Não sei dar nós, logo desatam. Ou não demoro a me
embaraçar. Por que estou a falar nisto? Talvez por causa do par de botas que tento calçar. Botas de cano longo, até os joelhos; para completar, dois cadarços
muito compridos. Portanto, nós e laços. E sou horrível nisso. O calçado, que me
insufla ares de elegância e sensualidade, foi presente de um namorado.
Apaixonei-me defronte à vitrina. Explico melhor, apaixonei-me pelas botas. O
homem galanteador, ainda com ares de rapaz (apesar do ar jovem entende as
mulheres), pagou-me a prenda. Em casa, quis recompensá-lo. Enfiei-me nas botas,
apenas a pele. Apareci diante dele. Estupor. Uma mulher nua dos joelhos para
cima. Pode fotografar, autorizei, desde que não me poste no facebook. Quem
acredita na palavra de um namorado? Façamos de conta. O flash piscou várias
vezes. A foto mais interessante – meu o julgamento – é a que apareço agachada,
dobrada sobre os joelhos. Depois? Não tem graça contar mais...
Saímos algumas vezes. E ele me queria de botas. Ficarei conhecida como a mulher de botas, afirmei. Lembra o gato? Riu. Na mesma vitrina, três semanas depois, uma sandália de saltos, prateada! Não precisei pedir. O ritual, eu apenas de sandália.
As botas lembram um namorado de outros tempos. Íamos à Cascatinha. Muitos não lembram o local. Mas fica dentro da floresta da Tijuca. Acho que já falei nisso aqui. Passáva por baixo de uma ponte (ainda deve estar lá), e apreciávamos o volume de água montanha abaixo. Chegava a respingar nossos corpos. Os casais iam à noite, para namorar, e não saíam dos automóveis. Eu queria a natureza. Ele me pedia vamos ficar no carro. Nada disso, primeiro quero a vista, o cheiro próximo das árvores, as gotas da chuva gelada que vem da montanha. Então aconteceu. Escorreguei e molhei todo o vestido. Acho que já era o meu desejo. Como fazemos?, ele, preocupado. Nada, esperemos, respondi. Tirei o vestido. De botas, apenas. E do lado de fora do automóvel. Entre, alguém pode ver você nua ele, preocupado, insistiu. Não vê, não; as pessoas vieram aqui para namorar, não enxergam nada além disso, venha comigo, ordenei, Como assim?, assustou-se. Venha logo e não faça perguntas. Adentramos a mata. O tanto que nos afastávamos, ele mais se preocupava. Você está nua, como vamos fazer para voltar?, ele. Não respondi. Acho que subimos duzentos ou trezentos metros. Numa noite escura, em meio ao arvoredo e aos tantos volteios que precisávamos fazer para nos desviar de obstáculos maiores, era uma boa distância. Ao encontrar um sítio mais largo, com muitas folhas secas caídas sobre a grama e o ar quente, abracei-o e quis trepar com ele. Apesar da apreensão, ele me obedeceu. E até gozou. Na semana seguinte, voltamos ao lugar. É melhor não abusar, ainda advertiu, confiança demais é capaz de estragar tudo. Mas seguimos o mesmo caminho, encontramos o mesmo prado, e fizemos de novo amor.
Oh, a vitrina traz também um tênis de cano longo. As meninas de dezesseis ou dezessete anos adoram esse tipo de calçado. Acho que compro um. Não, não compro. Meu namorado não há de me negar. Na última quarta-feira, fiquei enfeitiçada diante da tal vitrina durante vários minutos.
O que leva os homens a gostarem das mulheres nuas e de botas, nuas e de tênis cano longo? Não sei ao certo, mas acho que são os nós. Eles gostam de nos ver embaraçadas. Nuas e embaraçadas. Mas acho que têm razão. Há certo charme nisso.
Algum de vocês pode me ajudar? Preciso desatar estes nós! Prometo que mostro onde fica a Cascatinha...
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