quinta-feira, janeiro 15, 2015

Cabia na palma da mão

O tempo que durou sua ida ao toalete e a volta à mesa, onde Oswaldo a esperava, Janete pôs em ordem os acontecimentos passados e recentes. Embora o tempo fosse curto, o jorro de pensamentos que lhe afluía à mente era suficiente para recuperar histórias extensas, que preencheriam pelo menos um volume de romance. Chegara ao restaurante no final da tarde; Oswaldo já a esperava. Os dois haviam vivido juntos fazia alguns anos. Talvez por falta de reflexão tivessem terminado o relacionamento. Ele, de outra cidade, vinha ao seu encontro assim que o trabalho permitia. O problema talvez fosse esse. Como ter alguém de tão longe, que podia acompanhá-la apenas nos momentos que lhe sobravam? Durara três anos o namoro, ou o casamento. Cada um que o defina à sua maneira. Sabia que o homem ainda a amava, ou ao menos a desejava. Sempre recebia convites para um café, um jantar, ou uma cerveja, que ela não tomava porque preferia suco. Oswaldo mantinha na mente a imagem de Janete. A mulher nua que descera ao primeiro andar apenas por molecagem. Batera à porta para que ele a recebesse e sentisse seu corpo quente. Dera certo. O ardil o capturara; ele sempre lembrava o fato. Houvera outras ações, sempre protagonizadas por ela, estrela rubra que incendiava a relação. A ação de sair nua se repetira. Acontecera de outra vez no automóvel, madrugada fria. Pediu que ele parasse no acostamento, quis sair, apenas a pulseira e a sandália meio salto. Caminhou à beira da estrada durante um bom quarto de hora, perdeu-se num bosque. O homem enfeitiçou-se com tal atitude. E que homem escaparia? Além de enfeitiçado ele já se mostrava apaixonado. Numa das vezes em que terminaram a noite na praia, após intenso jogo erótico, Janete pôs-se a correr nua pela areia; na volta a casa – uma casa de vila – ela ainda quis manter-se em pele. Oswaldo, então, surpreendeu-a. Correu para casa com toda a roupa de Janete sob o braço. Ela, ainda no banco do carona, calculou a distância que precisaria caminhar, vinte ou trinta metros sob céu aberto, até a porta de casa. E havia o vizinho que acordava cedo. Mas Janete não se atemorizou. Descobriu uma camiseta esquecida no banco de trás. Vestiu-a. Jamais um vestido tão curto. Caminhou altiva, cumprimentou o vizinho e bateu à porta de casa. O namorado, que morria de tesão, demorou a abrir. E que trepada naquele fim de madrugada. Houve uma vez em que contara tais sucessos a uma amiga. Talvez o único erro que cometera. Não se deve falar sobre essas coisas nem à melhor amiga. A tal mulher foi atrás de Oswaldo, quis para si também os sucessos. E, como acontece a todo homem, ele não deixou passar em branco. A mulher imitou-a até no episódio da praia, em Rio das Ostras. Aceitou tomar banho nua. Entrou na água com Oswaldo, tirou o biquíni e o entregou nas mãos dele. Mas, ao contrário de Janete, pediu que ele fosse embora, que encontrasse com ela somente no dia seguinte, em M. Ele atendeu-lhe o pedido. No dia seguinte ela contou a Janete, e ainda pediu que procurasse o biquíni levado por Oswaldo. Isso azedou o relacionamento entre Oswaldo e Janete. Ele ainda procurou pela mulher que deixara nua na praia, quis saber o que aconteceu depois que foi embora. Ela jamais contou. Essa atitude atraiu ainda mais o homem. Os homens são bobos, deixam-se levar por fantasias passageiras, pensou Janete. O que fazer depois disso? Afastaram-se. E sua amiga, ao mesmo tempo, afastou-se de Oswaldo, foi perder a roupa para outro homem, como soube depois. Janete ainda não voltara do toalete. As imagens em sua mente eram vivas, todo um passado em cinco ou dez minutos. Do que são capazes as imagens, pensava. O reencontro com ele já durava três meses. Mas ela já estava casada com outro. Conhecera-o num desses sítios de relacionamento, e ele logo viera dividir com ela a mesma casa. Contou a Oswaldo sobre o homem. Sobre o novo relacionamento. Mas havia um ponto sobre o qual deveria ter calado. Oh, ela sempre falara demais. Tratava-se de sua intimidade. Contara que não mantinha relações sexuais com o novo marido. E era verdade. Apenas amizade. A iniciativa fora do homem, pois ele disse sofrer de certa doença. Como conseguia viver com uma pessoa sem usufruir o principal do amor?, Oswaldo quis saber. E logo ela, tão fogosa, a desfilar nua pela cidade, tão quente no amor, tanto o ardor, a ponto de contagiar as amigas. Os tempos mudam, contra-argumentou Janete. Hoje, estou satisfeita assim, acrescentou. Disse que o marido era boa pessoa. Todos gostam dele, mas é apenas uma companhia para mim, repetiu ainda uma vez. Usou o "apenas" com significado de tudo, seu dicionário particular. Oswaldo lembrou-lhe de alguns eventos que vivenciaram juntos no passado, como o abraço apertado que ela gostava de sentir; o sexo no automóvel, na praia, o dia que foi surpreendida dentro d’água, mas por uma mulher. Janete ardeu durante o jantar. Não queria, no entanto, dar o braço a torcer. Não queria falar mal do atual marido. Oswaldo teve a delicadeza de não dizer que ela enganava-se, apenas sorriu, olhou um pouco para cima, depois voltou os olhos até que um lampejo refletiu-se dos olhos de Janete. Então a ida ao toalete, a demora para voltar. Todo um filme na cabeça. Não o encontraria mais, decidiu ainda trancada no toalete. Reparou que estava com a calcinha na mão, como nos tempos de namoro com Oswaldo. Ele adorava Janete nua. Aliás, os homens adoram que as mulheres andem nuas. Os homens adoram mulheres com a calcinha nas mãos. Mas ela decidira, seria a última vez que os dois se encontravam. Melhor o marido, melhor a companhia. Não a fazia arder, não lhe provocava nenhum tipo de desequilíbrio. Ela não podia dizer o mesmo quando se via ao lado de Oswaldo, mesmo em imaginação. Não queria sair dali correndo, nem desejava se esconder num hotel com Oswaldo, retomar todo um passado posto por terra fazia tempo. Melhor a segurança do homem atual, seu sorriso, os favores que lhe prestava. Ah, quanto ao sexo... Oh, não pensaria sobre isso. Mas queria, ao mesmo tempo, que Oswaldo não a esquecesse. Afinal, as mulheres gostam de se sentirem lembradas. Voltou a Oswaldo, agradeceu-lhe o jantar, o encontro, mas precisava partir. Tinha um compromisso. Um presente, estendeu-lhe a mão. Pequenino o presente. Cabia na palma da mão. Sabia que ele aceitaria com gosto. Guardaria como relíquia, ou como um troféu, quem sabe. Afinal, uma lembrança. Nenhuma mulher gosta de ser esquecida.

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