terça-feira, dezembro 23, 2014

No final das contas

Resolvi deixar para ficar nervosa depois. Olhei para Vilma e, com um movimento de olhos, lhe tentei dizer que devíamos aproveitar para nos divertir. O segredo era mostrar que estávamos gostando do passeio e da aventura. O homem, que parara o automóvel à margem do lago, tentava nos mostrar alguma coisa dentro da noite, que não conseguíamos ver. Estava excitado por estarmos nuas ao seu lado, mas em nada se mostrava ameaçador.

Lembrei as palavras de minha amiga, “Célia, não devemos aceitar carona de um desconhecido, tanto mais a essa hora da madrugada.”

“Qual a outra alternativa?”, ainda repliquei.

Depois, já dentro do carro, fui eu que fiquei surpresa com a resposta de Vilma quando ele perguntou:

“Vocês gostam de dinheiro?”

“Adoramos”, respondeu por ela e por mim.

Eu teria dito o mesmo, mas que o conseguíamos com o nosso trabalho. Vilma, no entanto, respondeu de modo impensado. Então ele fez a proposta. Daria dois mil a cada uma de nós. Ela sem pensar disse sim.

“Vilma, qual o interesse do homem em nos dar tanto dinheiro apenas pelo prazer de nos ver nadar sem roupa num lago, às três e trinta da madrugada?", eu a teria alertado.

Mas já havíamos guardado as notas de cem dentro das bolsas, que pousamos sobre uma pedra que ficava num recuo, entre a estrada e a pequena extensão de areia. Com os calcanhares dentro d’água nos pusemos a ir em frente.

“Nem está fria”, ela constatou.

Caminhamos até a água nos cobrir os ombros. A partir dali, começamos a nadar os cinquenta metros combinados com o homem. Fazia parte da aposta. Tive vontade de dizer que o desconhecido poderia ir embora levando nossas bolsas enquanto nadávamos, mas preferi guardar para mim essas inquietações.

Nada disso aconteceu. Cumprimos o que prometemos. E ele cumpriu sua palavra. Ao voltarmos à margem nos esperava do mesmo modo como o havíamos deixado. Sua face sempre revelando intensa euforia.

Ao sairmos d’água, pediu com humildade:

“Esperem ainda um momento.”

“Não foi isso que combinamos”, adverti. Mas me mostrei plena de sorrisos.

“Quero apenas contar uma história engraçada”, falou e começou uma estranha narrativa.

O homem se pôs a descrever a vida sexual dos cavalos. Falava e olhava diretamente para nossos corpos. Pela primeira vez senti que a roupa me fazia falta. Mas permaneci em pé, sem demonstrar a falsa segurança que me envolvia, mantinha as mãos paralelas ao corpo. Escutamos toda a história. Vilma aparentava cada vez mais surpresa à medida que ele avançava e entrava em detalhes sobre o sexo daqueles animais. Em algum momento ela, franzindo a testa, deu um passo à frente e apoiou as mãos à cintura.

Quando ele terminou, já estávamos com o corpo quase seco. Pegamos nossas bolsas e voltamos ao carro. Vinte minutos depois, entrávamos na cidade. Ainda estava escuro. Parou o carro a uma quadra do terminal de ônibus, que estava vazio àquela hora. Despediu-se e disse que saltássemos.

“Ei, não podemos ficar aqui, logo aparece alguém”, Vilma alertou.

Sugeri então que nos deixasse no parque. Como ainda não raiara o dia, teríamos tempo para pensar sobre o que faríamos.

Pôs o carro de novo em movimento e dirigiu até uma das extremidades do parque, um local bastante arborizado. Descemos. Ele nos acenou e partiu.

Até hoje não encontramos sentido para tudo o que aconteceu naquela madrugada nem o motivo que nos levou a ganhar tanto dinheiro.

“Ah, Célia, existem loucos de todos os tipos”, Vilma disse ao conversarmos dias depois, “no final das contas, não nos saímos mal”, acrescentou.

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