quarta-feira, novembro 11, 2015

Desta vez ninguém falou

No fundo mesmo, ela se julgava uma deusa. Toda iluminada, toda medida pelas duas horas. Isso tudo porque ele lhe telefonara e dissera que sentia saudades. Após colocar o telefone sobre a mesinha lateral, Lorena espreguiçou-se na poltrona, chegou a dar um bocejo. Ah, as deusas não bocejam, demonstram sempre beleza e só possuem virtudes. Bocejar não era uma virtude. Recompôs-se e meteu-se a pensar como faria para tornar-se deusa, ou ao menos aparentar. Vieram-lhe à mente algumas gravuras das deusas gregas ou romanas. Lorena, na verdade, não sabia distingui-las, repetia um lugar comum: no fundo eram as mesmas. A única coisa que sabia era que andavam nuas! As deusas gregas eram ousadas, mostravam o corpo. Se algo cobria suas partes íntimas, fora obra da mão titubeante de algum pintor ou escultor um tanto mais casto. Lorena levantou-se, caminhou até o quarto e olhou-se no espelho do guarda-roupas. Não era gorda, mas estava um pouquinho esbelta, assim como as deusas gregas. Elas não eram magras, afinal não havia naquela época esse negócio de as meninas quererem ser modelos. A única modelo foi Penélope. Mas Penélope não foi deusa, foi esposa, modelo de esposa. Lorena tentou tirar da cabeça toda a mitologia antiga. Ainda que pensasse nos gregos, era pouco versada neles. Olhou-se no espelho mais uma vez, colocou-se de perfil. Não se via barriga alguma, e isso era bom, pelo menos enquanto estava vestida. Caso tirasse a roupa, precisaria encolher um pouco a barriguinha. Quando ia à praia, tinha de se esforçar, não era fácil permanecer o tempo todo de barriga encolhida. Levantou a blusa e conferiu melhor o corpo. Na praia, deitava numa cadeira e relaxava, desse modo era mais fácil manter a elegância. Lembrou-se de um namorado que tivera. Não passara tanto tempo assim. Ele era mais velho que ela, bem mais velho, entrava pelos sessenta, talvez sessenta e cinco. Achava-a também uma deusa. Ela fazia uma bagunça terrível com o homem, não o deixava em paz. E ele a queria nua. Se pudesse a levaria para passear nua. Qualquer dia desses roubam-me de ti, ela assegurou. Ele sorriu, sabia da mercadoria valiosa. Isso mesmo, mercadoria. Lorena, no entanto, não gostava de ser mercadoria. O homem esbanjava em compras, dava à namorada tudo o que ela pedia. Outra não teria renunciado ao namoro. Veio um dia o que Lorena achou que seria o verdadeiro amor. Ela era mulher que viera de um  lugarejo, era simplória em relação a essas coisas, acreditava de verdade no amor. E o amor a levou do tal senhor. Passaram-se dois meses e ambos, ela e o amor verdadeiro, marcharam, um para cada lado. Lorena não teve coragem de voltar para o namorado anterior, o velho, como ela dizia a si enquanto pensava nele. E o homem do telefone, o que a chamara de deusa? Este nem a vira nua. Ou melhor, ainda nada houvera entre os dois, apenas conversa, e quase todas pelo  telefone. O homem era muito ocupado. Lorena lembrou da amiga levada que paquerava e transava com quase todos que a admiravam. Lorena, porém, era recatada, demorava-se para deitar com alguém. O homem, ocupado; ela, recatada. Por isso ainda não haviam se aproximado. Quem sabe fosse casado. Mas ela nada perguntaria, aproveitaria, isto sim. Será que conseguiria? Foi isso que lhe ensinara a amiga levada, tão levada que contara ter já viajado nua num ônibus. Lorena ficou a pensar como uma mulher poderia viajar nua num ônibus. Ninguém reparou?, fez a pergunta. A amiga levada apenas sorriu. Eram quatro da manhã, respondeu. Lorena imaginou a amiga como única passageira, nada mais, porém, falou. As pessoas mentem muito, refletiu, e esta bem que pode ser uma boa ficcionista. O telefone tocou novamente. Lorena correu à sala e o atendeu. Esperou alguns segundos, disse alô mais duas vezes. Seria o homem que a chamou de deusa? Seria a amiga namoradeira nua pela cidade a lhe querer contar mais uma de suas aventuras? Lorena pensou, esperou pela voz que poderia vir do outro lado da linha. Mas, desta vez, ninguém falou. 

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