quarta-feira, dezembro 17, 2014

Se desapareço

Adoro vir ao Rio, sabia? É muito bom. Você não imagina por que digo isso. Mas falo, bem ao pé do seu ouvido, é porque aqui posso andar nua. Falo sério, não acredita? Na minha cidade, eu jamais poderia andar nua como aqui. Lá é preciso viver de aparência. Aqui, é diferente, muito diferente, você não precisa dar satisfação a ninguém. Outro dia vim à praia, ali no posto seis, em Copacabana, sentei junto a uma das mesinhas no último quiosque e pedi água de coco. Estava só, e apenas de biquíni. É uma maravilha poder ficar de biquíni na orla de Copacabana, andar pelo calçadão, tudo na maior liberdade. Ninguém na minha cidade sabe que vim ao Rio para isso, andar nua. Reparo que ao estar apenas de biquíni, não apenas à beira da praia mas também nos quiosques, os homens me olham com intensa satisfação. Sinto-me então mais nua. Outro dia um senhor veio conversar comigo, isso mesmo, um senhor, foi uns dias antes de conhecer você. Ele perguntou se eu era de fora. Fiquei surpresa. Nada havia falado até aquele momento e ele veio com a pergunta, adivinhou quase tudo sobre mim. Primeiro achei que fosse por causa do biquíni, tão mínimo, depois descobri o motivo, eu sempre me mostro muito dada. Isso mesmo, muito dada. Tenho uma amiga que diz que eu realmente dou muito! Engraçado, não? Brincadeirinha, eu, dar? As cariocas não dão muita conversa e nem olham para os homens. Ou melhor, olhar olham, mas possuem uma técnica especial de olhar sem se deixarem ser notadas. Você já viu alguma carioca ser fisgada espreitando um homem? Não, claro, isso não é possível. A carioca não cai numa rede. E se caísse, seria um escândalo. Acho que morreria de vergonha. Elas adoram andar nuas, mas o fazem como se fossem as mulheres mais vestidas do mundo. Fingem um pudor... Mas volto ao homem, depois falo mais de um fato que descobri nas cariocas, quero dizer, numa delas. O tal enamorado aproximou-se e estabeleceu um diálogo comigo. Como eu trazia uma revista, ele esticou os olhos para ver do que se tratava. Perguntou se poderia sentar à mesma mesa em que eu estava, no quiosque. Eu disse que sim, que ficasse à vontade. Ele se pôs a conversar sobre o assunto da capa da revista. Era uma revista de turismo, dessas que vêm uma vez na semana junto com o jornal. Uma reportagem sobre Cartagena, na Colômbia. O homem se apresentou, Jorge, e se pôs a falar de uma viagem que fizera àquele país. Não sei se era verdade o que ele contava, mas falou de coisas muito interessantes, disse inclusive que a cidade era a preferida de Gabriel Garcia Marques, aquele escritor de “Cem anos de solidão”. Meu admirador ficou um tempo enorme falando sobre a viagem, sobre os pontos turísticos da cidade. A seguir pediu que eu falasse de onde eu vinha. Contei então um pouquinho sobre Minas. Minas?, ele mostrou-se surpreso. As mineirinhas são muito espertas, afirmou e sorriu. Caí na gargalhada, então. Falei da minha cidade, do trabalho. Ele quis saber o que faço na vida. O que uma mulher do interior pode fazer além de ser professora?, respondi com a pergunta. Professora de quê?, continuou sorrindo, minha presença parecia o iluminar. De química? O homem gostou. Sempre é preciso rolar uma certa química, fez uma piada. Aliás, aqui no Rio as pessoas gostam muito de trocadilhos, já reparei isso. Vira e mexe inventam uma piada, mudam o sentido de uma palavra, de uma frase. O homem então me convidou para almoçar, queria que eu permanecesse com ele boa parte do dia. Como eu não conhecia ninguém nem tinha o que fazer, acabei aceitando. Você sabe, quando uma pessoa representa, tudo dá certo. Ele estava morrendo de vontade de tirar uma casquinha comigo. E eu também estava com a mesma vontade. Nenhum de nós, porém, falou nisso abertamente. Fomos ficando juntos, o tempo passando, o dia avançando e acabamos namorando. Mas foi um namoro light, aqui mesmo na praia. Você sabe, não precisa ficar com ciúmes, na praia não é possível nada além do que um namoro light. Fiquei com o número dele e ele com o meu. Mas não sei o que houve, nenhum de nós telefonou. E depois conheci você. Caso ele apareça, é isso que você quer saber, não? Caso ele apareça, apenas o cumprimento, falo que estou ocupada ou mesmo de malas pronta para voltar a Minas. No Rio as pessoas são discretas, não ficam perseguindo umas às outras. Principalmente aqui na Zona Sul. Os homens respeitam a vontade das mulheres. Quando uma diz que não, é não, e pronto. Lá na minha cidade é ruim para arranjar namorado. Quando acontece, os homens querem compromisso. Não aceitam que a gente fique com eles um dia ou dois. Logo acham que têm poder sobre nós. Eu, com essa mania de gostar de andar nua, acabei certa vez fazendo o comentário a uma namoradinho de ocasião. Ele, então, pediu para eu sair nua, no carro dele. Achei ótima a ideia. Resultado: o cara ficou tarado por mim. Foi um problema depois pra eu me livrar dele. Aqui, não, pode-se arranjar um namorado para apenas duas horas, para uma noite, no dia seguinte ambos desaparecem, ninguém incomoda ninguém. Do mesmo modo, é possível conhecer uma pessoa pra ficar conversando, sem segundas intenções. E as moças disfarçam, mesmo que transem com todos os rapazes. Outro dia dei um mergulho e esbarrei numa mulher bonita, a tal história da carioca. Não era tão moça, devia já ter passado dos 30 ou estar beirando os 40. Ela, assim como eu, estava nua e parecia sentir o maior prazer nisso. Fiquei pensando, como a nudez pode proporcionar tanto prazer às mulheres. Ela dentro d’água, só de top. Não me pergunte se a mulher já havia entrado nua na água ou se tirou o biquíni e pediu a alguém que o guardasse. Não sei lhe responder. O que pude perceber é que demonstrava um prazer intenso, e nem estava preocupada. Fiquei de olhar como iria fazer para sair da água daquele jeito, mas me distraí e a perdi de vista. Depois me bateu a dúvida, ela estivera nua mesmo ou foi impressão minha? Você ficou excitado com a historinha?, quer me roubar o biquíni e me deixar nua aqui dentro d'água? Quem sabe, olha que deixo, e já imaginou se desapareço... Você vai ficar a ver navios. Literalmente.

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