Oi, Rosa, conforme prometi, eis a história. Guarde, por
favor, bem guardadinha, e aproveite, você vai gostar.
Histórias de cabides. Vejam se cabides podem servir de
motivo para um conto. Mas foi muito engraçado. O namorado abriu a porta do
apartamento e me deixou passar na frente. Não repare, por favor, sabe como é,
homem que mora sozinho. Entrei, sorrindo como sempre, e perdoando-lhe alguma
possível desordem. O que mais gostei foram alguns livros de poesia que
encontrei sobre uma espécie de mesa de centro, eram poemas de Eucanaã Ferraz.
Que ótimo, adoro os poemas dele. O namorado sorriu. Ele não sabia, até então,
dos meus dotes para a poesia. Fique à vontade, disse e foi até à cozinha. Tenho
umas comidinhas muito gostosas, você vai adorar. O namorado sempre solícito. Voltou
com uns salgadinhos de forno, uma garrafa de suco, outra de água, tenho também
cerveja e vinho, disse. Ótimo, falei. Saboreamos os salgados, os biscoitinhos,
uma pasta com rodelinhas de pão francês, depois o vinho. Conversamos
amenidades. Jamais se devem puxar assuntos sérios ou difíceis com um namorado,
tudo deve seguir com leveza, o corpo de uma modelo, como se a vida fosse uma
grande esteira de prazeres. O céu, olhe, como estão lindas, quantas as
estrelas, ar fresco, falei. Um abraço romântico, nossos hálitos, corpos
quentes, beijos e mais beijos. O vinho descendo na garrafa, alguns salgados
desaparecendo, penetrando nossas bocas, o prazer do paladar. Como a vida é boa,
simples, e acabamos querendo tantas coisas complicadas. James Joyce e Saul
Bellow escreveram livros muito difíceis, plenos de angústia, acho que o passar
do tempo, a solidão, o desejo reprimido, a premência da morte. A mão do
namorado encostou às minhas coxas nuas, a saia curta convidava. O vinho tinha
escrito a introdução. A vida fluía natural, era um rio, que não encontrava
obstáculos. Aliás, outro dia li não sei onde, é possível se banhar duas vezes
no mesmo rio sim; basta que ele seja lento e que tenhamos uma bicicleta veloz. Não
sei por que lembrei a história do cabide. Minha amiga Tânia arranjou um
namorado, de primeira ela aceitou o convite para ir à casa dele. Louca, a
Tânia. Louca e feliz. Trajava um vestidinho branco, tinha renda e forro, bem
passado, estava armadinho, não consigo imaginá-la que não vestida de bailarina.
Sentou no sofazinho da saleta do namorado, era um apartamento pequeno,
jeitosinho, um estúdio na verdade. O homem veio sorrateiro, sentou ao lado.
Lembrou então que tinha na geladeira uma garrafa de champanhe. Ah, a
champanhe!, afirmou minha amiga. Depois que ele abriu tudo correu bem, como o
creme nas mãos de uma boa massoterapeuta. Minha amiga se soltou, imaginem. Uma
delícia esse champanha. Por conta própria, avançou através da porta da pequena
saleta. Oh, o quarto, que bom, a cama imensa. Deitou-se, inocente, chamou o
homem pelo nome. Ele não demonstrou surpresa, apenas perguntou a roupa?, você
vai ficar toda amarrotada. Você tem um cabide?, Tânia nua, nos braços do homem,
o tal creme, mas já não o da massoterapeuta.
Meu namorado ficou a me admirar. Em que eu estava pensando?
Quando éramos adolescentes perguntávamos ao namorado, caso o silêncio fosse
longo, em que você está pensando? Outra coisa que acontecia naquela época era a
dificuldade de se desligar o telefone quando nos despedíamos. Desligue você
primeiro. Não, desligue você. Não, da outra vez fui eu quem desliguei, é a sua
vez. O tempo passava acompanhando, curioso, nossa falta de assunto.
Depois de mais um beijo, bem quente, devastador, procurei
minha taça de vinho sobre a mesa e tomei mais um gole. Posei-a a seguir sobre a
mesa e sorri. Arrumei meus cabelos. Você gosta de sacanagem, não?, ri depois da
minha pergunta. O namorado também sorriu. Pega então um cabide pra mim, vai.
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