Quando eu morava em BH adorava andar de biquíni dentro de casa,
biquíni mínimo, quase nua. O apartamento no
décimo oitavo andar protegia-me. O prédio de frente, do mesmo tamanho que o meu,
subia até o vigésimo. Dois andares a mais eram quase nada diante dos outros
dezoito. Ia eu da sala ao quarto, do quarto à sala, da sala à cozinha, o passeio transformava-se em grande prazer, meus movimentos provocavam-me arrepios. Voltava à
sala e sentava no sofá, de costas para a janela. Cruzava as pernas, meditava, lia uma revista,
avaliava programas vespertinos, como ida a teatros, a cinemas,
quem sabe uma viagem no próximo final de semana.
Mudei para o Rio de Janeiro, cidade de tantos namorados. No Rio, andar
de biquíni dentro de casa é redundância. Nesta cidade quente e ensolarada,
anda-se nua. Certa vez atendi ao telefonema de um recente namorado. Perguntou o
que eu vestia. Nada, respondi com naturalidade. Nada?, ele quis ter certeza.
Nada, estou nua. O homem ficou louco, pediu que eu me levantasse, que andasse
pela casa, que mudasse de lugar, fosse à cozinha e bebesse um pouco d’água,
quem sabe comesse um bombom ou uma pequena barra de chocolate. Contasse a ele
como era praticar todas essas coisas nua. Você está nua mesmo?, parecia não
acreditar. Estou, por que duvidas de mim?
No Rio os prédios ficam próximos uns dos outros, por isso a
nudez causa surpresa, estupefação, às vezes alguns problemas. Um morador de
frente tem hora marcada para olhar-me, admirar-me. Mas finjo que não o vejo. Mesmo com o quarto na penumbra, a veneziana ou a cortina de renda a obstruir-lhe
parte da visão, o homem não desiste. Que tal convidá-lo a vir aqui? Acho que
morreria, menos então um admirador.
Os namorados surpreendem-se com minha pouca roupa. Mas aqui
faz muito calor, não sei como vocês aguentam, chego a dizer, às vezes tenho
vontade de partir. Partir, como assim?, parecem mal compreender. Ir
embora, morar num local de clima mais ameno, ou voltar a BH. Um deles
quis saber se já saí nua em BH.
Já, uma ou duas vezes, e foi com um namorado do Rio, eu
disse. Como foi? Ele foi a Minas, à minha procura. Conheci-o através de uma amiga,
namoramos em BH, namoro convencional para uma mulher que mora sozinha. Numa noite de sábado saímos a passear, a comer, beber algo, temperatura amena, eu vestia
um vestido de fazenda grossa, mangas compridas, todo abotoado à frente. Ele
cismou desabotoar-me, e não foi dentro de casa. Há um parque nas vizinhanças?,
sugeriu. Um parque? Sim, mas lembre-se, não estamos na Escandinávia.
Escandinávia?, namorado sem cultura aquele. Um lugar tranquilo, onde o único
perigo ronda as pessoas uma vez a cada três anos, às vezes um bêbado aproxima-se e te ameaça com um punhal, mas logo vai embora. Encontramos o parque, os botões soltaram-se pouco a pouco, até que o vestido escapou-me. À segunda
vez?, não foi em BH, mas no interior, no entorno da minha cidade
natal. Viajei com o namorado, queria visitar meu pai. Passamos dois
dias na cidade, hospedamo-nos na casa de meu pai, mas não pudemos dormir juntos,
não havia cômodos disponíveis. Saímos à noite, a desculpa foi um passeio, uma
cerveja no barzinho local. Por que não bebem aqui?, ainda perguntou meu pai. Jairo
quer sentir o ar noturno, disse como desculpa, sorri. Fomos ao tal bar, e acabei
a noite nua, não no bar, é claro, mas num lugar onde namorava quando
adolescente. Caminha-se duas ruas depois da praça principal e a cidade acaba de
repente. Estava tudo como no tempo antigo, a escuridão era a mesma, só faltavam
as pessoas do outro tempo.
Mas aqui no Rio o calor é vigoroso. Então à praia, e eu nua,
verdade, bem nua, a ponto de não dar para reparar o biquíni!
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