segunda-feira, outubro 12, 2020

Bizarra

Ivete telefonou fazendo escândalo. Disse que não me ajuda mais, que não adianta telefonar pra ela. Engraçado, ela é que me deve favor, já ajudei muito mais do que ela me ajudou. Fora os galhos que quebrei pra ela em matéria de namorado. Basta lembrar o baile de Carnaval, faz uns dez anos. Um homem veio falar comigo, muito bonito por sinal, estava fantasiado de Zorro. Moço, desculpe, espere um instante, e fui correndo procurar por ela. Ivete, arranjei um namorado pra você. Ela se deu bem. Ficou com ele, não só no baile, mas depois e ainda durante muito tempo. O tal era rico, ajudou-a um bocado, tudo graças a mim. Sem contar de eu já ter ficado de sobreaviso várias vezes quando saía com alguém pela primeira vez. Por isso, não é justo, ela me deu um esporro violento pelo telefone, e nem tinha motivo pra tanto. Estou acostumada a ajudar as amigas. Outro dia foi a Linda. Telefonou desesperada, pensei que fosse morrer. Corri à casa da dela. Quando cheguei, estava apenas de calcinha, deitada no sofá da sala, chorando terrivelmente, uma travessa de cuscuz sobre a mesa consumida pela metade. O que foi Linda? Ah, você nem imagina, não aguentei, comi a metade da bandeja de cuscuz, um amigo que trouxe. E soluçava. Fiz de tudo pra ele levar de volta, mas não adiantou, disse pra eu oferecer a um vizinho, acabou que não resisti, e você sabe que não posso engordar, tenho desfile, já ganhei um quilo e meio no último semestre, não sei o que faço, tentei colocar pra fora, mas não consigo, não adianta eu enfiar o dedo na garganta. E continuou a chorar. Tenho uma solução, falei. Olhou surpresa. Fui à cozinha, esquentei água. Antes que fervesse, enchi uma xícara grande e voltei à sala, disse que bebesse. O que é isso?, quis ela saber. Um segredo, não posso contar pra ninguém, bebe antes que esfrie. Bebeu. Corremos ao banheiro, fiz que se ajoelhasse diante do vaso, pressionei seu estômago. Colocou tudo pra fora, água quente e cuscuz. Vai, agora lava a boca. Linda fez o que mandei. Voltamos pra sala, segurei a mulher pelo ombro. Sentou no sofá, os peitos duros, as pernas finas, a calcinha branca. Pronto, agora descanse. Ajudei uma amiga, viu? Gosto de ajudar as pessoas. Algumas vão achar esta história bizarra, mas ela estava sofrendo. Quando deixei sua casa duas horas depois, minha amiga descansava feliz. E ganhei de presente a metade da travessa de cuscuz! Agora a Ivete, com essa história de que sou louca, de que não mais vem ao meu socorro. Tudo bem, não preciso dela. O que aconteceu, na verdade, foi uma bobagem, fruto de uma brincadeira com três rapazes. A gente saiu junto daquela boate, a da orla. Entrei no carro deles e paramos na junção de Cavaleiros com o Pecado. Me pediram algo. Aceitei. Uma espécie de aposta. Eu já tinha namorado os três, que são muito gostosos por sinal, mas não era esta a intenção naquela madrugada. Aqui é que entra a Ivete. Eu precisava telefonar a uma amiga e fazer um pedido especial. Que ela me atendesse àquela hora. Ela aceitou, foi ao meu encontro, levou o vestido, e ainda me deu uma carona de volta pra casa. Até ali, nada falou, mas o problema foi à tarde. Pedi que fosse me buscar em Rio das Ostras. Ivete disse que o carro dela não é Uber. Sei, Ivete, e contei mais ou menos a situação. Muito contrariada, às cinco da tarde, ela apareceu perto da Tocolândia. O problema é que ela viu o jovem, um dos que estavam comigo de madrugada. Ela me trouxe de volta, eu vestia apenas o biquíni, e era quase noite. Não falou nada naquele momento. No dia seguinte, telefonou, o maior sabão. Não ando nua por aí, jamais aconteceu de eu não ter o que vestir, foi apenas uma aposta, uma espécie de brincadeira. Mas Ivete esquece aquele Carnaval, eu lhe fiz um grande favor, ainda emprestei a fantasia, acredite, sério, porque o homem queria ficar comigo. Nós, então, trocamos de roupa pra ele pensar que ela era eu. Na troca, tive de ficar sem calcinha. O que aconteceu, Ivete? Me empresta a tua, o que ele vai pensar?, insistiu ela. Agora essa, não vou mais te ajudar, devia ter te deixado amanhecer nua, com a mão direita cobrindo os peitos e a esquerda a xereca, como te encontrei quando cheguei na frente da tal casa.

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