Eu tinha visto um filme sobre um escritor que vai à França
para lançar um romance. E lá ele conhece a mulher de sua vida. Quem desejar
mais detalhes poderá encontrar o filme com certa facilidade. Não lembro o nome.
O que quero dizer é o seguinte. Fato semelhante aconteceu comigo. Passeava pelo
Rio e, ao acaso, conheci um homem. Não sei se o de minha vida, mas alguém
interessante. Tudo aconteceu quando faltavam três horas para eu deixar a
cidade.
Sou de Curitiba, estava no Rio pela primeira vez, para
passar um fim de semana e mais a segunda-feira, quando embarcaria para Congonhas.
Restava-me ainda três dias em São Paulo antes de retornar à minha cidade.
Andava na Visconde de Pirajá em busca de um supermercado.
Como não sabia onde ficava, perguntei à primeira pessoa que passou.
Um mercado?, repetiu a palavra e se pôs a pensar. Ah, sim,
já lembrei, vou passar na porta, levo você até lá.
E fomos nós. Acabamos conversando um pouco. Falei sobre a
cidade, disse que os cariocas são muito receptivos.
Receptivos?, perguntou, acho que são muito dados,
acrescentou.
Sorri.
É preciso saber sobreviver nesta cidade, ele falou e também
sorriu.
Sobreviver?
Isso. Sobreviver no Rio de Janeiro. Dá um conto, não?
Um conto, concordei, muito interessante. Você é escritor?
Quem sabe?, sorriu.
Ao chegarmos à porta do mercado, ele estava fechado. Era dia
do comércio. Suspirei sem esperanças. O homem tentava encontrar uma solução.
O que você deseja comprar?
Respondi que compraria uma garrafa de vinho. Queria levá-la
a São Paulo.
Vamos mais à frente, acho que há uma pequena loja, uma
espécie de Delicatessen, como funciona também como cafeteria pode ser que esteja aberta, sugeriu.
Andamos mais duas ou três quadras, a loja estava aberta.
Entrei e perguntei se vendiam vinho. A vendedora disse sim.
Escolhi o vinho. A mulher o colocou numa bolsa de papelão, a garrafa envolta em
papel fino.
Antes de me despedir do homem, ainda lhe perguntei sobre a
frase que dissera. Sobreviver no Rio de Janeiro.
Não repare, acho que falei bobagem, é porque nos últimos
anos a cidade tem fama de violenta.
Ah, deixei escapar e sorri. Onde fiquei não vi nada disso.
Então, você encontrou o seu paraíso. Não quer tomar um
café?, convidou,
Como ainda estava cedo, aceitei. Sentamos. A garçonete veio
nos atender.
O homem se chamava Ronaldo. Começou a tecer uma história
sobre um escritor argentino que residiu durante muito tempo em Paris. Tenho um amigo que diz que se deixamos alguém falar não
podemos prever o que pode nos acontecer. Ronaldo era mesmo envolvente. Contou a
história com tamanha paixão, que sua simpatia enredou-me.
Eu viera ao Rio sozinha, estava hospedada na casa de uma
amiga. Ela teve de trabalhar todos os dias enquanto estive na cidade. No último
momento, aparece alguém simpático, mas a pouco para eu partir. Não posso deixar
isso se perder, pensei.
Acabamos o café. Era tão bonitinho o lugar.
Você mora aqui perto, indaguei.
Um pouquinho mais adiante.
Você acha que as pessoas são sozinhas?, perguntei. Não
repare é uma dúvida, fruto de uma longa história.
Ele a princípio não respondeu.
Quero dizer, os seres humanos são incomunicáveis,
acrescentei.
De certa forma, sim. Estamos conversando aqui, neste
momento, mas não conseguimos nos comunicar como gostaríamos, não é mesmo?, ele
disse.
E se tentamos, podemos estragar tudo, completei.
Isso, arrematou, nesse caso é melhor deixar faltar do que
estragar por excesso.
Acho que consegui me comunicar com você, eu disse e sorri.
Nem tanto, talvez apenas um lampejo, acrescentou,
Ronaldo deu de ombros. Achei nele uma ponta de malícia.
Ronaldo deu de ombros. Achei nele uma ponta de malícia.
Bem, tenho de ir.
Você tem certeza de que precisa ir a São Paulo?, insistiu.
Não é que eu precise ir a São Paulo. É um complemento da
minha viagem.
E onde você vai ficar?, quis ele saber.
Falei o local.
Quem sabe apareço, aí a gente continua a conversa.
Será?, demonstrei satisfação, mas ficou o sinal de dúvida.
Nunca se sabe, afirmou meio solene. E você, não pensa na
possibilidade de desistir de partir?
Não respondi, apenas fiz um gesto de desalento.
Despedimo-nos.
Não esqueça a garrafa de vinho, alertou.
Segurei a pequena bolsa e acenei a Ronaldo mais uma vez. Na
calçada as pessoas iam de um lado para outro, e eram bonitas. Na rua os carros
e ônibus trafegavam com algum despeito.
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