segunda-feira, outubro 26, 2020

Mascote

Vinha a Cíntia, com seu biquíni minúsculo, tão gostosinha, lá pelas bandas do Pecado, a praia mais reservada de M. Sou mulher, mas tive vontade de puxar o elástico da pequena peça. Confessei a ela, mulher com corpinho de modelo, vai lá pelos trinta e poucos. Deixe pro cachorro, respondeu. Cachorro?, assustei-me. Apareceu um cão enorme, negro, pelo rente, a correr e saltar na direção dela, fez a festa. Cachorro?, repeti. Sim, não está vendo?, chama-se  Mascote. Mas o cão já aprendeu essas coisas?, continuei. Que coisas, fez-se de desentendida. O biquíni, repeti. Que biquíni?, ela. Ah, deixa pra lá, tentei mudar o rumo da conversa. Aprendem rápido, são muito inteligentes, respondeu, dois compassos a baixo.

A praia era boa, ondas na arrebentação, a brisa e o sol de quatro da tarde. Lembrei-me, então, de uma época em que trabalhei fazendo palestras, viajava tanto, uma beleza. Certa vez, na hora do almoço, num pequeno grupo, alguém contou sobre uma mulher que trepava com o próprio cão. Verdade, dizia a tal, foi a diarista que me contou, a mulher se enfiava no banheiro com o animal, um cão imenso, e não saía tão cedo, escutava-se o ganido, não se sabia se dela ou do cachorro. É isso quase todo dia, repetia a tal diarista.

À época, duvidei, será que existe gente capaz disso? Depois, pensando melhor, achei possível o tal relacionamento. Seria apenas físico, capaz de proporcionar prazer – os cães demoram na conjunção sexual, e ainda são capazes de dar as costas para a parceira e continuar com o pênis lá dentro, duro que só. A mulher sentia-se feliz, realizada, nas palavras da empregada. Sim, era certo que saía ganhando, caso desejasse apenas sexo. Um cão não é capaz de aborrecer. E não sentiria ciúmes quando ela decidisse sair sozinha num sábado à noite.

A Cíntia de biquininho andando pela beira d’água. O sol ardendo nas nossas peles. Mascote ao seu lado, feliz, saltitante.

Cíntia, volte aqui, me empreste o Mascote.

segunda-feira, outubro 19, 2020

Nua por debaixo

Sempre fui aberta a desafios, tanto na vida profissional como na pessoal. Aos quarenta anos, apareceu-me um namorado entusiasmado, pronto a me propor performances cada vez mais estimulantes. Em M, cidade litorânea de porte médio, não há muito com o que me preocupar. É trabalho e, aos fins de semanas, alguma diversão, como praia pela manhã, visita a uma amiga à tarde, saídas à noite para passear na orla, ou ir a alguma festa. Já não tenho vinte anos, digo a ele. Mas insiste, você é jovem, tem saúde para muitas atividades, até mais do que as garotas de dezoito anos.

Os homens mais velhos da cidade saem com meninas jovens, mesmo menores de idade, como de dezessete anos. Tenho amigas que fazem de tudo para arranjar namorado, o máximo que conseguem é um amante, o que muitas vezes lhes traz problemas. Os homens livres estão com as meninas. Meu namorado teria vantagem entre elas, mas me preferiu, você é muito gostosa e, além disso, adora andar nua.

Frequentamos as praias mais retiradas, como as que ficam entre M e Rio das Ostras. Posso mergulhar ou ficar na areia, com os seios de fora, abraçá-lo sem ninguém por perto a nos incomodar, e houve um dia em que mergulhei pelada. Apesar de toda nossa excitação, sempre deixamos para transar em casa. Uma vez fizemos amor dentro do carro. Quais os desafios, em meio a uma vida tão cheia de prazeres? Os de me manter jovem, em corpo e em espírito.

Domingo à tarde, voltando de uma de nossas praias, ele me faz outro tipo de desafio. Dirigir nua! E lá vou eu, ao volante. Amor, é preciso ao menos cobrir os seios, é mais discreto. Cubro-os após contornar para entrar em M, para ser mais exata, após dobrar a rua que conduz à orla de Cavaleiros. Tem uma porção de gente na praia, tanto na areia quanto na calçada, os bares cheios. Bem que estou gostando, uma vontade louca de saltar. Não esqueça, você está nua!, adverte-me o namorado. Obrigado, amor, esqueci.

Tenho amigas que aceitam tudo o que os homens lhes pedem. Comigo não é bem assim, tenho princípios. E não dependo deles, ganho bem com meu trabalho. Por isso, tantos admiradores atrás de mim. Apesar do assédio, quase não namoro homens da cidade. Minhas amigas acabam desvalorizadas, no final não há quem as queira.

Amor, não repare, deixei marcado o estofado do banco do motorista, falo, tímida. Não faz mal, isso sai, deve ser o calor, e estou gostando, diz. Calor?, ah, sim, estou mesmo com muito calor, cheia de fogo. Rio enquanto faço a curva para entrar no estacionamento do Ilhote. Amor, está percebendo?, preciso saltar, quero beber alguma coisa.

Ele me entrega o biquíni, salto do carro, cumprimentamos a moça do estacionamento e bordeamos a calçada. Na parte descoberta do Ilhote, vejo minha amiga Nete. Ela e o namorado. Tão bonito o homem, adora quando ela passeia nua ao lado dele, de dia ou de noite. Ela veste uma canga bonita, colorida, cheia de desenhos. Ri para mim. Está bebendo espumante, a única bebida de que gosta. Essa minha amiga sai cara para os homens que arranja. Nete pisca, apontando com a face aos meus seios. Ah, sim, estou apenas de biquíni. Pra que preciso mais?, chego a sussurrar, em meio a um beijo que faço flutuar na sua direção. Já sei, quando for ao toalete, vai me pedir para acompanhá-la, quer trocar teu biquíni pelo meu? Só que vai abrir a canga e mostrar que está nua por debaixo! Vamos cair as duas numa grande gargalhada. Adoro todas essas tardes de domingo.

segunda-feira, outubro 12, 2020

Bizarra

Ivete telefonou fazendo escândalo. Disse que não me ajuda mais, que não adianta telefonar pra ela. Engraçado, ela é que me deve favor, já ajudei muito mais do que ela me ajudou. Fora os galhos que quebrei pra ela em matéria de namorado. Basta lembrar o baile de Carnaval, faz uns dez anos. Um homem veio falar comigo, muito bonito por sinal, estava fantasiado de Zorro. Moço, desculpe, espere um instante, e fui correndo procurar por ela. Ivete, arranjei um namorado pra você. Ela se deu bem. Ficou com ele, não só no baile, mas depois e ainda durante muito tempo. O tal era rico, ajudou-a um bocado, tudo graças a mim. Sem contar de eu já ter ficado de sobreaviso várias vezes quando saía com alguém pela primeira vez. Por isso, não é justo, ela me deu um esporro violento pelo telefone, e nem tinha motivo pra tanto. Estou acostumada a ajudar as amigas. Outro dia foi a Linda. Telefonou desesperada, pensei que fosse morrer. Corri à casa da dela. Quando cheguei, estava apenas de calcinha, deitada no sofá da sala, chorando terrivelmente, uma travessa de cuscuz sobre a mesa consumida pela metade. O que foi Linda? Ah, você nem imagina, não aguentei, comi a metade da bandeja de cuscuz, um amigo que trouxe. E soluçava. Fiz de tudo pra ele levar de volta, mas não adiantou, disse pra eu oferecer a um vizinho, acabou que não resisti, e você sabe que não posso engordar, tenho desfile, já ganhei um quilo e meio no último semestre, não sei o que faço, tentei colocar pra fora, mas não consigo, não adianta eu enfiar o dedo na garganta. E continuou a chorar. Tenho uma solução, falei. Olhou surpresa. Fui à cozinha, esquentei água. Antes que fervesse, enchi uma xícara grande e voltei à sala, disse que bebesse. O que é isso?, quis ela saber. Um segredo, não posso contar pra ninguém, bebe antes que esfrie. Bebeu. Corremos ao banheiro, fiz que se ajoelhasse diante do vaso, pressionei seu estômago. Colocou tudo pra fora, água quente e cuscuz. Vai, agora lava a boca. Linda fez o que mandei. Voltamos pra sala, segurei a mulher pelo ombro. Sentou no sofá, os peitos duros, as pernas finas, a calcinha branca. Pronto, agora descanse. Ajudei uma amiga, viu? Gosto de ajudar as pessoas. Algumas vão achar esta história bizarra, mas ela estava sofrendo. Quando deixei sua casa duas horas depois, minha amiga descansava feliz. E ganhei de presente a metade da travessa de cuscuz! Agora a Ivete, com essa história de que sou louca, de que não mais vem ao meu socorro. Tudo bem, não preciso dela. O que aconteceu, na verdade, foi uma bobagem, fruto de uma brincadeira com três rapazes. A gente saiu junto daquela boate, a da orla. Entrei no carro deles e paramos na junção de Cavaleiros com o Pecado. Me pediram algo. Aceitei. Uma espécie de aposta. Eu já tinha namorado os três, que são muito gostosos por sinal, mas não era esta a intenção naquela madrugada. Aqui é que entra a Ivete. Eu precisava telefonar a uma amiga e fazer um pedido especial. Que ela me atendesse àquela hora. Ela aceitou, foi ao meu encontro, levou o vestido, e ainda me deu uma carona de volta pra casa. Até ali, nada falou, mas o problema foi à tarde. Pedi que fosse me buscar em Rio das Ostras. Ivete disse que o carro dela não é Uber. Sei, Ivete, e contei mais ou menos a situação. Muito contrariada, às cinco da tarde, ela apareceu perto da Tocolândia. O problema é que ela viu o jovem, um dos que estavam comigo de madrugada. Ela me trouxe de volta, eu vestia apenas o biquíni, e era quase noite. Não falou nada naquele momento. No dia seguinte, telefonou, o maior sabão. Não ando nua por aí, jamais aconteceu de eu não ter o que vestir, foi apenas uma aposta, uma espécie de brincadeira. Mas Ivete esquece aquele Carnaval, eu lhe fiz um grande favor, ainda emprestei a fantasia, acredite, sério, porque o homem queria ficar comigo. Nós, então, trocamos de roupa pra ele pensar que ela era eu. Na troca, tive de ficar sem calcinha. O que aconteceu, Ivete? Me empresta a tua, o que ele vai pensar?, insistiu ela. Agora essa, não vou mais te ajudar, devia ter te deixado amanhecer nua, com a mão direita cobrindo os peitos e a esquerda a xereca, como te encontrei quando cheguei na frente da tal casa.

segunda-feira, outubro 05, 2020

Furiosa

Já te falei pra parar com esse fogo no rabo. Não vou mais vir te ajudar, você fica de brincadeira com esse monte de homens, depois me telefona pra te tirar da complicação. Por que você não tem um namorado como todo mundo? Por que tem de sair cada dia com um, e mesmo pedir dinheiro pra eles? Quem pede dinheiro é prostituta. Se você aceita, tem de fazer o que eles querem. E prostituta ninguém respeita. Principalmente do jeito que você se oferece. Logo alguém da polícia vai saber e vai vir te explorar. Você sabe como eles são, não suportam mulheres sozinhas, autossuficientes, tanto mais se são prostitutas. E sabe o que acontece com prostitutas com corpinho de modelo como o teu quando eles colocam no carro da polícia, não? Já te quebrei muitos galhos, mas não adianta me telefonar e dizer Ivete, por favor, preciso de você, agora, é urgente, não me abandone. Urgente, só bombeiro e ambulância. Não me meta nas tuas confusões, vai acabar sobrando pra mim. Lembra a história da Ana? A Sônia vivia atrás dela, Ana enchia o saco com aquele negócio de arranjar desculpa pra trair o marido. Veja o que aconteceu. Não quero pra mim a mesma coisa. Você ficou com os tais caras, eles pintaram e bordaram, depois você me telefona e eu vou te ajudar. Muito engraçadinha. Passa uma semana, a mesma coisa. No final, tu tá toda sorridente. Hoje, esse problema de não ter o que vestir. E ainda diz escolhe um vestidinho que não seja muito comprido, bem jeitosinho. Como tu tem coragem de, no telefone, final da madrugada, ainda descrever os detalhes da roupa? É pra não queimar o meu filme, você afirma toda serelepe, arteira. Eu devia ter te deixado amanhecer nua, com a mão direita cobrindo os peitos e a esquerda a xereca, como te encontrei quando cheguei na frente da tal casa. Horas depois, você ainda volta a ficar de gracinha com um deles. E me liga de novo pra eu ir te buscar. Se acontecer de novo, não adianta me telefonar, não vou aparecer, nem vou responder. Avisa também para aquela louca da tua amiga, a que fica com os peitos de fora na praia, que isso aqui não é uma cidade grande, fala-se muito por aí, vocês duas já estão desmoralizadas. Outra coisa, por que você não faz as coisas direito? Lembra da Jalva? Ela arranjava dinheiro com os homens, mas era tudo na maior discrição. Ninguém notava. E tinha três filhos. Até hoje acho que ela ainda consegue alguma ajuda, apesar de já não ser nova. Se tua escolha é ser puta, faz as coisas direito, planeja, vê quem é o homem com quem vai trepar, vai pra um hotel. Esse negócio de ficar nua na praia durante o dia atrás de homem e de noite na calçada do Ilhote não é bom. Quando acontecer de novo, não me telefone. Acho que você nem se incomodou, não é mesmo? No teu lugar, eu estaria morrendo de vergonha. E olha que não sou santa. Não conte mais comigo, você já está indo longe demais. Não adiante me dizer fico te devendo essa, depois te pago. Você me deve tanto, que não tem dinheiro que pague. E mesmo assim, não preciso de recompensa nenhuma, quero que não me aborreça. E o vestido que emprestei, quero de volta, viu, não é pra ficar desfilando por aí com as minhas roupas. Falo sério, estou dando um basta. Não me procure mais. Se acontecer de novo e depender de mim, me esquece. Vai achar outra pra te tirar das tuas complicações.