Ele não sabia aquele meu segredo nem eu estava disposta a o revelar quando começamos o namoro. Falara-lhe apenas, Não saio com homem algum
faz um ano. Sorriu, de forma maliciosa, e colocou o braço direito sobre o meu
ombro. Mas não era verdade. Quando estou sem namorado, saio sozinha à noite,
caminho pela cidade, a esmo. Nada de locais perigosos, nem facilidades para aqueles
que me admiram. Ando entre as pessoas, sempre em lugares movimentados. Um desses lugares é
o baixo Botafogo, onde há os cinemas. Muita gente se aglomera após as sessões, nos bares da Voluntário. É certo que praticamente não há mulher sozinha, e uma
que senta num dos banquinhos e pede uma bebida causa surpresa. Para manter a
discrição, prefiro bares onde existem bancos junto ao balcão. Olho os homens, sei
que muitos têm seus compromissos, mas não faço perguntas. A princípio não deixo
que descubram que os aprecio. Tenho um jeito especial de fazer as coisas.
Caso alguém me flagre com o doce na boca, isto é, com os olhos nos seus, tenho
de me virar. Terei problemas caso não me agrade; mas, se é bonito, tenho
a solução. Ele se aproxima, tenta algumas palavras, quase um contraponto.
Sorrio com o canto da boca. Recusar um homem sempre é um problema. Para o
caçador, é fácil descobrir a fragilidade da caça. Então, voltando à pergunta do
namorado que arranjei faz poucos dias, Não, não saio com ninguém faz um ano.
Mentira lavada. Eu tomava um drink, vamos dizer, assim, uma bebida quase
branca, meio transparente, bonita. O homem olhou para mm, descobriu que eu
ainda segurava o bilhete usado do cinema.
Tinha três dias que eu vivera uma aventura e tanto, como tantas outras que acontecem uma vez na semana. É claro que para isso preciso me deslocar pela cidade, mudar de bairro e de ares. Na semana anterior foi a nota de um chá num café de shopping, Moça, moça, caiu da sua bolsa, veio-me um homem entregar o pedaço de papel. Dali correu o sorriso, o assunto e um apartamento na Marquês de Abrantes. Preciso de uma aspirina, falei assim que me devolveu o papel, Me lateja a cabeça. Tenho remédio melhor, e lá fomos os dois, tudo ardil de minha parte. Faço o jogo, mas o quero a meu favor. Nessas andanças semanais por lugares diversos, amantes inesperados e apartamentos alheios, acontecem muitas surpresas. Então descubro que na maioria das vezes namoro melhor com o perigo. Há aqueles que querem transar apenas, pessoas normais, desejam a mulher nua e sobem sobre ela. Mas também aparecem os que querem sensações maiores. O do papelzinho atirado ao chão queria minhas roupas nas mãos dele. Em troca me deu uma camiseta curta, justíssima, para vestir. A seguir começou a me namorar. Mas não vamos confundir as coisas, falo do homem anterior a esse do cinema, para deixar claro. Vesti a camiseta, apertadinha e um palmo acima do joelho. Quando pensei que o tal namorado começaria a subir as mãos por baixo do pano, ele me convidou para dar umas voltas pela cidade. Sair agora, tão tarde?, falei. Tarde nada, não chegava a dez da noite. Mas aceitei. Entramos num automóvel que estava na garagem do prédio e fomos nós cidade adentro. Você tira a camiseta?, propôs. Vou ter de passear nua?, ainda retruquei. Nunca andaste nua pelas ruas de uma cidade?, ele. Bem, faz algum tempo, pra falar a verdade já saí nua de casa, já voltei nua, mas pensava que esses costumes estavam em desuso. Tirei a tal camiseta que ele não demorou a fazer desaparecer. Lembrei então que o homem poderia me mandar saltar. Me vi nua, em via pública. Pensei nos garotos que fazem filosofia no Largo de São Francisco. Há um tempo que trabalho como substituta naquela faculdade. Eles gostaram de mim logo de primeira. Me convidam para beber, para passear. As noitadas só terminam ao amanhecer. E a preocupação de todos é apenas trepar comigo, aproveitar o meu corpo. Toda semana. Eu sempre sem par fixo. O revezamento se dá com alegria. Mas lá ia eu no banco do carona, nua. O homem teve imenso prazer nisso. Você tem o corpo perfeito, afirmou. Você acha?, eu, ingênua. Trepamos quase ao amanhecer. Numa rua do Jardim Botânico. E do lado de fora do carro.
Mas volto ao homem que conheci no bar, na saída do cinema. O bilhete na mão e o nome do filme revelando a minha identidade. Pronto, caso um homem saiba o filme que vi, é o mesmo que me surpreender nua. Roubando-me o bilhete, já sabe tudo sobre mim. Só que com ele não foi trepada de uma noite. Rolou um namoro. Sabia que aquele homem voltaria outras vezes. Por que não vamos juntos ao cinema?, chegou a perguntar um dia. Acho melhor termos segredos próprios, respondi. E fiz a tal revelação, Não namoro ninguém faz um ano. Ele acreditou. Passamos a nos encontrar duas vezes na semana. Mas não desisti das quartas, o dia dos garotos da filosofia. E esse meu novo namorado? Ah, costumes estranhos, sempre um tipo de tara. Mas, cá entre nós, as mulheres gostam de um pouco de tara, gozam melhor com o risco, não é mesmo? Eis o que ele me ensinou que me arrepiou tanto. Na verdade arrepiou a mim e arrepia a ele. Ensinou a me equilibrar nua. Isso mesmo, me equilibrar. Uma nua equilibrista. No sentido denotativo. Me leva à sua casa, estica um cordão bem na sala, me ajuda a subir, uma escada de três degraus, segura as minhas mãos e... lá vou eu, nua, em pele e pelo sobre um cordão. No começo, achei aquilo muito estranho. Mas depois, quando passei a me virar sozinha na tal corda, senti uma sensação e tanto. Imagino que no circo as pessoas adorariam ver nua a equilibrista. Ali, na casa dele, ia eu, com público único, ele, a gozar ao me vir atravessar a sala sobre a corda. Eu, sempre segurando uma vara para me ajudar a manter o equilíbrio. Quando desço do fio fino, meu coração está a palpitar, meu corpo quente. Ele então me toma nos braços e me deita no chão, ali mesmo debaixo da corda, e lá vou eu sobre ele, ou ele sobre mim, outro tipo de equilíbrio. Ah, os garotos da filosofia, será que gostariam de saber que sou equilibrista, ou querem apenas o meu corpo? Ou querem apenas o tênue fio que sustenta as abstrações, a metafísica? Sim, os garotos da filosofia ainda são muito jovens. Outro dia, quando descia do cordão e me atirava nos braços de tal homem, lembrei aquele que me levou nua no banco do carona. Deixei escapar ao recente namorado. Na praia, entre os postes da rede de vôlei, dá pra esticar o cordão. Ele me olhou, me beijou, Você sobe nua na corda? Eu, sentada, de pernas cruzadas, pétrea. Sim.
Tinha três dias que eu vivera uma aventura e tanto, como tantas outras que acontecem uma vez na semana. É claro que para isso preciso me deslocar pela cidade, mudar de bairro e de ares. Na semana anterior foi a nota de um chá num café de shopping, Moça, moça, caiu da sua bolsa, veio-me um homem entregar o pedaço de papel. Dali correu o sorriso, o assunto e um apartamento na Marquês de Abrantes. Preciso de uma aspirina, falei assim que me devolveu o papel, Me lateja a cabeça. Tenho remédio melhor, e lá fomos os dois, tudo ardil de minha parte. Faço o jogo, mas o quero a meu favor. Nessas andanças semanais por lugares diversos, amantes inesperados e apartamentos alheios, acontecem muitas surpresas. Então descubro que na maioria das vezes namoro melhor com o perigo. Há aqueles que querem transar apenas, pessoas normais, desejam a mulher nua e sobem sobre ela. Mas também aparecem os que querem sensações maiores. O do papelzinho atirado ao chão queria minhas roupas nas mãos dele. Em troca me deu uma camiseta curta, justíssima, para vestir. A seguir começou a me namorar. Mas não vamos confundir as coisas, falo do homem anterior a esse do cinema, para deixar claro. Vesti a camiseta, apertadinha e um palmo acima do joelho. Quando pensei que o tal namorado começaria a subir as mãos por baixo do pano, ele me convidou para dar umas voltas pela cidade. Sair agora, tão tarde?, falei. Tarde nada, não chegava a dez da noite. Mas aceitei. Entramos num automóvel que estava na garagem do prédio e fomos nós cidade adentro. Você tira a camiseta?, propôs. Vou ter de passear nua?, ainda retruquei. Nunca andaste nua pelas ruas de uma cidade?, ele. Bem, faz algum tempo, pra falar a verdade já saí nua de casa, já voltei nua, mas pensava que esses costumes estavam em desuso. Tirei a tal camiseta que ele não demorou a fazer desaparecer. Lembrei então que o homem poderia me mandar saltar. Me vi nua, em via pública. Pensei nos garotos que fazem filosofia no Largo de São Francisco. Há um tempo que trabalho como substituta naquela faculdade. Eles gostaram de mim logo de primeira. Me convidam para beber, para passear. As noitadas só terminam ao amanhecer. E a preocupação de todos é apenas trepar comigo, aproveitar o meu corpo. Toda semana. Eu sempre sem par fixo. O revezamento se dá com alegria. Mas lá ia eu no banco do carona, nua. O homem teve imenso prazer nisso. Você tem o corpo perfeito, afirmou. Você acha?, eu, ingênua. Trepamos quase ao amanhecer. Numa rua do Jardim Botânico. E do lado de fora do carro.
Mas volto ao homem que conheci no bar, na saída do cinema. O bilhete na mão e o nome do filme revelando a minha identidade. Pronto, caso um homem saiba o filme que vi, é o mesmo que me surpreender nua. Roubando-me o bilhete, já sabe tudo sobre mim. Só que com ele não foi trepada de uma noite. Rolou um namoro. Sabia que aquele homem voltaria outras vezes. Por que não vamos juntos ao cinema?, chegou a perguntar um dia. Acho melhor termos segredos próprios, respondi. E fiz a tal revelação, Não namoro ninguém faz um ano. Ele acreditou. Passamos a nos encontrar duas vezes na semana. Mas não desisti das quartas, o dia dos garotos da filosofia. E esse meu novo namorado? Ah, costumes estranhos, sempre um tipo de tara. Mas, cá entre nós, as mulheres gostam de um pouco de tara, gozam melhor com o risco, não é mesmo? Eis o que ele me ensinou que me arrepiou tanto. Na verdade arrepiou a mim e arrepia a ele. Ensinou a me equilibrar nua. Isso mesmo, me equilibrar. Uma nua equilibrista. No sentido denotativo. Me leva à sua casa, estica um cordão bem na sala, me ajuda a subir, uma escada de três degraus, segura as minhas mãos e... lá vou eu, nua, em pele e pelo sobre um cordão. No começo, achei aquilo muito estranho. Mas depois, quando passei a me virar sozinha na tal corda, senti uma sensação e tanto. Imagino que no circo as pessoas adorariam ver nua a equilibrista. Ali, na casa dele, ia eu, com público único, ele, a gozar ao me vir atravessar a sala sobre a corda. Eu, sempre segurando uma vara para me ajudar a manter o equilíbrio. Quando desço do fio fino, meu coração está a palpitar, meu corpo quente. Ele então me toma nos braços e me deita no chão, ali mesmo debaixo da corda, e lá vou eu sobre ele, ou ele sobre mim, outro tipo de equilíbrio. Ah, os garotos da filosofia, será que gostariam de saber que sou equilibrista, ou querem apenas o meu corpo? Ou querem apenas o tênue fio que sustenta as abstrações, a metafísica? Sim, os garotos da filosofia ainda são muito jovens. Outro dia, quando descia do cordão e me atirava nos braços de tal homem, lembrei aquele que me levou nua no banco do carona. Deixei escapar ao recente namorado. Na praia, entre os postes da rede de vôlei, dá pra esticar o cordão. Ele me olhou, me beijou, Você sobe nua na corda? Eu, sentada, de pernas cruzadas, pétrea. Sim.
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