segunda-feira, março 01, 2021
Pelas próprias mãos
Deitada, penso nele. Melhor assim, a imaginação tem asas, voos diversos e muitas vezes de longo curso. Meu amigo, ouço ainda sua voz, tom de afeto. Quem não vive situação semelhante? Na verdade, os homens são problemáticos. Ter relação estável com algum deles é sinônimo de alguns percalços. O principal é que tendem à infidelidade. Sei que o admirador que me sopra palavras doces não as faz voar apenas a mim. No entanto, escuto-as, finjo que acredito, solto um tantinho a corda. Quando quer marcar encontro, não sei se vou. São sedutores demais. Por mais que digamos não vou me apaixonar, ou tenho domínio sobre mim, não há garantias. Alguns deles parecem dominar os segredos de linguagem, trejeitos complicados, difíceis de perceber. Quando dou por mim, estou cativa. Ou jamais dou por mim – recurso falacioso de negar a captura. Digo que se trata de resultado do meu charme, ou de uma construção voluntária, longa, estudada. Passam-se alguns dias, ou algumas semanas, e pergunto ainda uma vez quando e como me deixei convencer: nua, agarrada a ele. Ana Maria, amiga de longa data, diz que nunca se deu conta de nada. E tantos são os homens. A maioria trepa muito bem, e é isso o que desejo. Pois é, rebato, ou seria melhor dizer replico (sua atitude). Rebato, primeiro. O problema é que me apaixono. O homem diz apaixonado, jamais encontrou uma mulher tão sensível. Sim, sensível, não resisto ao seu tato, sua mão deslizando-me sob a saia; eu, presa insensata a ficar nua pelas próprias mãos. Ana Maria diz que a calcinha deve ser retirada pelo homem. Nua a esperar pelas mãos fugidias que vão lhe fazer desaparecer a derradeira peça. Mas eu não tenho vergonha de confessar, tanta é a paixão que acabo por tirar, além do vestido, calcinha e sutiã. Mas, agora, deitada na minha cama, a coberta a roçar-me o corpo, sinto-me protegida. Longe a paixão súbita, melhor o pensamento. Mexo-me e sinto suas possíveis mãos. Ele disse que tenho alma de artista, que minha voz é suave, jamais um grito. Ah, sim, nada de gritos. Tenho uma filha pré-adolescente, às vezes dou uns gritos a ela. Não sei se é esse tipo de grito a que ele se refere. Como ainda não transamos, acho que não pode ser o grito de orgasmo. Mas, caso ele o espere, não o terá. Não grito na hora agá, ou, explicado: no momento do gozo. Faz alguns anos tive um namoradinho, ele me pedia para gritar. Faça de conta que está num palco. Mas não sou atriz, rebatia eu. Não faz mal, faça de conta. Dei, então, um grito intenso. Assustei a vizinhança. Eu havia saído do banho, o corpo fresco, as mãos do jovem a me acariciar, horas antes estivéramos na praia, nossos corpos traziam ainda o calor do dia de verão, do sol imperial. A vizinha veio bater à porta. Não, não foi aqui, não, retruquei, a porta entreaberta, ela a observar meus ombros. Você está nua, minha filha, vai pegar uma pneumonia. Voltei ao namoradinho. Ele ria e ria, não precisava um grito de tal envergadura. O tal era aprendiz de escritor. A tal envergadura. Vai ver lançou livro e vou, sem saber, como personagem. Tomara que não me tenha largado nua na mão de seus leitores. Deitada ainda, agora de manhãzinha, friozinho, a coberta, edredom fofo, ainda a lembrança do admirador. O tom de voz precisa ser baixo; o namoro, verbal. Do verbo fez-se a vida, lembro. Portanto, o verbo é perigoso, muito perigoso, capaz de gerar mundos. Um mundo meu corpo, maiô inteiriço, cavado atrás. O namorado goza ao me ver de costas, na praia. Assim, arrefece. Não se apresse, dispo-me pelas minhas mãos.
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