quarta-feira, novembro 26, 2014

Respingos

Eu o conduzi por um caminho que ele não conhecia.  Atravessamos a ponte, só que por baixo dela, equilibramo-nos sobre as pedras. A partir de determinada distância, era possível apreciar a torrente de água que escorria de cima da montanha. No ponto onde estávamos, a água passava por sobre as nossas cabeças, apenas alguns respingos nos atingiam. Quero uma frase especial para este momento, disse a ele. O ar quente de sua expiração aquecia o topo da minha cabeça. Sorriu. Uma frase?, chegou a repetir. Isso, continuei, uma frase que impressionasse, assim como os escritores; você sabe que alguns chegam a roubar frases de outros autores para colocar nas próprias histórias?, lógico que não roubam as mais famosas, ia dar na pinta, mas as medianas, aquelas que dificilmente alguém vai perceber que outro é o autor. Não sabia que você conhecia assim a literatura, contrapôs. Mas que aqui é bonito não resta dúvida, não é mesmo?, inclinei a cabeça um pouco para cima com a boca lhe pedir um beijo. Ele me abraçou, me beijou e falou a melhor frase é você com toda essa sua beleza. Ao terminar, me beijou outra vez. Você conhece este lugar faz muito tempo?, quis ele saber. Sim, vinha muito aqui quando tinha dezessete ou dezoito anos. Hum, vinha com o namorado, não? Apenas sorri. Ele entendeu. Puxei-o por um dos braços e atravessamos toda a ponte, ficamos ao lado esquerdo da cachoeira. Pena não ser possível tomar banho, falou. Quem sabe, interferi, caso esteja bastante quente... Mas é proibido, alertou. Sempre houve proibições, e sempre houve quem as transgredisse, retruquei. Daí em diante permanecemos em silêncio durante algum tempo. Acendi um cigarro, dei duas tragadas seguidas e soltei a fumaça com a cabeça voltada para cima, reparei quando ela se perdeu na escuridão. Caminhamos de volta, sob a ponte. Na outra extremidade voltamos a ter a sensação de que a água passava por sobre as nossas cabeças, sem nos molhar. Olhamos para cima, tentávamos apreender aquele momento em sua totalidade. Você vinha aqui, então, quando tinha dezoito anos, ele voltou ao tema. Vinha, afirmei, e ficava pelada. Olhou os meus olhos, uma faca de ponta, estava surpreso. Como?, quis saber. Não liga, não, brincadeirinha, esquece. Não posso esquecer, sei que você não ia brincar com uma coisa dessas, insistiu. Você gosta de mim, não?, lembra aquela verão em em Copacabana?, perguntei para ver se ele esquecia o assunto, você pediu que eu saísse de casa com o vestidinho que usava para ir à praia, mas sem nada por baixo; era uma saidinha de praia para usar sobre o biquíni, mas fiz a sua vontade, não?, acrescentei. Verdade, confirmou. Então, faço tudo que você pede, dou o maior prazer, está bem assim, não?, eu queria colocar um ponto final. Ele nada mais falou, mas parecia não estar convencido. Tomei de novo um de seus braços e seguimos o caminho acima, que nos deixou na rua de entrada da floresta. Ao longe, estava o restaurante. Quero tomar uma dose de vodca, falei. Dei-lhe um beijo numa das bochechas. Caminhamos na direção do estacionamento. À direita ficava a entrada do restaurante. Quando já estávamos sentados a uma das mesas e o garçom já fora buscar nossas bebidas, ele voltou ao assunto. Você gosta de ficar pelada, não é mesmo?. Eu?, acho que toda mulher. A minha mãe não gosta, tentou contra-argumentar. Como você pode ter certeza disso?, outro dia descobri uma senhora de oitenta e cinco anos que me contou que quando está sozinha fica nua, dentro de casa, sua mãe é muito mais jovem, deve gostar também. Você ficaria nua de novo, lá debaixo da ponte, sob as águas da cachoeira?, afoito, perguntou. Ah, agora essa, não sei, quem sabe depois da dose de vodca?, sorri ao dar a solução, reparei que o garçom chegava com as nossas bebidas.

Nenhum comentário: