Eu ainda estava na escola, sozinha na sala de aula, corrigia algumas provas quando meu amigo, o professor de filosofia, entrou. Você sabe onde é a rua das Marrecas?, perguntei. Ele explicou. Preciso ir ao tal endereço para acertar um contrato de plano de saúde. Havia tempo procurava atendimento, o plano anterior não dava conta da minha situação e a da minha mãe, pessoa idosa. Ele me ouviu, logo depois se ofereceu para me acompanhar. Fica no centro, completou. Essa rua é um puteiro, eu disse e ri. Isso foi no passado, ele de certa forma confirmou, agora os puteiros acabaram, já não se veem mulheres fazendo ponto na calçada, a característica do local mudou. Senti-me atrasada no tempo, acho que já passara vinte anos desde que os puteiros encerraram suas atividades na rua das Marrecas. Será que eu tinha alguma afinidade com puteiros?, cheguei a me perguntar. Sou pessoa sóbria, dedicada às aulas de inglês. Enquanto caminhávamos até a sala dos professores, reparei que a maioria dos alunos e dos outros funcionários já havia deixado a escola, passava do meio-dia. Guardamos os diários de classe e descemos a escada que dava para o salão de entrada. Pedi licença, que esperasse um ou dois minutos. Não disse aonde iria, mas estava na cara que era ao toalete.
Já na rua, optamos pelo ônibus, na calçada à direita, distante a uma caminhada de cerca de cem metros. Não demoramos a embarcar, sentei-me num banco de corredor, o outro lugar estava ocupado por um homem de seus sessenta anos. Meu amigo ficou em pé, ao meu lado. Ora trocávamos duas palavras sobre o tempo, sobre a paisagem, sobre uma construção local, ora nada dizíamos.
Saltamos no Passeio, atravessamos a rua e caminhamos à rua das Marrecas. Encontramos o prédio, entramos. Subimos três andares, uma recepcionista indicou onde eu deveria entrar. Ele ficou esperando numa espécie de antessala. Não demorei a voltar. Tudo correra bem, me deram um formulário e um contrato, o que mais precisava eu já enviara com antecedência. A partir daquele momento, eu e minha mãe já tínhamos um seguro saúde.
Descemos, voltamos à rua. Eu me perguntava o que faríamos a partir daquele momento. Na verdade, tinha de voltar para casa, mas temia ter de anunciar tal propósito. As oportunidades de sairmos juntos eram poucas e meu amigo demonstrava muito prazer por eu estar ao seu lado. Andamos na direção da Rio Branco, pela Evaristo da Veiga. O ambiente aqui na cidade está agradável, vamos até a Confeitaria Colombo, sugeriu. Hum, apenas deixei escapar minha admiração. Ele me olhou na esperança de que eu aceitasse o convite. Nada falei, apenas segurei sua mão direita, e passamos a caminhar, como dois recentes namorados.
Ao atravessarmos o largo da Carioca, olhei ao Mosteiro. Sabe que já fiz promessa a Santo Antônio, cheguei a dizer. Apertei sua mão. E olha que o dia dele está próximo, ele falou. A rua Senador Dantas tinha um hotel, um dia um namorado de ocasião me conduziu para lá sem que eu desse conta para onde íamos. Não sei dizer por que me veio à mente esse acontecimento. Logo adiante, porém, avistamos a confeitaria. Um salão todo espelhado estava repleto de gente alegre; uma mesa lateral nos aguardava; um garçom um pouco gordinho veio nos apresentar os cardápios. A Colombo era um bom lugar para um começo de namoro.