quarta-feira, maio 25, 2022

Toda a beleza do mundo

Outro dia estava deitada, eram quatro da tarde, um sábado. Senti vontade de me vestir, com a melhor roupa, olhar-me no espelho, desfilar pela casa. Fui ao guarda-roupas e procurei o tal vestido. Era um de festa. Difícil um vestido chique ser confortável, mas o tal me desmentia, que bom. Tirei toda a roupa, toda mesmo, calcinha e sutiã inclusive, fui ao banheiro, tomei uma ducha, me enxuguei com cuidado e voltei ao quarto. Vesti-o, com todo o cuidado do mundo. Fora feito especialmente para uma festa, acho que da minha sobrinha quando comemorou seus quinze anos. Deixava minhas costas nuas, o decote avantajado insinuava que meus seios escapariam a qualquer movimento temerário. Passaram-se alguns anos, mas cabia direitinho. Devo confessar que peguei um ou dois quilos de lá pra cá, mas isso não afetou o vestido sobre o meu corpo. Olhei-me no espelho, depois fechei a porta do armário e fui andar um pouquinho pela casa. Saí do quarto, dei um passo à direita e entrei na sala. As janelas estavam abertas, o céu claro, o verde de uma árvore entrava pela janela, vozes de mulheres, de crianças, de jovens. Vinham da rua, dos outros apartamentos, da vida social que cada um levava. Eu estava sozinha, eu e meu vestido, minha nudez, o prazer de sentir a fazenda roçar sobre a minha pele. Sentei-me numa poltrona, virada para a janela, a perna direita sobre a esquerda, o pano preto brilhoso, os raios do sol a três passos de mim.

Veio-me à cabeça um namorado de outros tempos. Pedia-me fotos e mais fotos. Engraçado, “me dê uma foto de você vestida bem bonita”, ele, reivindicativo. “Pensei que me querias nua”, cheguei a dizer certa vez. Riu, “nua já te possuo todas as noites”. Engraçada a palavra possuir, não dizia no sentido de propriedade, mas no de trepar comigo. “Também te possuo, e mais do que você, porque te guardo dentro de mim”. Continuava a rir, a imagem solar, “esta é boa”. O namoro como durou.

Levantei-me, cheguei à janela, vi um homem jovem do outro lado da rua, na janela de outro apartamento, outro prédio, bebia uma taça de champanha. Levantou-a para mim fazendo-me um brinde. Sorri, levantei também a minha taça imaginária. Brindamos. Sorriu e bebeu um gole. Imitei-o, bebi também o meu. Como estava gostoso o champanhe. Dei um adeusinho. Enviou-me um beijo. Escapei da janela a tempo, queria-me sozinha com meu vestido, o tecido a roçar-me a pele. Quis deitar-me na cama, no quarto, sentir todo o prazer do mundo. Arrepio, frisson, languidez. Após meia-hora, levantei-me e fui à cozinha. Fiz café. Bebi, esbelta, feliz, ainda vestida e nua, toda a beleza do mundo.

quarta-feira, maio 18, 2022

Acabar bem

Esse negócio de andar nua por aí ainda não vai acabar bem. Outro dia um ex-namorado me telefonou. Todos os ex me adoram, não sei bem o motivo, mas não me largam o pé (as pernas, coxas e tudo mais). Convidou-me a visitá-lo, no Rio. Tenho tantos convites, respondi, o dia que for ao Rio vou ter de fazer um tour. Ele riu. Isso mesmo um tour pelos apartamentos de admiradores e de ex-namorados. Pois faça, acrescentou, melhor pra você. Imagino-me saindo cedo da minha cidade, três horas de viagem. Durante o caminho vou pensando quem será o primeiro. O da Tijuca, o do Meyer, o do Engenho de Dentro, o rapaz de Botafogo ou o de meia idade que mora em Copacabana? Melhor talvez ficar dois ou três dias na cidade. Quantas roupas provocantes terei de levar? Um deles adora roubar minhas calcinhas. Tenho de deixar este por último, caso contrário chego nua na casa dos outros! Os homens adoram tirar minha calcinha. Eu, de vestidinho e por baixo... nada! O que o admirador vai pensar de mim? Vamos lá, máxima discrição, vou combinar com eles, e é lógico que nenhum vai saber do outro; aliás, o que vou deixar por último pode saber, ele não se incomoda. Telefono dois dias antes e digo que vou ao Rio, que não tenho muito tempo, tenho de rever uma parenta. Minha desculpa, coitada da minha parenta, ela existe mesmo mas vai ficar a ver navios. Marco dez horas da manhã o primeiro; o segundo, treze horas; dezesseis o terceiro. Terei forças para o quarto? Acho que vale a pena marcá-lo para as 19h00. Volto a minha cidade no último ônibus, ou, quem sabe, durmo com o ele, o tal que adora me deixar em pele por baixo do vestido. Retorno no dia seguinte, pela manhã. Como escrevi lá em cima: “esse negócio de andar nua” por aí lembra este namorado, o tal que gosta de me ver nua o tempo todo. Uma vez, num desses encontros sem compromisso, eu disse minha calcinha custou sessenta reais, pode me pagar. Ele, de pronto, deixou o dinheiro sobre a mesinha de cabeceira. Ainda quando namorava com ele na minha cidade vivi um episódio muito engraçado. Quero dizer, engraçado contando agora. Saímos à noite, lá pelas vinte e duas horas, passeamos, fomos a um restaurante, bebemos e comemos. Na volta, como sempre, pediu para eu tirar toda a roupa, no banco do carona. Aceitei. Sempre aceitava suas loucuras (como gostava!). Me despi e coloquei as peças de roupa no banco de trás. Ele ainda dirigiu pela orla, perguntava como eu me sentia estando nua ao seu lado, ou se eu desejava que ele parasse para eu descer e caminhar um pouquinho sobre o passeio. É lógico que estava sentido intenso arrepio, mas nada falei, apenas sorri e lhe beijei. Quanto a saltar, por favor, estou morrendo de vontade de trepar. Conduziu, então, até a minha casa. Naquele tempo ele ficava comigo nos dias em que trabalhava na cidade. Mas ao chegarmos, ele disse você vai ter uma surpresa!, pegou minhas roupas e correu com elas para dentro da casa. É preciso dizer que o imóvel era dividido em quatro apartamentos, eu morava no mais alto, dois lances de escada. Eram duas da manhã, a rua estava silenciosa e, dentro do prédio, todos pareciam dormir. O que faço agora?, falei sozinha, apavorada, depois que ele entrou e a porta bateu. Não posso ficar nua, dentro do carro, não demora amanhece, vai logo ter alguém me olhando através do vidro, vai juntar gente. De repente tomei coragem, abri a porta, reparei que minha bolsa estava no banco de trás. Engraçado, eu tinha apenas a bolsa e a sandália. Corri, enfiei minha chave e abri o portão, avancei sobre a escada e subi os dois lances. Lá em cima, bati à porta com o nó dos dedos. Abra, por favor, não tenho a chave daqui. Ele demorou dois ou três minutos, que me pareceram uma eternidade. Ao entrar, me abraçou, me carregou pra cama, nem deixou que eu reclamasse. O peru do homem estava duríssimo, nunca vi um igual. Que trepada! Mas voltando ao meu tour pelo Rio, deixo este por último. Caso ele me largue nua, de castigo, já terei dado pra todos os outros! Acho que volto sempre pra ele por causa disso, esse negócio de andar nua por aí ainda não vai acabar bem. Mas como sinto tesão.

quarta-feira, maio 11, 2022

Quem seria a tal Eliete?

Posso me sentar nessa poltrona? Adoro ficar nua, e me acomodar numa poltrona desse tipo deve ser a maior sensação. Que bom, obrigada, mas me deixe vestir a calcinha, porque do jeito que estou, o estofo vai ficar marcado. Você sabe que na minha casa quase não dá para eu estar nua, as janelas dos vizinhos são muito próximas, quando é bem tarde e tudo vai muito escuro, então arrisco. Você não quer que eu vista a calcinha? Pegue então um forro para a poltrona. Ah, está bom, serve o papel toalha. Você gosta de me ouvir, não é mesmo? Então, tiro toda a roupa de madrugada, nenhuma luz nas outras janelas. Aqui é distante, posso desfilar nua o dia inteiro. Tive um namorado que não me deixava entrar na casa dele vestida, acredita? Logo que eu pisava depois da porta, me entregava um cabide onde eu devia pendurar ali toda a roupa, a calcinha eu entregava nas mãos dele. O homem levava tudo lá pra dentro, nem sei onde guardava. Certa vez, cheguei vestindo uma camiseta comprida, sem nada por baixo, deixei o homem louco. Na hora de embora, ele não queria me devolver a tal camiseta. O homem era tarado. Eu sentava nua e ele gostava de contar histórias de sacanagem no meu ouvido. Em todas eu era a protagonista, e ia sempre nua.  Você quer saber por que a gente terminou, um namoro assim tão estimulante? Ah, não sei se conto, tenho vergonha. Você me dá o que de presente, se eu narrar tudo? Jura? Vou pensar, espere um pouco. Não gosto de ficar falando coisas como essas, porque depois, há homens que querem fazer o mesmo com a gente. São situações perigosas. Mas conto sim, você é atencioso e adora me dar presentes. Tenho uma amiga que passou mal pedaço. Ela acabou saindo nua ao lado do namorado, e se deu mal, posso dizer o nome dela porque você não a conhece e dificilmente vai conhecê-la, se chama Eliete. O namorado morava numa casa onde havia a garagem ao lado, ela corria nua do corpo da casa para o carro e eles saíam, até que... Ele deixou a mulher nua, na estrada, acredita, disse que voltava em dez minutos, que ela esperasse abaixadinha. Ele não voltou. Ela afirmava e reafirmava que já tinham praticado a brincadeira várias vezes, ele sempre voltava. Mas há uma vez em que as coisas não dão certo, eu acabei dizendo a ela. Como ela fez pra voltar nua pra casa? Nem conto, foi um problemão. Vamos continuar com nosso jogo aqui, estou adorando a poltrona, agora diz alguma coisa. Ah, você gosta também de contar histórias? Que ótimo, estou ouvindo. Você quer mostrar algo surpreendente, já sei o que é, você deve estar muito excitado, mas antes quer saber sobre as janelas próximas à minha, se um dia alguém me surpreendeu nua! Olhe que conto, você não vai gostar. Quer ouvir mesmo? Sim, e foi alguém muito bonito, um homão que me vinha paquerando, eu já tinha notado. Acabei deixando o espião entrar!, e disse a ele fui eu quem te descobriu, se você conta pra alguém, conto de você. Ele trepou comigo naquela noite, depois foi embora e não mais voltou, achei melhor assim. Agora mostra o que prometeu. Não acredito. Um biquíni! Não vai me pedir para vestir. Sei, você vai narrar a história da minúscula peça, deixe eu segurar enquanto você conta, é pequena, a mulher devia ser mignon.

Acho que vou fugir do seu apartamento, quem sabe nua mesmo, depois dessa história, você deve ser parente do homem que deixou minha amiga nua na estrada, se não for o mesmo. Coitada da mulher, ela não procurou você depois? Também pudera, que situação. 

Agora venha, vamos parar um pouco as histórias porque, se continuar, saio correndo porta afora. Me abrace, quero ficar de pé primeiro, encostadinha na parede, ela está fria fria, e eu cheia de tesão. No final, você devolve minha roupa, viu, não vou embora nua, não. Agora vem, estou quentinha. O quê? Não contei a história do namoro estimulante que acabou de repente? Você me prometeu dar um presente caso eu conte o final?  Contei, sim, você não entendeu. Quem seria a tal Eliete?

quarta-feira, maio 04, 2022

Esporte

Vinha correndo, em treinamento, pela Vieira Souto, em Ipanema. Era manhãzinha de sábado, algumas pessoas chegavam à praia. O sol ameno me ajudava no treino. Ao cruzar o Posto Nove, lembrei-me de um homem com quem certa vez marquei um encontro naquele lugar. Mas não apareci, e ele era tão bonito. Não lembro onde o conheci, mas o encontro que falhei não me saiu da cabeça. Alguma das amigas da época deve ter me apresentado o homem. Costumávamos sair à noite, frequentar bares e boates, não faltavam namorados. Fazia mais de dez anos, como o tempo passa rápido. Eu, correndo, será que participo pelo menos da meia maratona? Apenas imaginação, não treino para competições. Mas ao passar pelo Posto Nove, um rapaz sorriu para mim, olhou-me dos pés à cabeça, tenho certeza de que me imaginou nua, totalmente livre da roupa de jogging. Eu correndo, suando, querendo me superar, correr melhor do que nos dias anteriores, do que na semana passada. Quando se pratica algum esporte e se percebe melhor desempenho, o prazer substitui o cansaço, o esforço, a gente não tem vontade de parar. O rapaz ficou para trás. Quem sabe corre também e vem a me seguir. Cheguei a dar uma olhada, depois de duzentos ou trezentos metros. Ninguém. Amélia, uma amiga, adora namorar, acaba não vindo para a corrida por causa dos homens, das noites em branco, pendurada no pescoço deles. Diz que o prazer está em ambas as práticas, a corrida e o amor. Amélia, não é possível passar a noite namorando, mesmo que eles sejam muito gostosos, acordar cedo e vir correr, não há quem aguente. Ah, às vezes dá, sim, ela diz. Eu não consigo, tenho de confessar. Faz tempo que adoro fazer ginástica, correr na praia, ter o corpo em forma, acabo deixando os namorados em segundo plano. Por isso, às vezes, desaparecem, vão nos braços de outra. E eu fico na fixação do meu próprio corpo, namorando a mim mesma, suada, exaurida, mas ainda num último esforço para me superar. Já deixei um namorado dormindo e saí escondida para correr. Não voltei ao apartamento dele naquela manhã, preferi seguir depois para casa. Esqueci alguns pertences, mas ele guardou para mim. Por que não me chamou?, eu iria com você. O namorado saberia meu segredo, o prazer que a corrida me proporciona. Não quis que descobrisse. Vamos namorar à tarde, disse eu certa vez a outro. Ele pensou que eu era casada, era a única hora possível. Depois descobriu, eu era casada, sim, mas com o esporte. Quis me ver correndo, suando, a pele brilhosa, me abraçar quando a água escapava pelos meus poros. Só quando eu parar, amor, caso eu te abrace agora, perco o ritmo. Corri tanto que ele ficou para trás. Não foi possível o abraço. Você corre nua, querida?, perguntou certa vez. Engraçadinho, respondi. Corre nua na esteira, por favor, pediu, choroso. Esses homens e suas taras. Você deixa que, pelo menos, eu prenda os seios com um top? Houve um dia em que ele escondeu minha roupa de corredora, a lycra de jogging. Mas eu tinha uma saia curtinha, branca, o biquininho. Não perdi a manhã.