O tempo que durou sua ida ao toalete e a volta à mesa, onde
Oswaldo a esperava, Janete pôs em ordem os acontecimentos passados e recentes.
Embora o tempo fosse curto, o jorro de pensamentos que lhe afluía à mente era
suficiente para recuperar histórias extensas, que preencheriam pelo menos um
volume de romance. Chegara ao restaurante no final da tarde; Oswaldo já a
esperava. Os dois haviam vivido juntos fazia alguns anos. Talvez por falta de
reflexão tivessem terminado o relacionamento. Ele, de outra cidade, vinha ao
seu encontro assim que o trabalho permitia. O problema talvez fosse esse. Como
ter alguém de tão longe, que podia acompanhá-la apenas nos momentos que lhe
sobravam? Durara três anos o namoro, ou o casamento. Cada um que o defina à sua
maneira. Sabia que o homem ainda a amava, ou ao menos a desejava. Sempre
recebia convites para um café, um jantar, ou uma cerveja, que ela não tomava porque
preferia suco. Oswaldo mantinha na mente a imagem de Janete. A mulher nua que
descera ao primeiro andar apenas por molecagem. Batera à porta para que ele a recebesse
e sentisse seu corpo quente. Dera certo. O ardil o capturara; ele sempre
lembrava o fato. Houvera outras ações, sempre protagonizadas por ela, estrela
rubra que incendiava a relação. A ação de sair nua se repetira. Acontecera de
outra vez no automóvel, madrugada fria. Pediu que ele parasse no acostamento,
quis sair, apenas a pulseira e a sandália meio salto. Caminhou à beira da
estrada durante um bom quarto de hora, perdeu-se num bosque. O homem enfeitiçou-se
com tal atitude. E que homem escaparia? Além de enfeitiçado ele já se mostrava
apaixonado. Numa das vezes em que terminaram a noite na praia, após intenso
jogo erótico, Janete pôs-se a correr nua pela areia; na volta a casa – uma casa de
vila – ela ainda quis manter-se em pele. Oswaldo, então, surpreendeu-a. Correu
para casa com toda a roupa de Janete sob o braço. Ela, ainda no banco do carona,
calculou a distância que precisaria caminhar, vinte ou trinta metros sob céu
aberto, até a porta de casa. E havia o vizinho que acordava cedo. Mas Janete
não se atemorizou. Descobriu uma camiseta esquecida no banco de trás. Vestiu-a.
Jamais um vestido tão curto. Caminhou altiva, cumprimentou o vizinho e bateu à
porta de casa. O namorado, que morria de tesão, demorou a abrir. E que trepada
naquele fim de madrugada. Houve uma vez em que contara tais sucessos a uma amiga.
Talvez o único erro que cometera. Não se deve falar sobre essas coisas nem à
melhor amiga. A tal mulher foi atrás de Oswaldo, quis para si também os
sucessos. E, como acontece a todo homem, ele não deixou passar em branco. A
mulher imitou-a até no episódio da praia, em Rio das Ostras. Aceitou tomar
banho nua. Entrou na água com Oswaldo, tirou o biquíni e o entregou nas mãos
dele. Mas, ao contrário de Janete, pediu que ele fosse embora, que encontrasse
com ela somente no dia seguinte, em M. Ele atendeu-lhe o pedido. No dia
seguinte ela contou a Janete, e ainda pediu que procurasse o biquíni levado por
Oswaldo. Isso azedou o relacionamento entre Oswaldo e Janete. Ele ainda
procurou pela mulher que deixara nua na praia, quis saber o que aconteceu
depois que foi embora. Ela jamais contou. Essa atitude atraiu ainda mais o
homem. Os homens são bobos, deixam-se levar por fantasias passageiras, pensou
Janete. O que fazer depois disso? Afastaram-se. E sua amiga, ao mesmo tempo,
afastou-se de Oswaldo, foi perder a roupa para outro homem, como soube depois.
Janete ainda não voltara do toalete. As imagens em sua mente eram vivas, todo
um passado em cinco ou dez minutos. Do que são capazes as imagens, pensava. O
reencontro com ele já durava três meses. Mas ela já estava casada com outro. Conhecera-o num desses sítios de relacionamento, e ele logo viera dividir
com ela a mesma casa. Contou a Oswaldo sobre o homem. Sobre o novo
relacionamento. Mas havia um ponto sobre o qual deveria ter calado. Oh, ela
sempre falara demais. Tratava-se de sua intimidade. Contara que não mantinha
relações sexuais com o novo marido. E era verdade. Apenas amizade. A iniciativa
fora do homem, pois ele disse sofrer de certa doença. Como conseguia viver com
uma pessoa sem usufruir o principal do amor?, Oswaldo quis saber. E logo ela,
tão fogosa, a desfilar nua pela cidade, tão quente no amor, tanto o ardor, a
ponto de contagiar as amigas. Os tempos mudam, contra-argumentou Janete. Hoje,
estou satisfeita assim, acrescentou. Disse que o marido era boa pessoa. Todos
gostam dele, mas é apenas uma companhia para mim, repetiu ainda uma vez. Usou o "apenas" com significado de tudo, seu dicionário particular. Oswaldo lembrou-lhe
de alguns eventos que vivenciaram juntos no passado, como o abraço apertado que
ela gostava de sentir; o sexo no automóvel, na praia, o dia que foi surpreendida
dentro d’água, mas por uma mulher. Janete ardeu durante o jantar. Não queria,
no entanto, dar o braço a torcer. Não queria falar mal do atual marido. Oswaldo
teve a delicadeza de não dizer que ela enganava-se, apenas sorriu, olhou um
pouco para cima, depois voltou os olhos até que um lampejo refletiu-se dos
olhos de Janete. Então a ida ao toalete, a demora para voltar. Todo um filme na
cabeça. Não o encontraria mais, decidiu ainda trancada no toalete. Reparou que
estava com a calcinha na mão, como nos tempos de namoro com Oswaldo. Ele
adorava Janete nua. Aliás, os homens adoram que as mulheres andem nuas. Os
homens adoram mulheres com a calcinha nas mãos. Mas ela decidira, seria a
última vez que os dois se encontravam. Melhor o marido, melhor a companhia. Não
a fazia arder, não lhe provocava nenhum tipo de desequilíbrio. Ela não podia dizer
o mesmo quando se via ao lado de Oswaldo, mesmo em imaginação. Não queria sair
dali correndo, nem desejava se esconder num hotel com Oswaldo, retomar todo um
passado posto por terra fazia tempo. Melhor a segurança do homem atual, seu
sorriso, os favores que lhe prestava. Ah, quanto ao sexo... Oh, não pensaria
sobre isso. Mas queria, ao mesmo tempo, que Oswaldo não a esquecesse. Afinal,
as mulheres gostam de se sentirem lembradas. Voltou a Oswaldo, agradeceu-lhe o
jantar, o encontro, mas precisava partir. Tinha um compromisso. Um presente,
estendeu-lhe a mão. Pequenino o presente. Cabia na palma da mão. Sabia que
ele aceitaria com gosto. Guardaria como relíquia, ou como um troféu, quem
sabe. Afinal, uma lembrança. Nenhuma mulher gosta de ser esquecida.
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