terça-feira, fevereiro 13, 2018

Bicuda

Eu morava na Bicuda, região serrana ao norte de Macaé, estado do Rio de Janeiro. Todos os dias de sol, ia à cachoeira, que ficava a algumas centenas de metros da minha casa. Aproveitava o sol, o ar fresco, a água gelada.

Sempre vesti biquínis bastante curtos, e não agiria diferente naquela região. Como a Bicuda é uma vila, pelo menos durante os dias de semana, em geral, não há outra pessoa no local.

Levava uma revista, ou um livro, estendia uma toalha sobre uma das rochas e deitava ao sol, ora de frente, ora de bruços. Caso aparecesse alguém, cumprimentava; a outra pessoa devolvia o cumprimento.

Certa vez um homem e uma mulher vieram caminhando. Após alguns instantes, pararam à margem do recanto e ficaram admirando a queda d’água. Eu a conhecia de vista, mas a ele, não. Ele olhou para mim de modo disfarçado. Notei que se surpreendera com a minha presença. Virou-se para a mulher que o acompanhava e perguntou algo que não consegui escutar. Você conhece essa mulher?, imaginei-o perguntando. Quando pensei que fossem afastar-se, ele aproximou-se.

“Há algum bar por aqui?”, seus óculos refletiram um raio de sol.

Sorri: “sim, mas até o momento o rapaz encarregado não chegou, fica bem ali”, apontei.

Permaneceu olhando-me ainda durante alguns segundos, depois agradeceu, voltou-se à mulher e ambos continuaram seguindo a trilha que levava ao alto da cascata. Aproveitei aquele imprevisto para levantar-me, mudar de posição e olhar durante algum tempo o céu, que estava muito azul.

Os habitantes locais raramente vinham conversar comigo. O motivo era o meu marido, homem ciumento e predisposto a brigar com quem ousasse a se aproximar de mim. No fundo eu gostava disso, porque podia ficar tranquila, ninguém incomodava. Apesar de suas bravuras, meu marido não interferia na minha vida nem no modo como eu me vestia.

Toda mulher gosta de ser paquerada, eu não sou exceção, era bom ver alguém rondando a cachoeira para me admirar, mesmo que de longe.

Mas, por mais que eu deitasse ao sol, por mais que me banhasse nas águas transparentes do rio, não havia quem tivesse a coragem de se aproximar.

Passaram-se alguns meses, meu marido anunciou que nos mudaríamos para Rio das Ostras. No início me senti incomodada, seria uma mudança brusca, das montanhas para a beira do mar, da cachoeira para a praia. Fomos ver a casa num sábado à tarde, pude então dar-lhe razão. Era uma construção sólida, de dois andares, um vasto terreno na parte de trás, várias árvores frutíferas, poderíamos mesmo instalar uma piscina, sauna, duchas etc. Além da casa, meu marido comprou mais um carro, desses bem pequeno, para eu poder rodar pela cidade.

Nos primeiros dias, quando ele viajava a trabalho, senti-me só, pois não conhecia pessoa alguma na vizinhança e o local era novo para mim. Após alguns dias, achei boa a solidão. Ao mesmo tempo, descobri o caminho da praia. Ela era extensa, as areias muito brancas, o mar bravio, e o vento sempre a soprar. Levava uma bolsa com as coisas que precisava: garrafa d’água, uma fruta, às vezes um suco. Senti-me muito à vontade naquelas areias quentes e aconchegantes, uma fagulha vibrava dentro de mim junto com a natureza.

Vez ou outra aparecia alguém. A pessoa olhava-me de longe, permanecia durantes alguns minutos e depois ia embora. Não sei se a fama do meu marido já chegara ao local ou se os homens, ali, eram tímidos.

Certa vez apareceu uma mulher. Somos mais simpáticas quando a relação é entre nós, mulheres, embora às vezes isso aconteça de modo fingido. Ela não demorou a vir falar comigo. Aproximou-se, desculpou-se e perguntou se podia ficar junto a mim. Apresentou-se, chamava-se Elaine. Não quis ser mal educada, disse que sim, mas perguntei se estava com algum problema.

“Não, nenhum problema, aliás, só se for um problema de amor...”

“De amor?”, sorri, olhei para ela e esperei que continuasse.

“Um homem anda atrás de mim.”

“E o que tem isso de mais?”, arregalei os olhos, “é bom, não?”

“Você acha?”, pareceu se surpreender.

“Na maioria das vezes, sim.”

“Mas essa praia comprida, eu sozinha, tenho medo.”

“Medo, o que lhe pode acontecer? O homem é desagradável?”

“Não”, afirmou com eloquência, “é mesmo bonito, mas não estou acostumada.”

Pouco a pouco me foi contando sua história. Vivia sozinha fazia tempo, desacostumara-se dos homens, achava que não tinha mais gosto nem por eles nem pelo sexo.

“Mas o sexo é tão bom”, cheguei a dizer.

Sorriu. “É, eu sei, é que não saio com ninguém faz tempo, esse o outro motivo.”

“Então, não perca a oportunidade.”

“Você acha?”, sua fisionomia expressou certa dúvida.

“Sim, você não tem nada a perder.”

Deitou-se sobre a canga, fechou os olhos e ficou ao sol, parecia refletir. Depois de algum tempo, sem mudar a posição, pôs-se a falar.

“Sabe, faz algum tempo eu tive uma amiga aqui, ela agora esta em Macaé, mudou-se. Era muito avançada, me aconselhava a cada coisa incrível. Eu ficava assustada. No início, achei que ela zombava de mim, mas depois descobri que não era brincadeira, não, ela queria mesmo me ajudar. Era tão louca que entrava n’água nua, juro, tirava o biquíni, guardava na bolsa e ficava tomando banho de mar como veio ao mundo. Eu dizia vai aparecer alguém, você vai se ver em apuros. Dava de ombros, acho que desejava mesmo que alguém aparecesse.”

Sorriu, continuou.

“A mulher sabia viver, era mais velha do que eu, não sofria de nada, dizia que devíamos estar acompanhadas sempre de gente jovem, assim não teríamos muitos problemas de saúde.”

“Acho que estava certa. De certa forma, penso também de forma parecida.”

Elaine deitou-se ao sol e pareceu dormir. Achei estranho que se tivesse calado de repente. Entrei na água e permaneci me refrescando durante uma boa meia-hora. Não sentiu a minha falta. Quando voltei, disse que tinha de ir, precisava fazer um trabalho importante. Mas não revelou o que era.

Fui à praia dias seguidos e não mais a vi. Uma semana depois, enquanto eu estava de olhos fechados sob o sol, deitada na cadeira de praia, senti alguém se aproximando. Era Elaine. Parecia contente.

“Bom dia”, disse altiva, “tenho uma coisa e tanto pra contar.”

“Oi, você desapareceu, não deu notícias, pensei que tivesse fugido com o carinha.”

“Quase, quase mesmo,”

Ela tirou a canga, estendeu-a sobre a areia e sentou-se. Como éramos fúteis naquele fim de mundo!, pensei. Tanta coisa para se fazer e a gente falando sobre amores passageiros, tantos assuntos para serem estudados, pensados, e muita coisa boa ainda para ser escrita. Mas continuávamos na praia, Elaine naquele dia tivera coragem de vir quase nua, biquíni menor que o meu, sentada ao sol, contanto seu caso.

“Ele apareceu lá em casa.”

“É mesmo?”, intervi, “como descobriu o endereço?”

“Não sei, acabei não perguntando. Estava descansando, depois do almoço, quando alguém bateu à porta.”

“Era ele...”

“Como adivinhou?”, assustou-se.

“Intuição.”

“Ele demonstrou certa pudor ao me ver. Achei isso muito engraçado. Um homem que me paquera quando venho à praia, e à porta da minha casa demonstrando certa cerimônia ao me ver. Falou que vendia um produto, e que eu ia gostar. Eis suas palavras: ‘toda mulher gosta de ser elegante, portanto o produto que trago é para emagrecer. Não quero dizer que a senhorita esteja fora de forma, claro, seu corpo é perfeito, apenas precaução.’ A seguir, tirou da bolsa um pequeno vidro que tinha no rótulo o nome de uma solução para emagrecimento. Estava escrito mesmo o nome do médico responsável. Perguntei se não faria mal, quem sabe ele quisesse me envenenar. É lógico que não disse isso a ele. Confesso que o produto me atraiu, mas acho mesmo que foi um artifício para ele ficar sozinho comigo. Convidei o homem a entrar. Ainda cerimonioso, ele ficou em pé. Disse que sentasse. Foi uma longa conversa. Falou sobre sua cidade de origem, na Bahia, o tempo que vive por aqui, e os trabalhos que exerceu. ‘Caso você esteja desconfiada, bebo antes um gole do medicamento’, afirmou. Falei que não precisava. Comprei o medicamento, queria que fosse embora logo. Não vou dar para um homem assim, ele me oferecendo um medicamento, pensei. Antes de se despedir, ressaltou que havia algo mais sobre o medicamento, era afrodisíaco, que eu tomasse cuidado. Ri de tudo aquilo, paguei o que pediu e ele se foi. Li, depois, a fórmula do tal remédio. Dizia que era feito de fécula de batata, uma coisa assim, e que os micro-organismos comiam a gordura do corpo caso se tomasse uma dose a cada noite. Eufórica para testar, tomei naquela mesma hora. Você não adivinha o que aconteceu.”

“Você saiu correndo atrás do homem, porque ficou morrendo de tesão e ele era o único macho que andava por perto àquela hora.”

“Quase. Mas não fiz isso não. Vesti o biquíni e corri aqui pra praia. Fiquei morrendo de tesão mesmo. E acho que não foi sugestão, não. Entrei n’água, a única maneira de esfriar o que passei a sentir depois que tomei o medicamento. Confesso que tirei o biquíni e enrolei no braço, como uma pulseira, de tanto tesão que eu sentia. Demorei a voltar ao normal. Olhei em volta pra me certificar se ele não estava na praia, se trouxera o produto para me ver louca por sexo. Mas não encontrei ninguém.”

“Você me deixa tomar um golinho desse medicamento?”, pedi debochada.

“Quer mesmo? Claro, vamos depois lá em casa”, sugeriu. Passaram-se alguns segundos e ela retificou. “Não, acho melhor eu ir lá buscar agora.”

Elaine levantou-se, sacudiu a canga, envolveu-a no corpo e se foi.

Abri a bolsa e acendi um cigarro. Olhei ao redor para admirar a paisagem. Num momento, descobri um homem ao longe. Vinha caminhando pela areia, de modo que às águas da praia lhe molhassem os pés. Pouco a pouco se foi aproximando. Reparei que o conhecia de vista, era o homem que estivera com a mulher junto à cachoeira enquanto eu tomava sol sobre a pedra, me perguntara sobre o bar que existia nas proximidades. Passou por mim, mas creio que não me reconheceu. Não tardou, Elaine voltou, trazia outra bolsa, além do tal medicamento, disse que portava algumas cervejas.

“Nada de cerveja agora”, fui logo dizendo, quero tomar o medicamento.”

“Você já é tão magra, mais do que eu”, ela sorriu após as últimas palavras.

“Não é pela magreza que desejo, você entende.”

Me ofereceu o pequeno vidro. Agarrei e tomei um grande gole.

De repente, fiquei zonza.

"Meu Deus, o que é isso?", exclamei.

"Mas a poção já fez efeito? Você deve ser predisposta ao sexo."

"Elaine, por favor, não sei o que vai ser de mim, estou sentindo uma terrível e gostosa excitação. O que faço, Elaine?"

"É melhor você correr pra dentro d'água. O mar vai te acalmar."

Aceitei o conselho. corri e mergulhei. Tirei o biquíni e fiquei nua dentro d'água.

"Elaine, faz um favor pra mim, venha até aqui."

Ela obedeceu.

"Pegue, guarda na minha bolsa", entreguei o biquíni e o top nas mãos dela.

Não tardou, vi o homem voltando, o mesmo que passara fazia trinta minutos, o mesmo lá da cachoeira. Parou e perguntou algo a Elaine. Ela disse uma ou duas palavras e apontou pra mim.

Ele caminhou até a beira d'água e perguntou:

"Você sabe onde fica a Pousada do Rei?"

Enquanto ele falava, pude reparar que Elaine ria lá em cima.

"Não escutei", disse, "você pode vir até aqui?"

Ele aproximou-se, apesar de estar de camisa e vestir uma bermuda.

"Ah, sim. Pousada do Rei, sim, sim, vou explicar."

Expliquei. Ele entendeu. Entendeu e reparou meus seios nus. Apenas riu e se foi.

"Olha que tentei ajudar você", sorriu Elaine depois que o homem partiu.

"Muito obrigado, agradeço mesmo. Bem que tentei, mas ele não entendeu."

Você não vai tomar uma dose da tal poção do amor?, perguntei.

"Vou", respondeu. "Mas com uma condição. Você precisa ir atrás do tal homem pra mim."

Ela bebeu. Caímos ambas numa gostosa gargalhada.

Dois minutinhos depois, éramos duas nuas nas águas daquela praia.

"Vem alguém lá", disse minha amiga.

"É ele, não deve ter encontrado a tal Pousada."

"Já sei, você não deu a informação correta."

"Vou dar agora, mas não a informação."

Elaine olhou pra mim.

"Vamos dar, as duas!"

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