Será que todas as pessoas que conhecemos têm alguma função
na nossa vida? Quando já morriam minhas últimas esperanças – eram quase cinco
da manhã –, ele chegou. Difícil usar o pronome “ele”, porque eu não sabia e nem
cheguei a saber quem era. Mas como pude observar de pouco em pouco, tratava-se
de alguém muito educado. Parou o automóvel e perguntou se eu precisava de algo.
Não me feriu com os olhos, manteve a suavidade das pessoas de bom coração. Nem desconfiou que fosse uma armadilha. Não sirvo de isca, sei bem disso. Entre
os inúmeros papéis que sei representar o de isca é o mais temerário. Acreditou
na minha sinceridade. Entrei e sentei no banco ao seu lado. O homem deu a partida
e manteve-se em silêncio por um bom tempo. Quando já seguíamos a rodovia,
talvez dois ou três quilômetros à frente, foi que perguntou onde eu desejava
ficar. Você acha que devo ficar em algum lugar?, falei e cruzei as pernas, a
direita sobre a esquerda. Sempre se tem um destino, respondeu. Continuou
seguindo, ainda estava escuro, os faróis delineavam a madrugada, que já não
custava a se abrir à claridade da manhã. E então?, onde você mora?, ele quis
saber. Disse o endereço. Mas não me leve agora, guie mais um pouco, cinco ou
dez minutos, vou ligar a uma amiga. Ele assentiu ao meu pedido. Fiz a ligação.
Mayra não demorou a atender. Contei em poucas frases a minha situação. Ela sugeriu
que eu subisse para Lumiar. Mas não falei logo ao meu afável recém-conhecido. Ele
teria de forçar o carro, desviar-se do caminho. Respondi apenas com um ok e
desliguei. Tudo bem, disse a ele com a voz baixa, você já entendeu,
acrescentei. Sim, sorriu e continuou olhando à estrada. Sabe em Casimiro, a
entrada para o Sana?, perguntei. Sei, sorriu de novo. Você não vai precisar me
levar até lá, alertei, logo na entrada está bom, depois me viro. Tem certeza?,
interpôs. Bem, caso você queira subir um pouquinho... Mas não é para ir ao
Sana, e também não é para lá que vou. Sua amiga mora na estrada?, sua voz soou
sonora, ao longe já se via o céu avermelhar-se. Lumiar, foi a minha vez de
sorrir, talvez um sorriso branquinho. É um pouquinho antes, ele assegurou.
Isso, às vezes passo um fim de semana ou outro com ela, eu mostro onde me
deixar, ela vem me pegar. O homem guiou até o local. Demoramos trinta minutos.
Quando parou, já clareava. Tudo bem?, eu disse antes de abrir a porta. Ele
olhou-me como alguém de bom caráter, no entanto uma ponta de decepção escorria
de seus olhos, acho que gostou de mim. Como qualquer homem, não queria perder a
oportunidade. Tudo, respondeu acentuando o sorriso. Beijei-o, peguei uma de
suas mãos e a coloquei sobre minha coxa direita. Ele compreendeu o que eu quis
dizer. Minha amiga ainda demoraria vinte ou trinta minutos, então?, insisti.
Então, completou. Daí, aconteceu. Mas mantivemo-nos discretos. Só não
conseguimos o beijo. No final, quando saí do carro, perguntou tenho uma
camiseta na mala, que tal? Não precisa, minha amiga já vem, lancei-lhe um beijo de despedida, pode ir, não precisa se atrasar por minha causa. Ligou o carro,
deu um adeusinho e se foi. Deixou-me, do mesmo modo como me havia encontrado.
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