segunda-feira, novembro 20, 2017

Rosto vermelhinho

Aquele namorado me vivia enviando mensagens fora do comum: abraços, beijos e outras insinuações muito extravagantes. Nenhuma imagem. Escrevia e descrevia. Exemplos: beijinhos suaves na ponta dos lábios; mordidinhas no lábio superior, o mesmo lábio inteirinho dentro da minha boca; agora o inferior, caramelo de amor; mordidinhas na pontinha da orelha; traçados de arrepios com a ponta da língua pelo teu pescoço. O clímax: mergulho na tua boca minha língua ávida de amor.

Não é que o homem me deixou nua! E que trepada. Quem aguentaria se conter?

Ele era criativo. Dourados os reflexos do teu rosto nos talheres de prata; umbigo pleno de óleo derramado numa maré incandescente; transbordamentos sobre a pele lisa; pigmentos e suaves pelos que escondem abismos, convites a aventuras. Ui, outro o arrepio. Onde minha calcinha?

Andava eu nua pela casa, as mensagens na palma da mão. Já não posso, não me basta o telefone.

Três dias depois eu já era uma fera que nada acalmava. Fui à noite, sozinha, dar uma volta de carro. Um vestidinho e as mensagens que não cessavam. Quem sabe o ar da orla me acalme. Não mais posso me fazer de mulher difícil. As mais jovens são oferecidas, trepam por muito menos, e nem sentem tanto tesão. Eu tinha dado para ele apenas uma vez, estava dificultando o segundo encontro. O homem chegara a perguntar desagradei você? Não, não é isso, eu me coçava. Não queria mesmo era me precipitar. Ele é que tinha de saltar o abismo, convencer-me, encontrar meu corpo, um perigo iminente, respostas vagas para suas tentativas de certezas.

Ao entrar em casa após o passeio noturno e relaxante, tirei a roupa e reli o conto da Marília. Não contava que a história bobinha me acabaria excitando. A mulher diz que aceitou o convite para ir à casa do namorado. Até aqui, nada de mais. Seria a primeira vez na casa dele. Ao entrar e sentar numa poltrona, pensou que aquela relação poderia acontecer de modo diferente. Seria melhor aguardar mais alguns dias, quem sabe duas semanas, achava ruim ir para cama com um homem logo de primeira. Procurava alguém para conviver, não para o puro prazer. Mas, ao aceitar ir à casa dele, facilitava. Poderia ter ficado sentada na poltrona a noite inteira. No entanto, ela mesma o provocou. Não soube dizer por que, mas sentiu vontade. Acabou saltando do estofado para cama. Deitou, chamou o homem. Ele ainda disse você vai ficar toda amarrotada. Antes fosse, que mal haveria voltar amarrotada para casa? Tirou, então, o vestidinho e deu nas mãos deles. Ele o colocou num cabide e guardou dentro do armário, junto com suas roupas masculinas. Ela diz que ficou toda arrepiada. Um vestido levinho em meio a calças compridas, camisas sociais, paletós, cintos e gravatas. Marília conta que ficou molhada antes da hora! O homem deslizou fácil. Que vergonha!, ela tentando refletir. Mas o pior, ou o melhor (depende do ponto de vista), ainda estava por vir. Quando ia prestes a gozar, o namorado perguntou você já voltou pra casa sem calcinha? Ela nada respondeu, virou os olhos. Gozo? Tesão? Lembrou de outro namorado. Fazia tanto tempo, ela tinha dezoito anos. Não é que o garoto, após trepar com ela, roubara-lhe a calcinha? Aconteceria agora o mesmo, tantos anos depois, ela tinha certeza. Mas o que lhe provocava mesmo a maior excitação, era o vestido cercado por roupas masculinas!

Uma nova mensagem do namorado. “Vá à porta, por favor”. Corri, olhei pela fresta pequenina. Ele!, não o convidei. Abri, outra fresta, posei a cabeça. O namorado apontou o seu celular. Nova mensagem. Olhei o meu, nas minhas mãos, deixei a porta solta: “Você, o rosto vermelhinho!”

Não quis dizer a ele que eu estava ardida, consequência do conto da Marília.

Quando estamos do lado de fora do apartamento, a porta bate deixando-nos sem recursos, o corredor sombrio e silencioso; do lado de dentro, ela abre, convidativa, auxiliada por um vento saliente!

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