quarta-feira, abril 19, 2017

Bem nua

Quando eu morava em BH adorava andar de biquíni dentro de casa, biquíni mínimo, quase nua. O apartamento no décimo oitavo andar protegia-me. O prédio de frente, do mesmo tamanho que o meu, subia até o vigésimo. Dois andares a mais eram quase nada diante dos outros dezoito. Ia eu da sala ao quarto, do quarto à sala, da sala à cozinha, o passeio transformava-se em grande prazer, meus movimentos provocavam-me arrepios. Voltava à sala e sentava no sofá, de costas para a janela. Cruzava as pernas, meditava, lia uma revista, avaliava programas vespertinos, como ida a teatros, a cinemas, quem sabe uma viagem no próximo final de semana.

Mudei para o Rio de Janeiro, cidade de tantos namorados. No Rio, andar de biquíni dentro de casa é redundância. Nesta cidade quente e ensolarada, anda-se nua. Certa vez atendi ao telefonema de um recente namorado. Perguntou o que eu vestia. Nada, respondi com naturalidade. Nada?, ele quis ter certeza. Nada, estou nua. O homem ficou louco, pediu que eu me levantasse, que andasse pela casa, que mudasse de lugar, fosse à cozinha e bebesse um pouco d’água, quem sabe comesse um bombom ou uma pequena barra de chocolate. Contasse a ele como era praticar todas essas coisas nua. Você está nua mesmo?, parecia não acreditar. Estou, por que duvidas de mim?

No Rio os prédios ficam próximos uns dos outros, por isso a nudez causa surpresa, estupefação, às vezes alguns problemas. Um morador de frente tem hora marcada para olhar-me, admirar-me. Mas finjo que não o vejo. Mesmo com o quarto na penumbra, a veneziana ou a cortina de renda a obstruir-lhe parte da visão, o homem não desiste. Que tal convidá-lo a vir aqui? Acho que morreria, menos então um admirador.

Os namorados surpreendem-se com minha pouca roupa. Mas aqui faz muito calor, não sei como vocês aguentam, chego a dizer, às vezes tenho vontade de partir. Partir, como assim?, parecem mal compreender. Ir embora, morar num local de clima mais ameno, ou voltar a BH. Um deles quis saber se já saí nua em BH.

Já, uma ou duas vezes, e foi com um namorado do Rio, eu disse. Como foi? Ele foi a Minas, à minha procura. Conheci-o através de uma amiga, namoramos em BH, namoro convencional para uma mulher que mora sozinha. Numa noite de sábado saímos a passear, a comer, beber algo, temperatura amena, eu vestia um vestido de fazenda grossa, mangas compridas, todo abotoado à frente. Ele cismou desabotoar-me, e não foi dentro de casa. Há um parque nas vizinhanças?, sugeriu. Um parque? Sim, mas lembre-se, não estamos na Escandinávia. Escandinávia?, namorado sem cultura aquele. Um lugar tranquilo, onde o único perigo ronda as pessoas uma vez a cada três anos, às vezes um bêbado aproxima-se e te ameaça com um punhal, mas logo vai embora. Encontramos o parque, os botões soltaram-se pouco a pouco, até que o vestido escapou-me. À segunda vez?, não foi em BH, mas no interior, no entorno da minha cidade natal. Viajei com o namorado, queria visitar meu pai. Passamos dois dias na cidade, hospedamo-nos na casa de meu pai, mas não pudemos dormir juntos, não havia cômodos disponíveis. Saímos à noite, a desculpa foi um passeio, uma cerveja no barzinho local. Por que não bebem aqui?, ainda perguntou meu pai. Jairo quer sentir o ar noturno, disse como desculpa, sorri. Fomos ao tal bar, e acabei a noite nua, não no bar, é claro, mas num lugar onde namorava quando adolescente. Caminha-se duas ruas depois da praça principal e a cidade acaba de repente. Estava tudo como no tempo antigo, a escuridão era a mesma, só faltavam as pessoas do outro tempo.

Mas aqui no Rio o calor é vigoroso. Então à praia, e eu nua, verdade, bem nua, a ponto de não dar para reparar o biquíni!

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