terça-feira, março 30, 2021

Não quis incomodar

Dortothy deve ter sido uma mulher apaixonante. Depois que partiu, muitos homens vêm perguntar se eu tenho alguma informação sobre ela. O que posso dizer é que se mudou para os Estados Unidos. Ela morava no mesmo prédio que eu, ou melhor, no apartamento ao lado. Sempre quando alguém vem procurá-la, como não recebe resposta (seu apartamento está vazio), chama pelo interfone o apartamento mais próximo, que é o meu. Você há de convir, a gente esta aqui neste bar conversando, a cinquenta metros de onde moro, posso afirmar que jamais a vi nestes restaurantes da vizinhança, ou mesmo que tenha trazido namorados para seu apartamento. Aliás, uma vez apenas a vi com um homem. Ela entrava no prédio, era mais de meia-noite, enquanto eu saía. Conversamos algumas vezes, o que sei é através de sua própria voz. Sempre estava sorrindo e falava que os homens viviam atrás dela: veja só, há mulheres que desejam arranjar namorado, enquanto eu tenho de despachá-los, não sei por que tantos homens atrás de mim. Tal conversa pessoal só aconteceu uma vez, nas outras conversamos banalidades, como o preço do aluguel, o que se tinha para fazer num sábado à noite, uma receita de comida espanhola, coisas do gênero. Você pode me fazer um favor?, perguntou certa vez. Claro, respondi. Você pode me dar o número do seu telefone?, você entende, não?, pode acontecer alguma coisa, sou uma mulher sozinha, é bom ter alguém como contato, ela pediu. Deixei meu número. Mas ela nunca me incomodou, nem pessoa alguma me telefonou procurando-a. Sei de mulheres que, quando saem com um homem pela primeira vez, pedem para alguém ficar de sobreaviso. Não sei se era a sua intenção, não perguntei, nem nunca ligou pedindo a mínima coisa que seja. Você sabe, muitas mulheres se aventuram com homens de vários tipos, temem cair nas mãos de um malfeitor. Também não sei o que eu poderia fazer caso me telefonasse de madrugada pedindo qualquer tipo de ajuda. Vá que seja uma roupa pra voltar pra casa, tudo bem, aí posso ir até onde a pessoa está e ajudar, mas mais do que isso, impossível. Acho que existem mulheres que se sentem mais seguras quando tem alguém com quem podem contar. Mas Dorothy jamais me telefonou. Fico impressionada com a quantidade de homens procurando por ela depois que se foi, penso no que poderia ter de excepcional. Não consigo descobrir. Tive uma amiga, faz tempo, que tinha também muitos namorados. Ela não era daqui do Rio, foi numa outra cidade onde trabalhei. Certa vez, ao sair com ela, perguntei o que tinha de mais pra ter tanta audiência. Ela riu, deu de ombros e acabou me contando que os homens a achavam gostosa. E a mulher não era bonita, nem usava roupa curta. Certa vez, alguém me contou algumas coisas sobre ela, mas não acreditei. Em cidade pequena, existe muita fofoca, e o que me contavam não era possível. Acho que tinha um jeito especial de trepar que atraía todos eles. Cheguei a insinuar por que minha amiga não escolhia um deles para ter uma vida regular. Ela riu e disse que assim perdia a graça. Agora, voltando a Dorothy, até ela ir embora, não notei nada de extravagante. No final, veio me falar vou me mudar para os Estados Unidos, conheci um americano que está apaixonado por mim. Você vai mesmo?, ainda perguntei com a entonação de dúvida, de que poderia ser alguma coisa arriscada acreditar num homem e partir tão de repente. Ela disse agora acertei, tive mais de cem namorados, sabe quando você conhece um homem e diz é esse?, então, aconteceu. No dia de partir, perguntei se queria que eu a levasse ao aeroporto. Não, obrigada, já combinei tudo com um motorista. Na despedida, pediu caso alguém me procure, diga que me mudei para os Estados Unidos, só isso. Afirmou que manteria o meu contato, que eu poderia enviar mensagens, mas que não desse o número pra ninguém, agora ela estava comprometida. Riu após suas últimas palavras, antes de me beijar. Recebi uma mensagem dela logo nos primeiros dias, quando chegou, disse estar tudo bem, às mil maravilhas. Depois, silenciou. Quanto a mim, não quis incomodar.

terça-feira, março 23, 2021

O tal vazio

Que boa a sensação! Às vezes é positivo ser pouco lida, posso contar segredos. Ontem, aconteceu algo alucinante. Eu que sempre gostei de vestir-me... Não, melhor contar no final. Estava no centro, tomava um café, sentada numa mesa digna, de cafeteria conhecida. Olhava as pessoas, tão belas, quando vislumbrei o tal homem. De início, não fiz menção de pensar bobagens, principalmente a de me entregar cega nos braços de um homem. Ele passava como as outras pessoas, eu tinha um livro à mesa, acho que ainda permeava minha mente rastros do tal romance. E era bom o livro. Mas o homem voltou. Acho que reparou a tal mulher aérea, diva à espera de sua glória. Fez que iria ao balcão, depois escolheu a mesa, quase ao meu lado, pediu enfim o café. Ouvi sua menção ao garçom. Pouco a pouco, voltou-se para mim, sorriu; depois, tentou cumplicidade através do livro sobre a mesa. Arregalou os olhos como alguém que tenta adivinhar o título. Talvez pensasse numa possível pergunta minha sobre se o tinha lido. Mas permaneci plácida, perdida em minhas questões, distante, acho que do outro lado da rua, onde passava uma mulher de vestido vermelho. O homem insistiu, tomou o café, parecia querer irmanar-se às mesmas minhas atitudes.

Tenho uma amiga que sai de primeira com os homens que conhece. Não podemos ter alguém para algo aquém do sexo?, talvez uma conversa sobre livros (na certa, haverá alguém a dizer que não há nada mais sexual do que este tipo de relação). Existem tão poucas pessoas que falam sobre livros nos dias de hoje. Não, não é possível, ela me afirmou, podemos até mesmo lembrar que elas existam, mas não acaba aí. Ri-me da lembrança.

O homem notou o sorriso, o rosto aberto, desvendou meus pensamentos. Talvez não a conversa com a amiga, mas minha necessidade de conversar sobre livros. Livros são o céu inatingível, disse em voz baixa, por mais que os leiamos jamais conseguiremos alcançar sua totalidade, mesmo escolhendo apenas um ramo do conhecimento. Inteligente ele. Tinha capacidade de levantar véus. Não precisou de muito tempo para me seduzir. Falou sobre literatura. Aliás, não gostava da palavra literatura, preferia livros. Tinha seus motivos.

Minha intenção, a princípio, era conversar no próprio café e, quem sabe, entraria na livraria em frente. A literatura tem o seu peso, concluiria eu depois. Não me bastaria o café e a conversa sobre os escritores preferidos. Não sei se ele estava sendo sincero ou se empregava diversos de seus ardis. Mas sabia de cor alguns trechos de romances, estrofes perdidas de epopeias antigas. Saímos do café; a seguir, como previsto, a livraria. Tão bonita, não? Chegou a encontrar algumas capas atraentes, pérolas de design. Fez de conta que partiria, em dado momento. Acho que me reparou a face triste. Ficaria desprovida de companhia tão interessante. Você tem compromisso, cheguei a afirmar de modo interrogativo. Talvez não, sorriu. Pronto. Depois das poucas palavras, um acordo tácito. Percorremos algumas bancadas, encontramos o livro Se houvesse sol. Bom livro, começou a discorrer, uma escritora promissora; a princípio parece lugar comum, mas pouco a pouco a história vai avançando em duas frentes: batalha pela escrita e contra a solidão; já reparou como há escritores que escrevem sobre a solidão; talvez escrever seja um meio de vencer a solidão; há neste livro uma mulher que parte em busca de um homem, verdadeiro trabalho de detetive; ela, porém, encontra o vazio; isso mesmo, o vazio produzido pela escrita; quanto mais escreve, tanto maior o vazio incontornável; não digo mais, é bom você mesma ler, concluiu.

Há momentos em que uma mulher tem o desejo de se atirar nos braços de um homem. Talvez um caminho de fuga fácil, talvez o instinto suicida, no fundo uma tentativa de equilíbrio sobre corda frágil, dois prédios altíssimos, desertora de uma família de equilibristas. Já tínhamos bebido café, o que eu poderia sugerir, além de andarmos a esmo pelo centro velho, a observar prédios de um ou dois séculos?

O homem se mostrava mais forte, não me convidaria a ir com ele. Em algum momento, parou e olhou, talvez para o mesmo vazio que encontrara no livro apontado momentos antes. Eu não podia convidá-lo, seria mulher vulgar, sobretudo após um passeio cultural. Convidei-o para mais um café, naquele momento houve uma cafeteria que pareceu abrir-se apenas para nós dois. Pedimos mais dois cafés e continuamos nossa história, preenchida por mais silêncios do que palavras. Descobri, então, o segredo. Não o que ameacei revelar lá no começo, mas o segredo de um relacionamento saudável: muitos os silêncios, poucas as palavras. E fomos assim, como dois cães que se cheiram sem nada dizer, circundam-se sem conhecer o círculo, separam-se sem pensar na saudade, sabem que se encontrarão no semelhante próximo. Estávamos condenados a fazer como estes pequenos animais. E fizemos. De quem a iniciativa? Mais uma vez nossos silêncios ajudaram.

Mas não era esse o segredo. Naquele dia, eu vestia um vestido muito curto. Quanto mais a presença dele crescia, tanto eu me sentia nua. Ele reparou. Mas, no fundo, gostei. Fiquei a pensar como conseguia conciliar literatura e alguma libertinagem. Arrependi-me, há namorados que desejam mais do que a pele por baixo das nossas saias.

O vazio colocado por ele, entretanto, era de outra natureza.

terça-feira, março 16, 2021

Bem fundo

Amor, por favor, não, você sabe que gosto dos meus textos bem escritos, revisados à exaustão, não posso escrever agora, nesta situação. Eu sei que você tem muitas fantasias, inclusive a de me ver escrevendo peladinha uma história, mas é difícil ficar sentada aqui em frente ao computador cheia de tesão, doidinha pra trepar com você, a tentar escrever uma história. Tanto mais com você nu ao meu lado, com esse pinto durinho, eu a dar beijinhos na ponta. Não, por favor, amor, vamos deitar, amanhã escrevo. Lembra aquela vez, contei a você, dois homens me pediram a mesma coisa, era uma aposta, fiquei exausta, acabei escrevendo e publicando na mesma hora, pra interesse deles. Mas foi uma exceção, eu tinha um amigo que morava na Dinamarca, ele me dava tantos presentes, e ganharia a aposta. Acabei cedendo. Tenho uma amiga que me diz Célia, relaxe e goza, os homens estão sempre a te paparicar, a te dar presentes, se eu fosse você não pensava duas vezes. Mas, para quem está do outro lado, em frente ao teclado, não é a mesma coisa. Estou tão excitada. Não, amor, sei que você já me dá mil presentes, não precisa me pagar pra escrever. Não é assim que funciona. As coisas caminham assim nas editoras. Muitas mulheres aceitam qualquer coisa pra publicar um livro. É como na TV, pra conseguir uma vaga tem o teste do sofá, e agora está armado este circo todo, com as atrizes processando os homens por abuso sexual, assédio e até estupro. Amor, compreende, vem, vamos deitar, pronto dei mais um beijinho na ponta do teu pinto, você chega estar quente, e quer me ver escrevendo. Devia me comer, imediatamente, sem perder um minuto. Você gosta de fazer tudo com calma, nada de gozar logo, sei, tanto melhor para as mulheres. Fico pensando nas namoradas que você teve, não souberam aproveitar o homem que tinham junto a si. Ah, adivinhei, elas não era escritoras, caso o fossem e escrevessem peladas às duas e trinta da madrugada estariam com você até hoje! Você só quer namorar escritoras, e vê-las escrevendo nuas, e vendo-as publicar imediatamente após terminar o texto. Mas, amor, um texto nunca está terminado, tanto mais a gente lê, mais encontra algo que não agrada, precisando ser modificado. Quando se publica um conto ou um romance, é porque é preciso sair o livro, caso permitissem a gente ficaria revisando a vida inteira, e sempre acharia ainda o que modificar. Mais um beijinho, abaixe aqui, viu, isso, quero a tua língua, bem gostosa, está quentinha também. É por que você espera pelo meu texto? Não, amor, você precisa ceder, não pode fazer isso com uma mulher, obrigá-la a algo que ela não quer, é como um estupro. Você não entende assim? Verdade. Nada disso de relaxe e goza, comigo não funciona, aliás, só funcionou uma vez, e eu não gosto de falar sobre. Não, claro que não, amor, não vou escrever sobre o que aconteceu. Acho que já até escrevi, não lembro. Talvez se procurar entre todos os meus textos, há alguma referência. Agora quero namorar. Caso escrevesse alguma coisa hoje, seria sobre vir à casa do namorado pra trepar com ele. Escreveria é ótimo ter um namorado que nos convide para ir ao seu apartamento, por isso é importante arranjar namorado que não seja comprometido. Então, no apartamento, ele me serve uma taça de vinho tinto, coloca música; sento, cruzo as pernas e fico olhando a ele. Assanhada. Mas nada de tirar a roupa logo, aguardo. Seria uma história delicada, de amor e carinho. Sem chances de ser diferente. Acho que já escrevi sobre uma vez que deitei na cama de um namorado vestida inteirinha e ele me disse você vai ficar toda amarrotada, deitei mesmo assim, depois de uns apertos e uns beijos fiquei toda amarrotada mesmo! Começamos então a rir, ele disse tenho ferro elétrico se você quiser passar, ou empresto uma roupa minha, as mulheres adoram roupas de homem. Amor, já falei demais, nada de escrever agora, vamos pra cama, já estou levantando, me abraça, adoro quando você me abraça apertado, me encosta na parede, eu nua. Isso, amor, assim, assim, vamos deitar, amor, estou ficando toda molhada, não posso mais resistir. Amanhã. logo ao acordar, escrevo a história pra você, prometo, também publico imediatamente, vou vencer minhas neuras de revisar um texto ao infinito. Agora vem, amor, isso, amor, um carinho bem gostoso, assim, é como gosto, a literatura fica pra depois. Ai, amor, ai, você sabe que gozo várias vezes, não para, não, não para, mete, mete bem fundo...

segunda-feira, março 08, 2021

Não me deixa faltar

Ele me enviou uma mensagem dizendo teu aniversário passou mas não esqueci, ainda é tempo de te dar um presente. Tal namorado (nomeio namorado porque sempre está cheio de amor por mim) só tem uma exigência, que eu vista um vestidinho de tecido fino, minha pele lisa por baixo, apenas, deixando-o cheio de tesão. Outro dia pensei não posso atender seu pedido, tenho minha personalidade, não é meu modo costumeiro de vestir. Além disso, acabo sendo objeto de admiração de todos os outros homens. Às vezes vêm atrás de mim! Mas ele me paga de duzentos a trezentos, apenas para ir com o vestidinho e lhe dar um beijinho na hora de ir embora. O envelope, tira-o do bolso do blazer, branco que só. Abro quando estou sozinha, em casa. Fico numa tremenda dúvida, vou ou não? Leio a mensagem no celular. Houve uma vez quando usei um macaquinho, as pernas morenas de fora, as costas, os ombros morenos leitosos, o homem não aguentou, pude reparar direitinho. Tenho uma amiga que não vê problema nenhum aceitar estes pedidos, diz que tem uma conta no Instagram, entra em contato com os homens, não demora a declarar que está apaixonada, passa uma semana diz que no banco sua conta vai no vermelho, alguém a assedia por causa de uma dívida, será que ele não pode lhe depositar quinhentos reais? De início, o recente namorado se assusta, mas acaba depositando se não o total, pelo menos a metade. Ela envia uma porção de fotos para ele, deitada, sentada, de pé, sempre nua. Outro dia disse vou tomar uma ducha, e logo mandou duas fotos dela nua no banho. O homem esperou com impaciência. Mas quanto a mim, tenho certo receio. Não abri conta no Instagram, me basta o Zap, o Facebook, a quantidade de homens atrás de mim é alta, mas adivinhem o que eles querem. Não posso dar pra todo mundo. Fica chato. E olha que gosto à beça de transar. Este que me gosta de vestidinho leve e fino é tão delicado, tem conversa boa, me leva pra lugares agradáveis. Pena que só trepei com ele uma vez. Não sei por que não saímos mais vezes, acho que falta de oportunidade. Não é tão bom de cama como outros homens que conheci e que conheço, mas adora minhas histórias. No dia em que trepamos, contei uma sacanagem no ouvido dele, o homem ficou logo de pau duro, pediu que eu o chupasse nos intervalos da narração, (contei uma história louca, do dia em que fui à praia em Mangaratiba com um biquíni mínimo do mínimo) acabou gozando dentro da minha boca. Não tive coragem de cuspir sua porra. Até que estava gostoso, tudo no fim me rendeu 500 reais. E o saborzinho pareceu de chocolate! Agora, foi meu aniversário, deixa de bobagem, Zilda, falo comigo mesma, tudo se resolve em quarenta minutos.  Mas dessa vez, se além do presentinho pudermos ir de novo a um hotel, quero que meta lá dentro, bem fundo. Conto a história da Juliana, biquíni de lacinhos, amarradinho no tornozelo do namorado, na praia de Muriqui, os dois dentro d'água, mas pela minha voz a protagonista sou eu e o homem este sobre a cama comigo! O namorado é mais velho que eu doze anos, mas, depois de minhas historias, não vai me deixar faltar.

segunda-feira, março 01, 2021

Pelas próprias mãos

Deitada, penso nele. Melhor assim, a imaginação tem asas, voos diversos e muitas vezes de longo curso. Meu amigo, ouço ainda sua voz, tom de afeto. Quem não vive situação semelhante? Na verdade, os homens são problemáticos. Ter relação estável com algum deles é sinônimo de alguns percalços. O principal é que tendem à infidelidade. Sei que o admirador que me sopra palavras doces não as faz voar apenas a mim. No entanto, escuto-as, finjo que acredito, solto um tantinho a corda. Quando quer marcar encontro, não sei se vou. São sedutores demais. Por mais que digamos não vou me apaixonar, ou tenho domínio sobre mim, não há garantias. Alguns deles parecem dominar os segredos de linguagem, trejeitos complicados, difíceis de perceber. Quando dou por mim, estou cativa. Ou jamais dou por mim – recurso falacioso de negar a captura. Digo que se trata de resultado do meu charme, ou de uma construção voluntária, longa, estudada. Passam-se alguns dias, ou algumas semanas, e pergunto ainda uma vez quando e como me deixei convencer: nua, agarrada a ele. Ana Maria, amiga de longa data, diz que nunca se deu conta de nada. E tantos são os homens. A maioria trepa muito bem, e é isso o que desejo. Pois é, rebato, ou seria melhor dizer replico (sua atitude). Rebato, primeiro. O problema é que me apaixono. O homem diz apaixonado, jamais encontrou uma mulher tão sensível. Sim, sensível, não resisto ao seu tato, sua mão deslizando-me sob a saia; eu, presa insensata a ficar nua pelas próprias mãos. Ana Maria diz que a calcinha deve ser retirada pelo homem. Nua a esperar pelas mãos fugidias que vão lhe fazer desaparecer a derradeira peça. Mas eu não tenho vergonha de confessar, tanta é a paixão que acabo por tirar, além do vestido, calcinha e sutiã. Mas, agora, deitada na minha cama, a coberta a roçar-me o corpo, sinto-me protegida. Longe a paixão súbita, melhor o pensamento. Mexo-me e sinto suas possíveis mãos. Ele disse que tenho alma de artista, que minha voz é suave, jamais um grito. Ah, sim, nada de gritos. Tenho uma filha pré-adolescente, às vezes dou uns gritos a ela. Não sei se é esse tipo de grito a que ele se refere. Como ainda não transamos, acho que não pode ser o grito de orgasmo. Mas, caso ele o espere, não o terá. Não grito na hora agá, ou, explicado: no momento do gozo. Faz alguns anos tive um namoradinho, ele me pedia para gritar. Faça de conta que está num palco. Mas não sou atriz, rebatia eu. Não faz mal, faça de conta. Dei, então, um grito intenso. Assustei a vizinhança. Eu havia saído do banho, o corpo fresco, as mãos do jovem a me acariciar, horas antes estivéramos na praia, nossos corpos traziam ainda o calor do dia de verão, do sol imperial. A vizinha veio bater à porta. Não, não foi aqui, não, retruquei, a porta entreaberta, ela a observar meus ombros. Você está nua, minha filha, vai pegar uma pneumonia. Voltei ao namoradinho. Ele ria e ria, não precisava um grito de tal envergadura. O tal era aprendiz de escritor. A tal envergadura. Vai ver lançou livro e vou, sem saber, como personagem. Tomara que não me tenha largado nua na mão de seus leitores. Deitada ainda, agora de manhãzinha, friozinho, a coberta, edredom fofo, ainda a lembrança do admirador. O tom de voz precisa ser baixo; o namoro, verbal. Do verbo fez-se a vida, lembro. Portanto, o verbo é perigoso, muito perigoso, capaz de gerar mundos. Um mundo meu corpo, maiô inteiriço, cavado atrás. O namorado goza ao me ver de costas, na praia. Assim, arrefece. Não se apresse, dispo-me pelas minhas mãos.