domingo, abril 20, 2014

Senti o arrepio

Todos olhavam para mim e se surpreendiam. Eu fingia não entender. Aquela praia já fora mais avançada em relação ao comportamento das pessoas. Fazia alguns anos que eu estivera ali e as mulheres daquele tempo usavam biquínis menores, e muitas dispensavam até mesmo o top. Mas no momento, apesar de algumas ainda usarem biquínis mínimos, não havia ninguém de seios à mostra. Caminhei pela beira d’água e continuei em meus pensamentos. Um homem sorriu para mim. Retribuí-lhe com outro sorriso. Um rapaz olhou-me e disfarçou; um casal de idosos fez um ar a princípio sorridente, mas depois a mulher demonstrou, através de ligeiro franzir de cenho, traços de reprovação; um senhor muito gordo, sentado numa larga cadeira, também abriu-se num sorriso exagerado, como se lhe acontecesse a coisa mais formidável do mundo.

Voltei ao meu lugar e fiquei observando o mar. Por trás dos óculos escuros mantive-me oculta e mesmo anônima a todos. Vez ou outra alguém cruzava a minha frente para, com o canto dos olhos, me lançar um olhar surpreso.

Quando resolvi tomar banho de mar, um homem veio conversar comigo. Um dos primeiros que me olharam naquela manhã.

“A água está fria, não?”, tentou dar início a um diálogo.

“Gosto de água fria”, repliquei.

“É mesmo? As pessoas que conheço dizem que sentem tanto frio.”

“Não sinto, não. Aliás, acho que as mulheres preferem água fria, principalmente se for a água do mar.”

“Sério?”

“Sério, tenho uma amiga que uma vez...”, interrompi minha fala, lembrei que não poderia contar aquela história a um desconhecido.

“Uma vez...”, tentou fazer que eu continuasse.

“Uma vez...?” Fiz cara de boba.

“Não vai continuar?”

“Não sei. Era sobre algo que aconteceu a ela, coisa de mulher. Acho que não devo contar, falei sem pensar.”

“Ela gostava também de andar pela praia sem sutiã?”, insinuou com um risinho bobo.

“Não, sem sutiã, não, sem a calcinha”, acabei revelando.

“Sem a calcinha? Bem, agora que você já começou a contar...”

“Conto até o fim”, emendei e sorri. “Minha amiga gostava de mergulhar de uma pedra, na praia do Flamengo. Era muito jovem, morava perto. Um dia a água estava tão fria que, ao penetrar na água logo após o mergulho, sentiu aquilo que toda mulher sente na hora do amor.”

“Especial essa sua amiga.”

“Sim, ela é muito especial. Mas a coisa não ficou por aí. Ela passou sempre a repetir o salto na água fria, queria experimentar a mesma sensação daquele mergulho.

“E ela conseguiu?”

“Passou, então, a tirar o biquíni após entrar na água. Tirava e o enrolava num dos pulsos, como uma pulseira.”

“E nunca ninguém percebeu?”, perguntou com interesse.

“Essa foi a pergunta que fiz a ela. Acho que é a pergunta que todos fazem. Respondeu que não, jamais alguém percebeu que ela tomava banho de mar sem a parte de baixo do biquíni. Vez ou outra conversava com algum homem, mas nunca nenhum deles notou o que lhe faltava. Mais uma coisa: apesar de todas essas invenções, jamais conseguiu a mesma sensação que experimentou no primeiro mergulho.”

O homem olhou nos meus olhos, depois foi baixando a vista para a água, bem na direção do meu baixo ventre, das minhas coxas. Tentava vencer a semi-transparência da água do mar. Então, procurou os meus pulsos.

Senti o arrepio. Quem sabe, a mesma sensação fundadora experimentada por minha amiga.

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