Apesar do meu corpo ter começado a dar ares de agitação,
fiquei quieta em casa. Era hora de ele sair. Gostava de encontrá-lo, dizer boa
tarde, sorrir. Mas achei melhor não exagerar. Olharia apenas pelo olho mágico
da porta de entrada do meu apartamento, tomaria cuidado para que meus pés não
dessem sombra ao lado de fora. Como não ouvia ruído algum, resolvi esperar mais
um pouco. Vi no portal direito uma marquinha, ligeiro descascado,
alguém poderia tê-la feito com a unha ou poderia ser ação do tempo.
Lembrei uma tarde quando ainda era menina, fiz uma marca semelhante na porta do
banheiro, queria deixar meu sinal naquela tarde chuvosa. Minha mãe saíra
e eu me sentia muito só. Apenas a empregada, que estava entretida com o serviço
da cozinha. A marca se foi, o apartamento ficou no tempo, mas a lembrança
permaneceu, talvez um modo de acentuar o momento de tristeza e solidão. Agora aquele
outro traço no portal de entrada e eu sem saber como aparecera. Será que eu
mesma fora a autora, numa atitude de impaciência enquanto aguardava alguém que
teimava não chegar? Não sabia responder. Vestia apenas uma camiseta de
malha, descia até um tantinho abaixo do bumbum, acho que deixava as beiradinhas de fora. Caso estivesse na rua, tal vestimenta só seria concebível para ir à praia. Escutei alguém se mover no corredor do andar.
Aproximei-me e olhei pelo buraquinho da porta. Um entregador de pizza. Alguém
abriu e recebeu a encomenda. Voltou alguns segundos depois e despachou o rapaz.
Ninguém recebe uma pizza, tanto mais daquele tamanho, para comer sozinho. Seria
eu a convidada? Voltei à sala e sentei na poltrona que fica a alguns passos da
janela. No prédio em frente um garoto apareceu de relance na janela, seu andar
era o sétimo, um acima do meu. Pensei em observar o que ele fazia,
mas logo desapareceu. O céu estava claro, faltava pouco para o anoitecer. De
repente escutei ruídos fora do apartamento. Corri e olhei de novo
pelo olho mágico. Duas moças, acho que ainda adolescentes, batiam à porta dele.
Usavam vestidinhos curtos, coladinhos ao corpo. Morri de inveja e fiquei
furiosa. Meu corpo ardeu, começou dar mais sinais de inquietação. Não que eu
morresse de amor pelo homem, mas o fato de ter estado em seus braços duas vezes
e agora me sentir descartada tocava-me os brios. Corri até a janela e fechei
a cortina. O apartamento mergulhou num anoitecer antecipado. Tirei a camiseta e
deitei nua no chão, bem no meio da sala. Segurei os seios com ambas as mãos.
Tocaram a minha campainha. Quem seria?, pensei preocupada, não recebi nenhum
aviso da portaria. Levantei-me com cuidado, quis procurar a blusa, mas já não
sabia onde estava. A porta se tornara transparente, revelava com
mais intensidade a minha nudez. Senti-me despojada das roupas e da bagagem, num quarto
de hotel, abandonada pelo amante. Corri à porta e olhei o lado de fora. Era
ele. Vestia uma camisa de gola e calça jeans. Estava bem calçado.
Seus sapatos sempre me causaram admiração. Ele aguardava com certa ansiedade.
Movi o trinco e abri a porta, devagar. Oi, cheguei a dizer. Oi, revidou,
quero chamar você pra comer uma pizza. Uma pizza?, oh, estou gorda, suspirei. Um pedacinho apenas, insistiu. Ok, respondi. Saí do apartamento e o beijei.
Ele me abraçou, vamos, então. O homem sabia que junto a mim sempre se
surpreenderia. O que foi?, perguntei enquanto ele se mantinha enfeitiçado pelo
meu corpo, não vamos mais?, completei. Vamos, vamos, sim, depois explico às
minhas amigas que você é maluca mesmo. Beijou-me outra vez e colocou um dos
braços sobre o meu ombro. Sabe que já fiz o síndico do prédio onde morei se
masturbar por uma semana?, eu havia falado a ele na última vez em que nos
encontramos. Como?, tentava ele entender. O homem sempre me olhava de rabo de
olho quando eu passava, por isso num certo dia fui ao corredor nua, só pra ele
me ter no monitor de seu computador. E neste edifício aqui?, perguntou com
sinais de preocupação. Aqui, respondi, ainda não instalaram câmeras. As meninas
nos esperavam, as duas sentadas no sofá que há na sala.
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