deixar Beatriz em paz. Quem sabe teria se arranjado com alguém?
O rapaz puxou Júlia por um dos braços e a levou para um local mais discreto, onde as pessoas rareavam. Os outros também se espalharam, era hora de beijos, abraços, e tantas carícias mais. Chamava-se Paulo o seu recente namorado. Achou o nome muito bonito, combinava com o tipo físico dele, combinava com o nome dela. Dois nomes comuns, Paulo e Júlia. Ele tomou a iniciativa de beijá-la. Ela adorou. Sentiu seu hálito puro, as mãos um tanto frágeis, mas mãos de quem sabe acariciar. Reparou que a noite ficara mais escura. Sentaram-se na areia e conseguiram uma posição adequada, abraçavam-se confortavelmente. Ela lembrou do homem musculoso e do prejuízo que ele lhe impusera.
Paulo tocou-lhe a cintura, desceu as mãos por suas pernas, pousou-lhe a mão direita num dos joelhos, começou a percorrer suas coxas por sob o curto vestido. Deu-se então o esperado.
“Você está sem a calcinha”, falou instintivamente.
“Foi um homem, acredite, antes de você.”
“E você deixou?”
Júlia sorriu ante a ingenuidade do rapaz.
“Claro que não. Aquele aperto todo, ele se aproveitou. Sorte que me perdi dele. Mas deixa isso pra lá. Você se incomoda?”
Paulo acabou achando até melhor. Menos um trabalho.
Aí aconteceu o segundo problema da noite.
Ela se deitou, ele acariciava-lhe as pernas. Júlia então pediu que subisse sobre ela. O rapaz atendeu. Ninguém reparava seus movimentos, as pessoas eram cada vez menos numerosas, e quem ficara estava preocupado apenas com o próprio prazer.
Júlia não sabia dizer o que aconteceu a partir daí, narraria a Beatriz. Sentiu naquele momento o mesmo que sentira nos breves segundos de êxtase coletivo do show. A sensação voltara, era rara e muito agradável, um gozo indescritível. Então pediu a Paulo que lhe tirasse o vestido, começou a gritar como uma histérica, falou coisas jamais pensadas, ficou totalmente descontrolada. Queria o prazer supremo, era tudo.
O rapaz atendeu seus primeiros e ofegantes pedidos, mas depois se assustou. Talvez nunca tenha trepado com uma mulher assim. Talvez suas mulheres apenas murmurassem na hora do sexo. Não suportou o ardor de Júlia e correu dali desaparecendo dentro da madrugada.
Júlia ficou só. E nua. “Quando ele estava em cima de mim nem me preocupei com coisa alguma, queria sentir prazer”, diria à amiga.
Agora precisava juntar os cacos. Onde o vestido? Sobre as areias, restos de uma noite de festa: latas de cerveja, copos, maços de cigarro vazios, pequenos pedaços de plástico ou de pano, alguns adornos, pequenas peças perdidas durante toda a loucura.
Após entrar no hotel, pensou em Beatriz. Esta diria: “ainda bem que o que você não encontrou foi a sandália. Já pensou se tivesse acontecido o contrário, encontrado a sandália mas não o vestido? A primeira noite e já nua em Porto Seguro... Mas bem que você gostaria, não é mesmo? Eu te conheço.”
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