segunda-feira, agosto 13, 2018

Lábios

Eu tinha vários namorados. E um marido. Mas, é claro, nenhum sabia do outro, ou dos outros. Naquela manhã, recebi telefonema de um admirador. Aliás, eu já saíra com ele fazia algum tempo. O homem gostou e queria bis. Eu, porém, despistava, dizia que iria ligar, mas não cumpria. Ele disse que eu estava de brincadeira, que já não queria saber dele. Nada disso, gosto muito de você, é que a vida anda confusa, muita coisa pra fazer, sabe como é, falei. Não posso mandar o homem andar, nada sei sobre o dia seguinte. Vamos marcar pra amanhã, decidiu. Amanhã? Isso mesmo, amanhã, não vamos adiar mais uma vez, ele, resolvido. Descobri uma coisa, acrescentou. O quê? Você é casada. Quem te falou isso? Uma amiga tua, depois digo quem é. Ficou marcado, não havia jeito de mudar a data. Mas, quem sabe, até o dia seguinte eu teria uma solução.

Meu telefone toca o dia inteiro. Quanto as mensagens, nem fala. Cada hora é um homem querendo falar comigo. Você não se confunde?, perguntaria uma amiga. Não, não me confundo; quando se trata de homens, tenho certeza de tudo.

O dia marcado transcorreu tranquilo. No final, recebi a mensagem do enamorado, de saída pra me encontrar. Desta vez eu não iria desmarcar, não posso fazer um papel desses. Quando o encontrei na saída do metrô Carioca, sorriu e me beijou.

Até que enfim, suspirou.

Estou feliz também, revidei.

Andamos o quarteirão da Treze de Maio.

Espera um pouco, vamos tomar um café na livraria, sugeri.

Ele me olhou, circunspecto.

Desde quando você é de livrarias?

Sou de café, resoluta respondi.

Quem sabe lá ele encontra uma amiga? Dá pra eu escapar.
Fomos à Cultura. É lindo lá dentro. Um café simpático, requintado, cheio de pedaços de torta. Que delícia. O importante é o homem, Marília, diria uma amiga. Mas eu já tenho quatro! Este meu admirador queria mesmo era me levar pra um hotel. Já até tinha insinuado. E eu não ia sair com alguém pra ficar dando passinhos pela rua. Ele havia dito que eu não tenho intimidade com livrarias, mas agora lembrei um livro, uma história de amor, ou de desejo e sexo, sei lá, acho que assim fica mais próxima; no livro dizia que a escrita é um prazer, lia-se e gozava-se com a leitura. Que bom!, orgasmos sem homens, sem ninguém pra nos enganar. Uma história de se escorregar, marmelada, goiabada e catupiry. Além disso, na hora de sair da Cultura, vi na bancada da frente os quatro romances iniciais de Machado de Assis. Eu que não gostara dele na época do colégio, mas por quem me apaixonei anos depois. Arre, os professores de literatura!

Chegamos ao hotel. Bonitinho. Este eu não conhecia. Ai, meu Deus, tenho quatro namorados e um marido, vai que dou com um deles por aqui. Ninguém é santo, é preciso compreender. Mas quando se descobre a traição, venha de onde vier, não se pode deixar passar.

Meu admirador quis que eu fizesse um strip-tease. Não tenho habilidade pra essas coisas! Eu, nua, nos braços dele. Lembra o pedaço de torta, querido?, estava uma delícia. Lambi os lábios. Isso mesmo, meus lábios molhadinhos.

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