No fundo mesmo, ela se julgava uma deusa. Toda iluminada,
toda medida pelas duas horas. Isso tudo porque ele lhe telefonara e dissera que
sentia saudades. Após colocar o telefone sobre a mesinha lateral, Lorena
espreguiçou-se na poltrona, chegou a dar um bocejo. Ah, as deusas não bocejam,
demonstram sempre beleza e só possuem virtudes. Bocejar não era uma virtude.
Recompôs-se e meteu-se a pensar como faria para tornar-se deusa, ou ao menos
aparentar. Vieram-lhe à mente algumas gravuras das deusas gregas ou romanas. Lorena, na verdade, não sabia distingui-las, repetia um lugar comum: no fundo
eram as mesmas. A única coisa que sabia era que andavam nuas! As deusas gregas
eram ousadas, mostravam o corpo. Se algo cobria suas partes íntimas, fora obra
da mão titubeante de algum pintor ou escultor um tanto mais casto. Lorena
levantou-se, caminhou até o quarto e olhou-se no espelho do guarda-roupas. Não
era gorda, mas estava um pouquinho esbelta, assim como as deusas gregas. Elas
não eram magras, afinal não havia naquela época esse negócio de as meninas
quererem ser modelos. A única modelo foi Penélope. Mas Penélope não foi deusa, foi esposa, modelo de esposa. Lorena tentou tirar da cabeça toda a
mitologia antiga. Ainda que pensasse nos gregos, era pouco versada neles.
Olhou-se no espelho mais uma vez, colocou-se de perfil. Não se via barriga
alguma, e isso era bom, pelo menos enquanto estava vestida. Caso tirasse a
roupa, precisaria encolher um pouco a barriguinha. Quando ia à praia, tinha de
se esforçar, não era fácil permanecer o tempo todo de barriga encolhida.
Levantou a blusa e conferiu melhor o corpo. Na praia, deitava numa cadeira e
relaxava, desse modo era mais fácil manter a elegância. Lembrou-se de um
namorado que tivera. Não passara tanto tempo assim. Ele era mais velho que ela,
bem mais velho, entrava pelos sessenta, talvez sessenta e cinco. Achava-a
também uma deusa. Ela fazia uma bagunça terrível com o homem, não o deixava em
paz. E ele a queria nua. Se pudesse a levaria para passear nua. Qualquer dia
desses roubam-me de ti, ela assegurou. Ele sorriu, sabia da mercadoria valiosa.
Isso mesmo, mercadoria. Lorena, no entanto, não gostava de ser mercadoria. O
homem esbanjava em compras, dava à namorada tudo o que ela pedia. Outra não
teria renunciado ao namoro. Veio um dia o que Lorena achou que seria o
verdadeiro amor. Ela era mulher que viera de um lugarejo, era simplória em relação a essas
coisas, acreditava de verdade no amor. E o amor a levou do tal senhor. Passaram-se
dois meses e ambos, ela e o amor verdadeiro, marcharam, um para cada lado. Lorena não teve coragem de
voltar para o namorado anterior, o velho, como ela dizia a si enquanto pensava
nele. E o homem do telefone, o que a chamara de deusa? Este nem a vira nua. Ou
melhor, ainda nada houvera entre os dois, apenas conversa, e quase todas
pelo telefone. O homem era muito
ocupado. Lorena lembrou da amiga levada que paquerava e transava com quase
todos que a admiravam. Lorena, porém, era recatada, demorava-se para deitar com
alguém. O homem, ocupado; ela, recatada. Por isso ainda não haviam se aproximado.
Quem sabe fosse casado. Mas ela nada perguntaria, aproveitaria, isto sim. Será
que conseguiria? Foi isso que lhe ensinara a amiga levada, tão levada que
contara ter já viajado nua num ônibus. Lorena ficou a pensar como uma mulher
poderia viajar nua num ônibus. Ninguém reparou?, fez a pergunta. A amiga
levada apenas sorriu. Eram quatro da manhã, respondeu. Lorena imaginou a amiga como
única passageira, nada mais, porém, falou. As pessoas mentem muito, refletiu, e
esta bem que pode ser uma boa ficcionista. O telefone tocou novamente. Lorena
correu à sala e o atendeu. Esperou alguns segundos, disse alô mais duas vezes.
Seria o homem que a chamou de deusa? Seria a amiga namoradeira nua pela
cidade a lhe querer contar mais uma de suas aventuras? Lorena pensou, esperou pela voz que poderia vir do outro lado da linha. Mas, desta vez,
ninguém falou.
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