Seu Afonso, o senhor está me oferecendo duzentos reais. Aceito, mas promete não me pedir nada em troca? Trabalho para o
senhor, tenho o meu salário, não é justo que me ofereça dinheiro a mais. Pessoas
como eu sempre são necessitadas. Não tenho como negar. Se o senhor me oferece,
aceito; mas, por favor, não me peça nada em troca.
Seu Afonso me olhou, sorriu e se retirou. Foi para o
escritório terminar o que estava fazendo. Voltei à cozinha, pois faltava
limpar o fogão.
De uns tempos para cá o patrão começou a me oferecer
dinheiro. Contei a uma amiga, que me disse: “todos os homens são iguais, não
demora e você vai ter de dar pra ele”.
Quando me ofereceu dinheiro pela primeira vez, dinheiro além
do pagamento mensal, eu, surpresa, recusei.
Não preciso, seu Afonso, tenho o meu salário.
Passou uma semana e lá fui eu a ele:
Seu Afonso, já que o senhor ofereceu... Ouça bem, foi o
senhor que ofereceu, ainda ressaltei.
Peguei as notas e guardei na bolsa.
No final do mês, quando me pagou o salário, tirei duas
cédulas de cem e tentei lhe devolver. Ele deu as costas e se retirou. Fiquei
com as mãos abanando. Que eu ficasse com as notas, falou, era um presentinho.
No mês que se seguiu, seu Afonso me deu um embrulho bem
pequeno envolto em papel colorido. Abri. Era uma caixinha com um cordão de ouro
dentro, a corrente fininha, muito bonita.
Seu Afonso, não é meu aniversário, não é justo que o senhor
me dê um presente, isso deve ter sido caro. Não, seu Afonso, não faço desfeita,
é que não é justo, o senhor já me paga o salário.
Eu tentava explicar. Mas ele, de novo, deu as costas e se foi.
Eu tentava explicar. Mas ele, de novo, deu as costas e se foi.
Duas semanas depois, fui a ele. Estava sem dinheiro nenhum,
precisava de um adiantamento.
Seu, Afonso, por favor, o senhor pode me emprestar cinquenta
reais? Emprestado, viu?
Ele foi ao quarto, pegou o dinheiro e voltou com a nota de
cinquenta.
No final do mês, assim que me pagou, deixei o dinheiro sobre
a mesa da sala. Escrevi um bilhete. Agradecia e devolvia os cinquenta reais.
Mas no dia seguinte, logo que entrei, vi a mesma nota sobre
a bancada da cozinha. Estava escrito: você esqueceu ontem sobre a mesa.
Tentei falar com ele, mas ele não quis conversa sobre isso.
E assim passaram-se os meses. O patrão sempre me pagando a
mais, sempre a me presentear. Uma blusa, um colar, um brinquedo para o meu
filho, um dinheiro para inteirar no aluguel.
Você precisa de um aumento, falou no mês passado. Vou
aumentar o seu salário.
E passou a me dar vinte por cento a mais.
Mas, seu Afonso, o senhor paga o maior salário de empregada
doméstica.
Ele apenas sorriu.
Um mês depois ganhei dois presentes. Um perfume e uma joia;
desta vez, uma pulseira.
Seu Afonso, por favor, isso deve ter custado muito.
Ele deu de ombros.
Já não conto sobre os presentes a amiga alguma. Elas colocam
olho grande. E dizem que pediriam mais, que se aproveitariam. Mas seu Afonso é
legal, me dá tudo isso e não pede nada em troca.
Seu Afonso, falei hoje, o senhor nunca me pediu nada em
troca, sorri. O senhor é uma pessoa legal, tem caráter. Se fosse outro...
Não aguentei, fui chegando perto dele. Estava caindo de
madura.
Posso beijar o senhor? Ninguém jamais fez tanto por mim.
Ele deixou que eu o beijasse.
Seu Afonso, continuei depois que afastei meus lábios do seu
rosto, o senhor espera um instantinho? Quero lhe fazer uma surpresa.
Ele arregalou os olhos, acho que entendeu.
Fui ao quarto de serviço e tirei toda a roupa. Voltei nua.
Nua e silenciosa. Caminhei até a sala. Parei a meio metro de onde estava
sentado. Mas continuei em pé, as pernas juntas, as mãos cruzadas um pouco
abaixo do umbigo. Sorri, um sorriso meio de vergonha e meio de mulher
sem-vergonha.
Seu Afonso, suspirei.
Ele olhou o meu corpo. Sorriu, um sorriso de satisfação.
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