quinta-feira, julho 12, 2012

O beijo

Aquele homem já tinha passado por mim duas vezes, e eu sentada debaixo do guarda-sol, de frente para o mar. Como ele era bonito! Por si só não viria falar comigo, tinha certeza, então bolei um plano. Quando passou a terceira vez pela beira d'água, chamei-o. Ele atendeu.

“Acende o meu cigarro?”, perguntei.

“Infelizmente não fumo.”

“Que pena”, eu estava de pernas cruzadas, a revista sobre o baixo ventre. Tomei-a numa das mãos. Ele pôde então apreciar melhor minhas pernas. Notou o meu biquíni mínimo. “Às vezes é bom fumar, sabe, dizem que desenvolve a inteligência.” Ele sorriu, provavelmente pensou que eu era muito burra e tinha mesmo de desenvolver a inteligência. “Você não arranja fogo pra mim?”

“Vou tentar, volto já.”

“Se conseguir, ganha um prêmio”, falei com jeitinho de mulher meiga.

Voltou rápido, trouxe um desses isqueiros e disse que podia ficar, um presente.

“Você também pode ficar, um presente”, repeti.

Ele sentou-se um pouquinho. “Você é daqui?”, perguntou.

“Ninguém é daqui, é?” Ana Clara, de Niterói.

“Eu sou. Jardel, muito prazer.”

“Verdade?”, arregalei os olhos demonstrando surpresa.

“Verdade, verdade mesmo, nasci e fui criado aqui”, afirmou.

“Então você conhece todas as pessoas da cidade.”

“Quase todas, você eu não conhecia.”

Dei mais um trago e soltei a fumaça na direção contrária a que ele estava, mas o vento levou a fumaça até ele.

“Desculpe, devo a você mais essa.”

“Não deve nada”, falou. Ele tinha quarenta e poucos, ou mesmo cinquenta anos.

“E aí?”, sorri e olhei minha revista.

“Você é muito bonita”, sorriu e fez um gesto de que ia me abraçar.

“Você quer me namorar? A cidade toda vai saber disso.”

“Podemos ir a outro lugar”, apontou o carro próximo.

“A praia está tão boa, não quero ir para lugar nenhum agora”, fiz um jeitinho de manhosa.

“Não vamos para casa, mas a um lugar tranquilo.”

“Mais tranquilo do que aqui, não há”, falei.

Ele se chegou juntinho a mim. Ofereci os lábios.

“Você é oferecida”, debochou.

“Não se diz isso a uma mulher, posso ficar aborrecida.”

“Mas você não liga, não é mesmo?, quer aproveitar a vida.”

“Quero mesmo, e aproveitar bem.”

“Vamos ou não?”, insistiu mais uma vez.

“Para onde?”, foi minha vez de debochar.

“Você quer saber mesmo?”

“Não precisa dizer, já sei.”

“Então?”, ele, que não desistia.

“Vou ficar aqui, volte depois, aí, quem sabe...”, resolvi tornar-me difícil.

“Você me chamou e agora está me despedindo?”

“Vamos fazer uma coisa, troquemos objetos, fico com algo seu e deixo com você uma coisa minha. Já que você não quer ficar aqui ao meu lado, assim está garantido que vamos esperar um pelo outro”, ele se animou com a minha proposta.

“Vejamos, o que posso levar de você?", fez cara de que desejava algo muito especial.

"Você é quem deve dizer..."

"Quero o seu biquíni", falou decidido.

"O meu biquíni? Mas assim você vai me deixar nua", adiantei-me, cobri minhas vergonhas com as pequenas e insuficientes mãos, era a mulher mais pelada do mundo.

"Mas você não falou que era eu quem devia dizer?"

“Ok, dou o biquíni, vamos até ali", apontei para dentro d'água. Ele me seguiu. Tire você mesmo, mostrei os lacinhos. Fico aqui te esperando”, sorri desembaraçada.

Por essa ele não esperava.

“E agora, o que vamos fazer?”, falei enquanto ele permanecia parado, coberto pela água do mar até a cintura, à minha frente e com meu biquini dependurado numa das mãos.

De repente se deu conta da rídicula situação e o escondeu dentro da sunga. Fez um movimento como se fosse embora.

Ei, espere, falei, lembra?, você tem que deixar comigo uma coisa sua.

Puxou-me então pela cintura bem junto a seu corpo e me tacou um longo beijou na boca.

Nessas horas não pisco, e meus olhos sempre brilham.

“Volto já, viu", virou-se abrupto e partiu.

Biquínis, sempre tive muitos, mas, confesso, um beijo como aquele foi o único.

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