Tenho uma amiga que sai de primeira com os homens que
conhece. Não podemos ter alguém para algo aquém do sexo?, talvez uma conversa
sobre livros (na certa, haverá alguém a dizer que não há nada mais sexual do
que este tipo de relação). Existem tão poucas pessoas que falam sobre livros
nos dias de hoje. Não, não é possível, ela me afirmou, podemos até mesmo
lembrar que elas existam, mas não acaba aí. Ri-me da lembrança.
O homem notou o sorriso, o rosto aberto, desvendou meus
pensamentos. Talvez não a conversa com a amiga, mas minha necessidade de
conversar sobre livros. Livros são o céu inatingível, disse em voz baixa,
por mais que os leiamos jamais conseguiremos alcançar sua totalidade, mesmo
escolhendo apenas um ramo do conhecimento. Inteligente ele. Tinha capacidade de
levantar véus. Não precisou de muito tempo para me seduzir. Falou sobre literatura. Aliás, não gostava da palavra literatura, preferia livros.
Tinha seus motivos.
Minha intenção, a princípio, era conversar no próprio café e, quem sabe, entraria na livraria em
frente. A literatura tem o seu peso, concluiria eu depois. Não me bastaria o
café e a conversa sobre os escritores preferidos. Não sei se ele estava sendo
sincero ou se empregava diversos de seus ardis. Mas sabia de cor alguns
trechos de romances, estrofes perdidas de epopeias antigas. Saímos do café; a
seguir, como previsto, a livraria. Tão bonita, não? Chegou a encontrar algumas capas
atraentes, pérolas de design. Fez de conta que partiria, em dado momento. Acho
que me reparou a face triste. Ficaria desprovida de companhia tão interessante.
Você tem compromisso, cheguei a afirmar de modo interrogativo. Talvez não,
sorriu. Pronto. Depois das poucas palavras, um acordo tácito. Percorremos
algumas bancadas, encontramos o livro Se
houvesse sol. Bom livro, começou a discorrer, uma escritora promissora; a
princípio parece lugar comum, mas pouco a pouco a história vai avançando em duas frentes: batalha pela escrita e contra a solidão; já reparou como há escritores que
escrevem sobre a solidão; talvez escrever seja um meio de vencer a solidão; há neste livro uma mulher que parte em busca de
um homem, verdadeiro trabalho de detetive; ela, porém, encontra o vazio; isso
mesmo, o vazio produzido pela escrita; quanto mais escreve, tanto maior o
vazio incontornável; não digo mais, é bom você mesma ler, concluiu.
Há momentos em que uma mulher tem o desejo de se atirar nos
braços de um homem. Talvez um caminho de fuga fácil, talvez o instinto suicida,
no fundo uma tentativa de equilíbrio sobre corda frágil, dois prédios
altíssimos, desertora de uma família de equilibristas. Já tínhamos bebido café,
o que eu poderia sugerir, além de andarmos a esmo pelo centro velho, a observar
prédios de um ou dois séculos?
O homem se mostrava mais forte, não me convidaria a ir com
ele. Em algum momento, parou e olhou, talvez para o mesmo vazio que encontrara
no livro apontado momentos antes. Eu não podia convidá-lo, seria mulher vulgar,
sobretudo após um passeio cultural. Convidei-o para mais um café, naquele
momento houve uma cafeteria que pareceu abrir-se apenas para nós dois. Pedimos
mais dois cafés e continuamos nossa história, preenchida por mais silêncios do
que palavras. Descobri, então, o segredo. Não o que ameacei revelar lá no
começo, mas o segredo de um relacionamento saudável: muitos os silêncios, poucas
as palavras. E fomos assim, como dois cães que se cheiram sem nada dizer,
circundam-se sem conhecer o círculo, separam-se sem pensar na saudade,
sabem que se encontrarão no semelhante próximo. Estávamos condenados a
fazer como estes pequenos animais. E fizemos. De quem a iniciativa? Mais uma vez nossos silêncios ajudaram.
Mas não era esse o segredo. Naquele dia, eu vestia um
vestido muito curto. Quanto mais a presença dele crescia, tanto eu me sentia nua. Ele reparou.
Mas, no fundo, gostei. Fiquei a pensar como conseguia conciliar literatura e alguma libertinagem. Arrependi-me, há namorados que desejam mais do que a pele por baixo das nossas saias.
O vazio colocado por ele, entretanto, era de outra natureza.
O vazio colocado por ele, entretanto, era de outra natureza.
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