Eu sabia que Newton gostava de circular de carro pelas
madrugadas de M. à cata de mendigas que dormiam pelas calçadas. O homem
tinha tara por mendigas. Elas, apesar de escoladas no perigo das ruas, não
conseguiam escapar. Ele as segurava com força, amarrava-as caso necessário e as
colocava na mala do carro. De início pensavam que seriam mortas. Mas quando
percebiam que o mesmo homem desatava os nós que lhes prendiam braços e pernas, dentro de
uma suíte de motel, tranquilizavam-se. Ainda desconfiadas não se mexiam quando
o desconhecido, com toda delicadeza do mundo, as banhava em água quente. Já na
cama, tudo mudava de figura. Newton proporcionava enorme prazer a todas.
Aos poucos as mendigas da cidade passaram a arrepiar-se ao ver
o automóvel do amante aproximar-se. Já não resistiam. A única exigência que
ele fazia é que haviam de ir dentro da mala. Uma vez que ainda exalavam o odor
fedorento das ruas, não poderiam ser transportadas no banco do carona. Algumas,
em má matemática, contavam nos dedos os dias que haviam passado desde a última trepada com o magnífico amante. Newton as tratava como rainhas muito
desejadas. Ninguém, no entanto, falava sobre isso na cidade.
As mulheres sempre são ardilosas. Eu, mais ainda. O segredo
chegou, enfim, aos meus ouvidos. Primeiro achei que fosse invenção. No entanto,
logo descobri a verdade. Bastou-me um dia seguir Newton em uma de suas saídas. Embora
sempre apaixonada por ele, jamais consegui sua atenção. A partir do que pude
observar, resolvi tornar-me uma das mendigas, na cidade. Ao menos durante
algumas horas na semana.
Fazer-se de mendiga não é tarefa fácil. A rua é um lugar
perigoso. Há homens que não livram a cara de mulher alguma, nem da mendiga mais
maltrapilha. Tive de fugir deles várias vezes. Nem sempre consegui. Numa
ocasião, depois de intensa resistência, tive de me largar nas mãos de um
desconhecido. Temi contrair doença maligna. E o homem, no final, não me deixou
vestida. Tive de rebolar para conseguir chegar nua em casa. Como meu objetivo
era Newton, aceitei privações e perigos.
Passaram-se algumas semanas desde que me deitara ao relento num
colchonete, pela primeira vez. O local, mais tranquilo do que os outros, era uma esquina no setor azul, da cidade. Sabia que Newton tinha bom faro. Vi o
seu automóvel rondar várias vezes o bairro. Fiz de conta que me escondia. Afinal,
numa noite sem lua, caí nas mãos do homem. Fingindo, esbocei grande
resistência. Ele amarrou-me os punhos e me jogou na mala do carro, como
costumava fazer com as outras. Bati-me, fiz barulho. Tudo em vão. Como eu
desejava, descobri-me no motel, assim como as outras.
Newton é um político influente na região, foi eleito duas
vezes prefeito e exerce o segundo mandato de deputado estadual. Eu fora
secretária de educação num dos seus mandatos de prefeito. Disfarcei-me ao
máximo para não ser desmascarada. Ele jamais vira mendiga tão enegrecida, tão
fedida como eu.
Já cheirosa e envolta em seda, trepei com ele. O homem levou-me
ao delírio.
Dali em diante, preparei-me para que o encontro se repetisse
outras vezes. Mas Newton demorou a voltar. Vivi com mendiga durante várias
semanas, atravessei várias madrugadas sob o sereno do outono e tive de escapar
tantas outras vezes de homens inescrupulosos. Deparei novamente com o
desconhecido que me despira, sobre quem já falei.
Na segunda vez que Newton me tirou da rua, numa noite fria,
consegui conversar com ele. Dizia não gostar de assunto com as mendigas, nada
tinham a acrescentar, apenas as fodia. Representei o estereótipo da mulher
rude, mas com alguma inteligência.
“Você seria capaz de casar com uma mendiga?”, perguntei.
Ele disse que não. “As esposas são muito limpas”, falou e
caiu na gargalhada.
“Você não gostaria de levar uma mendiga com você, quando vai
à capital como deputado?”
“Só se for uma mulher muito especial, na capital há também
mendigas interessantes.”
Minha esperança foi por água abaixo. Trepei com ele uma
segunda e terceira vez. Quando me deixou na rua, no final da madrugada, prometi
a mim que não mais representaria aquele papel.
Passaram-se dois meses. Reparei cartazes nos muros da cidade
com o desenho do rosto que era o meu quando me transformava em mendiga.
Já que não mais apareci, Newton procurava por mim. Havia um
telefone abaixo do desenho, na verdade um retrato falado. Liguei ao número
indicado. Um homem atendeu. Sou a mendiga que o deputado procura.
Não esperei doze horas. Um motorista particular me veio
buscar no local que indiquei. Quando encontrei Newton, ele disse que se
apaixonara por mim. Tive de rir.
“Não vai dizer que você quer casar com uma mendiga?”
“Casar, não”, afirmou categórico, “mas quero levar você ao
Rio de Janeiro.”
No Rio, essas coisas acontecem em outro patamar. Trata-se de
uma cidade perigosa. E o perigo excitava Newton. Ele constantemente me pedia
para contar como fiz para me livrar dos homens que me assediavam. Eu inventava
histórias. Ora dizia que escapara de todos, ora que um deles me deixara nua a
madrugada inteira e me comera de modo exemplar. Contava como eu gozara. Depois
Newton pedia que eu fizesse com ele da mesma forma. Certa vez contei do homem
que, em M., me fizera voltar nua pra casa. Não calculava que tal assunto excitaria tanto a Newton. Pediu para fazer comigo do mesmo jeito.
“Mas o quê?, vamos trepar na rua?”, assustei-me.
Ele não quis saber. Trepamos na rua. Ele, um homem tão
importante. Depois, deixou-me, do mesmo modo como o outro fizera.
"Ei, volte aqui."
Mas ele não voltou. Ou melhor, atirou-me algum dinheiro, três notas de cem. Eu, nua, com o dinheiro numa das mãos. Onde enfiaria as notas?
A cada encontro o homem oferecia-me uma quantidade maior de notas. Sou uma pessoa normal, gosto de dinheiro, portanto, a situação passou e me agradar. Logo arranjei um jeito de manter as notas e escapar ilesa, embora nua. Mulheres bonitas atraem sorte.
"Ei, volte aqui."
Mas ele não voltou. Ou melhor, atirou-me algum dinheiro, três notas de cem. Eu, nua, com o dinheiro numa das mãos. Onde enfiaria as notas?
A cada encontro o homem oferecia-me uma quantidade maior de notas. Sou uma pessoa normal, gosto de dinheiro, portanto, a situação passou e me agradar. Logo arranjei um jeito de manter as notas e escapar ilesa, embora nua. Mulheres bonitas atraem sorte.
Um dia ele resolveu levar-me a Brasília.
“Newton, lá há mendigas à vontade, você não precisa me levar”,
alertei.
Mas o homem me deu vestidos novos, maquiagem, tudo que eu
precisava. E lá fui com ele. Sempre mudando o rosto. Sempre temendo ser
desmascarada. Transamos no final da Asa Sul, sobre um gramado comprido. Ele
deixou-me nua com dez notas de cem. Nunca pensei que a vida na capital federal fosse tão fácil.
Após certo tempo, Newton passou a se interessar pelas
mendigas de Brasília. E não duvidei ao perceber no rosto de uma delas algum
disfarce.
Na última vez em que me vesti de mendiga no Planalto Central, acercou-me um automóvel. Não era Newton. Mesmo assim não demorei a
reconhecer o motorista. Era Mariano, marido de Pezinho, a deputada federal mais votada
de M. Antes de casar com ela, ele fora um mendigo de verdade. Mesmo assim o
homem não deixou de me reconhecer.
"Quero comer você, Elinete, a secretária de educação do prefeito Newton."
"Quero comer você, Elinete, a secretária de educação do prefeito Newton."
"Me coma à vontade, respondi convidativa, mas seja cavalheiro, a
mendiga aqui quer uma trepada bem dada numa cama de hotel."
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