domingo, maio 17, 2020

Pendurada no pescoço

Outro dia li uma história interessante. Uma mulher – professora de inglês – seguia no metrô ao apartamento do namorado, era hora do almoço. Ficaria sozinha durante várias horas, no silêncio ou no ligeiro rumor de uma tarde de junho. Ele morava à rua Bulhões de Carvalho, ali entre o Posto e Seis e o Arpoador. O tal namorado trabalhava muito, chegava tarde, quando chegasse ela já teria partido, não sei para uma aula ou para a própria casa. A ida até o local era para descansar, ou ler um livro, horas de prazer que apenas a solidão pode contemplar. Pensei, então, na minha vida. Tenho filha adolescente, minha mãe mora comigo, o apartamento tem dois quartos. Caso arranjasse namorado como a mulher do conto seria o paraíso. Descanso e carinho, ações necessária para uma mulher em plena vida ativa. E, feliz coincidência, sou também professora de inglês.

Ter namorado, grande problema para mim! Talvez isso revele que não sei administrar minha vida privada. Criar sozinha uma filha, dar-lhe educação, cultura, uma boa moral, não é fácil. Por isso acho que os namorados ficaram sempre em segundo plano, o que faz que se afastem, vão em busca de mulheres mais acessíveis. Ninguém quer ficar em segundo plano. Tenho uma amiga que perguntou: por que você não leva o namorado para sua casa? Sinceramente, não sei se seria bom. Causaria um estranhamento, minha filha na certa arregalaria os olhos, “minha mãe com um namorado, já não vai querer saber de mim”, e minha mãe vai dizer que estou procurando homem, coisa que ela nunca fez depois do dia em que ficou viúva. Sou separada desde o nascimento da menina, namorados até hoje só da porta para fora, e muito raramente. Tive um namorado sim, faz três ou quatro anos, a gente se encontrava à tarde, namoro das três às cinco, ou das quatro às seis; eu correndo, como uma louca, de volta para casa. A gente foi a uma casa de chá, no centro, duas vezes ao cinema, e a um hotel, também no centro. Comecei a falhar aos encontros. Problemas domésticos, dizia a ele. Achou que perdi o interesse por ele. Acabamos nos afastando por tanto tempo que ele, provavelmente, arranjou outra, tantas mulheres por aí, mais jovens e mais nuas do que eu. Lá se foi o homem, sem adeus. Um dia desses nos encontramos ao acaso, eu estava com minha filha, dei um rápido aceno a ele e segui meu caminho.

Na escola, há um professor que sempre vem falar comigo, maior delicadeza, me dá a maior importância. Conversamos nos intervalos, às vezes também quando estamos saindo, ele vai a caminho do metrô, eu sigo um pouco mais, ao ponto do ônibus. Seu assunto é sobre cultura: peças de teatro, filmes, um ou outro livro. Minha vida dupla, de professora e dona de casa, não me permite frequentar os eventos enumerados por ele. Seria uma boa amizade o tal professor. Ao descobrir que vive só, achei possível namorá-lo. O destino seria o mesmo do namorado anterior? Não posso ser tão pessimista, e a menina já vai pela adolescência.

Tenho uma amiga que olha os homens recém-apresentados com aquele olhar de volúpia. Não sei dizer outra palavra. Sai com eles de primeira, e diz preferir os casados. Estes não contam para ninguém, são de extrema discrição, e não exigem permanências demoradas. Não é que ela não possa passar longas horas com o namorado, sua filha fica sozinha e ela não tem mãe para morar junto, é porque não deseja que namoro se torne casamento. A palavra a assusta. Podemos usar outra, como namoro, relacionamento durável ou estável, mas ela diz tratar-se de eufemismos. Casamento desgasta. É bom cada um ter a sua independência. Não penso assim, adoraria ter alguém para ficar comigo, morar comigo, alguém carinhoso, dedicado. Diz ela não existir essa pessoa, ou melhor, existe sim, mas na cabeça de mulheres sonhadoras. Discordei, disse ter uma amiga feliz ao lado do marido, ou do eterno namorado, não sei bem. Aparências, diz, tudo aparências. Mas você não acredita naqueles que foram feitos um para o outro? Não, ela afirma, isso é muito difícil.

Volto ao conto, sobre o qual falei lá no começo. A professora de inglês e seu namorado, morador de Copacabana, rua Bulhões de Carvalho, alguns dizem que essa rua fica no Arpoador. Que seja, melhor ainda. Mas ela aparece no conto sozinha, o namorado é alguém distante. Chega ao apartamento, tira a roupa e fica de calcinha. No silêncio e na meia sombra da tarde. Repousa, lê um livro, escuta a campainha, sobressalta-se. A faxineira do apartamento de frente pede, por favor, um saco plástico; mulher alegre, ainda no corredor do sexto andar fala em divertir-se. A professora sorri e entrega o saco. Volta ao silêncio da tarde, senta-se na poltrona e retoma a leitura. O namorado é uma imagem distante. Ela não vai encontrá-lo naquela tarde, nem na noite próxima. Um conto sobre a solidão, dou-me conta.

Teimosa, acredito no amor, nos relacionamentos. Ah, o professor e nossos momentos de intervalos, seu sorrisinho matreiro. Vou lhe enviar um zap, de repente mora num apartamento em Copacabana. Poderei então descansar, libertar-me de todo o stress de dona de casa, quem sabe também sentar nua numa poltrona para ler um livro. E para não ficar apenas na solidão, encontrá-lo vez ou outra, namorá-lo, pendurar-me no seu pescoço.

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