Ele me beijou logo após abrir a porta. Entrei, olhei ao redor
e sorri.
“Vim ficar um pouquinho com você.”
A noite estava quente e faltava uma hora e meia para o meu
ônibus. Naquele tempo eu trabalhava em M. mas morava em outra cidade.
“Que surpresa”, ele exclamou.
Continuamos abraçados. Beijamo-nos sofregamente durante vários minutos. Estalos, suspiros, respirações altercadas e mãos e dedos que procuram as sensações macias do amor carnal.
“Você tem camisinha?”, enfim perguntei, mas com a voz miúda.
Ambos éramos recentes não
só na cidade, mas também no cargo ao qual prestáramos concurso. Saímos uma vez
para almoçar e permanecemos várias horas juntos. Acabamos tornando-nos namorados.
Mas o namoro não durou. Sou ciumenta, sempre cismei que ele tinha outra. Algum
tempo depois, pensando melhor, achei que não foi justo exigir dele fidelidade,
pois estávamos numa cidade quase estrangeira para nós dois, e ali,
depois do trabalho, andávamos o tempo inteiro juntos. Apesar dessas conclusões, não reatei a relação, ficamos sem nos ver por mais de cinco meses. Mas naquela terça-feira, resolvi bater à sua porta.
“Deixa eu ver”, falou e foi procurar a camisinha.
Voltou de mãos vazias.
“Puxa, que pena, queria tanto transar com você”, não escondi a frustração.
“Podemos transar”, rebateu.
“Mas sem camisinha...”
“A gente dá um jeito”, finalizou.
Já se passaram dez anos desde a tal noite. Acho que trepamos
mesmo sem a camisinha, e tenho certeza de que voltei à sua casa mais duas ou três vezes. No ano
seguinte, no entanto, conheci o homem que viria ser meu marido. Por isso, desapareci.
Faz duas semanas o encontrei num restaurante, no centro de M., totalmente ao acaso. Ele estava sentado e almoçava.
Eu caminhava na direção do buffet. Então o avistei. Ele acenou, retribuí e me
aproximei de sua mesa. Trocamos dois beijos ligeiros. Meu marido já tinha
entrado e se servia no mesmo buffet.
“É o seu marido?”, apontou.
“Sim”, sorri. Percebi que a pergunta não veio à toa. Meu
marido nesses dez anos envelheceu muito,
enquanto ele permanecia quase o mesmo, os cabelos grandes, pretos,
usava rabo de cavalo.
“O que você tem feito?”, perguntou.
“Trabalho na região serrana”, respondi. Fazia os mesmos dez anos
que eu me transferira para uma escola em G, onde passei a residir. “E você?”, acrescentei.
“Por aí”, falou e mordiscou um pedaço de carne.
“Ainda faz o mesmo trabalho?”
“Sim”, respondeu e, levantando o garfo, esperou que eu falasse mais alguma coisa.
“Foi um prazer, preciso ir, Marcelo me espera”, apontei para
a mesa em que meu marido sentara. O ex-namorado virou-se para o local e
acenou para ele. Marcelo retribuiu sorrindo.
“Até a vista”, emendei.
“Até”, finalizou, mas conseguiu enfiar em uma das minhas
mãos o cartão com o seu número.
Dois dias se passaram para eu o encontrar de novo. Ele me esperava encostado
na porta do carro. Cumprimos o mesmo ritual de beijos e de perguntas sobre como
estávamos passando. Decidimos entrar num café, assim poderíamos conversar à vontade. Demoramos ali umas duas horas. No final, ele me ofereceu carona.
“Você vai para onde?”, quis ele saber.
“Para casa, em G.”
“Acho que passo em parte do caminho, caso você aceite a
carona...”
Olhei as horas, meneei a cabeça e acabei fazendo um
movimento que dizia sim.
Guiou durante quinze minutos sem dizer palavra alguma. Pareceu-me um tempo enorme. No meio do caminho soltei, de repente, um “pois é”. Ele virou
o rosto na minha direção e sorriu. Parou no acostamento da rodovia.
“Não é aqui que vou ficar”, alertei.
“Eu sei”, frisou, “não foi por isso que parei.”
Nada mais perguntei. Saltei no seu pescoço e recuperamos a noite perdida havia dez anos. Foram muitos beijos, abraços e carícias. No final, sem me soltar de seu tórax, fiz a mesma pergunta:
Desta vez, ele respondeu que sim.
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