quinta-feira, outubro 30, 2014

Sobreviver no Rio de Janeiro

Eu tinha visto um filme sobre um escritor que vai à França para lançar um romance. E lá ele conhece a mulher de sua vida. Quem desejar mais detalhes poderá encontrar o filme com certa facilidade. Não lembro o nome. O que quero dizer é o seguinte. Fato semelhante aconteceu comigo. Passeava pelo Rio e, ao acaso, conheci um homem. Não sei se o de minha vida, mas alguém interessante. Tudo aconteceu quando faltavam três horas para eu deixar a cidade.

Sou de Curitiba, estava no Rio pela primeira vez, para passar um fim de semana e mais a segunda-feira, quando embarcaria para Congonhas. Restava-me ainda três dias em São Paulo antes de retornar à minha cidade.

Andava na Visconde de Pirajá em busca de um supermercado. Como não sabia onde ficava, perguntei à primeira pessoa que passou.

Um mercado?, repetiu a palavra e se pôs a pensar. Ah, sim, já lembrei, vou passar na porta, levo você até lá.

E fomos nós. Acabamos conversando um pouco. Falei sobre a cidade, disse que os cariocas são muito receptivos.

Receptivos?, perguntou, acho que são muito dados, acrescentou.

Sorri.

É preciso saber sobreviver nesta cidade, ele falou e também sorriu.

Sobreviver?

Isso. Sobreviver no Rio de Janeiro. Dá um conto, não?

Um conto, concordei, muito interessante. Você é escritor?

Quem sabe?, sorriu.

Ao chegarmos à porta do mercado, ele estava fechado. Era dia do comércio. Suspirei sem esperanças. O homem tentava encontrar uma solução.

O que você deseja comprar?

Respondi que compraria uma garrafa de vinho. Queria levá-la a São Paulo.

Vamos mais à frente, acho que há uma pequena loja, uma espécie de Delicatessen, como funciona também como cafeteria pode ser que esteja aberta, sugeriu.

Andamos mais duas ou três quadras, a loja estava aberta.

Entrei e perguntei se vendiam vinho. A vendedora disse sim. Escolhi o vinho. A mulher o colocou numa bolsa de papelão, a garrafa envolta em papel fino.

Antes de me despedir do homem, ainda lhe perguntei sobre a frase que dissera. Sobreviver no Rio de Janeiro.

Não repare, acho que falei bobagem, é porque nos últimos anos a cidade tem fama de violenta.

Ah, deixei escapar e sorri. Onde fiquei não vi nada disso.

Então, você encontrou o seu paraíso. Não quer tomar um café?, convidou,

Como ainda estava cedo, aceitei. Sentamos. A garçonete veio nos atender.

O homem se chamava Ronaldo. Começou a tecer uma história sobre um escritor argentino que residiu durante muito tempo em Paris. Tenho um amigo que diz que se deixamos alguém falar não podemos prever o que pode nos acontecer. Ronaldo era mesmo envolvente. Contou a história com tamanha paixão, que sua simpatia enredou-me.

Eu viera ao Rio sozinha, estava hospedada na casa de uma amiga. Ela teve de trabalhar todos os dias enquanto estive na cidade. No último momento, aparece alguém simpático, mas a pouco para eu partir. Não posso deixar isso se perder, pensei.

Acabamos o café. Era tão bonitinho o lugar.

Você mora aqui perto, indaguei.

Um pouquinho mais adiante.

Você acha que as pessoas são sozinhas?, perguntei. Não repare é uma dúvida, fruto de uma longa história.

Ele a princípio não respondeu.

Quero dizer, os seres humanos são incomunicáveis, acrescentei.

De certa forma, sim. Estamos conversando aqui, neste momento, mas não conseguimos nos comunicar como gostaríamos, não é mesmo?, ele disse.

E se tentamos, podemos estragar tudo, completei.

Isso, arrematou, nesse caso é melhor deixar faltar do que estragar por excesso.

Acho que consegui me comunicar com você, eu disse e sorri.

Nem tanto, talvez apenas um lampejo, acrescentou,

Ronaldo deu de ombros. Achei nele uma ponta de malícia.

Bem, tenho de ir.

Você tem certeza de que precisa ir a São Paulo?, insistiu.

Não é que eu precise ir a São Paulo. É um complemento da minha viagem.

E onde você vai ficar?, quis ele saber.

Falei o local.

Quem sabe apareço, aí a gente continua a conversa.

Será?, demonstrei satisfação, mas ficou o sinal de dúvida.

Nunca se sabe, afirmou meio solene. E você, não pensa na possibilidade de desistir de partir?

Não respondi, apenas fiz um gesto de desalento.

Despedimo-nos.

Não esqueça a garrafa de vinho, alertou.

Segurei a pequena bolsa e acenei a Ronaldo mais uma vez. Na calçada as pessoas iam de um lado para outro, e eram bonitas. Na rua os carros e ônibus trafegavam com algum despeito.

Fiquei com o número dele e ele com o meu. Quanto ao futuro, quem sabe.

Nenhum comentário: