Eu já imaginava que aquele convite me deixaria numa situação
delicada. Era uma terça de janeiro, o telefone tocou; antes de atender, o nome
dele já aparecia na tela.
Oi, como vai, tudo bem?, você está aí na Serra?, a voz dele,
incisiva, parecia dizer que me desejava encontrar.
Estou, sim, respondi, sei que meu tom de voz revelou algum interesse, como se eu dissesse você vem encontrar comigo?
Vou a M. hoje, gostaria de ver você.
Suspirei. Minha vida estava parada, eu enfurnada em casa em
pleno verão...
Você vem a M. mesmo?, quis me certificar.
Vou. E quero encontrar você.
Tudo bem, respondi, vou descer, que hora você chega?
Lá pelas onze.
Depois que desligou, abri o armário e escolhi uma roupa
que combinava com o verão. Não sou muito de short, nem de bermuda, preferi uma
blusa de malha e uma minissaia. Mas nada extravagante. É preciso dizer que ele,
o homem do telefonema, já fora meu namorado, ou mesmo bem mais do que isso. Mas
depois de sua partida da cidade, o relacionamento esfriou. Foi quando arranjei
o meu atual companheiro. O homem mora comigo, mas deu para ser locutor de uma
rádio comunitária, onde permanece bem mais do que em casa. E o pior é que nada
ganha, tudo nas minhas costas, salário de professora.
Desci para M. no ônibus de dez e vinte. Fui apreciando a
paisagem. O lugar não era feio, mas as pessoas não sabem dar o devido valor ao
que possuem. O ar estava fresco. Quando o ônibus acabou de descer a serra e
atravessou a rodovia, era possível sentir a brisa que vinha do mar. Sobreveio-me um arrepio. Quem sabe meu antigo namorado vai
querer ir à praia, e eu nem trouxe o biquíni.
Às onze e dez cheguei ao local combinado. Não era na rua
principal da cidade, mas na rótula, próxima ao Cajueiro. Ele já me esperava.
Beijei-o e sorri ao entrar no carro. Correspondeu ao
beijo e ao sorriso. Deu a partida e seguiu na direção de Cavaleiros.
Não vamos a Cavaleiros, por favor, conheço muita gente, vai
dar o que falar, sugeri.
Era o preço de viver em lugar pequeno. Sempre uma fofoca.
Sempre a saberem quem está traindo quem. E meu objetivo nem era trair. Estava gostando
daquele convite inesperado.
Ele tomou a estrada e seguimos na direção de Rio das Ostras.
No meio do caminho, falou:
Sei que você tem parentes em Rio das Ostras, por isso estou pensando em outro lugar, vamos ficar bem protegidos.
Acho que não há problema se alguém nos vir juntos, somos
amigos, sorri no final.
No meio do caminho, aconteceu o que eu não esperava. Fez
o retorno e entrou num hotel. Desses à beira da estrada.
Poxa, não sabia que você iria me levar para um lugar assim,
cheguei a me queixar.
Não vou fazer nada contra a sua vontade, ok? Quero apenas
ficar com você, e um pouco de tranquilidade.
O hotel era daqueles antigos, onde se dirige até à varanda
do apartamento. Saímos do carro e entramos. Algo me surpreendeu. Bem ao lado do
quarto havia uma piscina, e para o tamanho do local era enorme.
Está calor, não?, sorriu.
Sentamos e conversamos amenidades. Pediu um serviço de
quarto. Para ele uma cerveja, para mim um suco com espumante. Lembrou a tal
bebida que sempre apreciei. Num determinado momento, tirou a camisa, viera de
bermuda.
Você não repara, vou entrar na piscina, está calor, só que
não trouxe roupa de banho, sorriu ao terminar a frase.
Foi a banheiro, tirou a roupa e voltou enrolado na toalha.
Depois, à beira da piscina, ficou de costas para mim, soltou a toalha e entrou
n’água. O gesto dele me provocou um arrepio.
Você não quer entrar?, sugeriu.
Não sei, estou pensando.
Ele ficou dentro d’água, o copo à beira da piscina, ele com
a cabeça de fora.
Acho que vou entrar, falei a mim mesma, em pensamento.
Pedi licença, fui ao banheiro e voltei enrolada na outra
toalha. Fiz a mesma encenação dele, virei de costas, deixei a toalha ao lado e
entrei n’água, não sem fazer alguma agitação na superfície que estava tão
plácida. Continuamos a conversar como se tudo aquilo fosse a coisa mais normal
do mundo.
Aproximou-se de mim.
Por favor, não me toque, não quero praticar um
adultério.
Adultério?, repetiu. Achou a palavra muito engraçada.
Estou com você como amigo, não quero trair meu atual
companheiro, eu disse. Mas estava ardendo de desejo. O pior é que queria negar
que tinha tesão pelo homem bem ali à minha frente.
Tudo bem, não vou tocar você. Como já falei, não vou fazer
nada que você não queira.
Mas lá pelas tantas fui eu que toquei nas costas dele. Virou
para mim cheio de entusiasmo, mas adverti:
Não, não, foi apenas uma brincadeira, nada disso.
Vou apenas segurar na tua cintura, falou em tom de pedido.
Acabei deixando, ficamos os dois ali, um olhando para o
outro, como caras de bobo.
Você veio a M. apenas para me ver?, perguntei interessada.
Digamos que sim.
Então, ainda gosta de mim.
Sim.
E você tem interesse em transar comigo, mesmo eu já não
sendo aquelas coisas. Estou ficando velha.
Lembro você, corajosa, a circular nua ao meu lado, pela
cidade, nua na estrada, na praia. Sinto tesão nisso.
Então você gosta do passado, afirmei.
Também do presente, você está nua à minha frente e tem muito
charme. Acho que vou deixar você em casa, peladinha, como da outra vez.
Sorri.
Nada disso, onde moro há uma porção de gente.
Naquele tempo também havia.
Continuou com as mãos na minha cintura, aproximou-se, quase
roçando minha pele.
Acho legal você ter vindo, venha outras vezes, venho ver
você, disse dissimulada.
Então desfile pra mim, vai, sai da piscina e desfile.
Ah, tenho vergonha, ri.
Vergonha de quê? Só há nós dois aqui.
Espere, tenho de me preparar.
Afastei-me dele, apoiei na escadinha e saí da água, de
costas. Peguei a toalha e fiz um curto tomara que caia. Virei para ele e sorri.
Tocava uma música romântica na rádio. Comecei o desfile a passos curtos. No
ponto mais distante dele, deixei cair a toalha.
Quando acabei o desfile, corri para junto dele.
À tarde, deixou-me no ponto, o mesmo onde eu saltara pela
manhã. O dia ainda estava claro, fazia calor, mas fora eu que pedira para ir embora.
Voltava satisfeita com tudo que vivera, mas sempre quando está próxima a noite a
gente sente a consciência um pouco pesada. Realizar um desejo não é pecado, mas
muitas vezes nos deixa com a pulga atrás da orelha. Afinal, traem-se uns aos
outros não apenas com homens e mulheres, mas também com coisas, com trabalho, com
algum jogo, ou mesmo com um amigo em uma mesa de bar. O resultado daquilo tudo
era simples: as pessoas sempre estão se enganando, cada uma na verdade é a
primeira a colocar chifres em si próprio.
Abri a porta e entrei. Do quarto ouvia-se o correr do
riacho, bem aos fundos da casa. Tive vontade de ir até lá, de tirar de novo a
roupa e namorar as águas do rio, faria de conta que estava com aquele homem que
agora ia longe, em algum trecho da estrada. Lembrei-me, então de Gerson, homem que aparecera em Glicério nos tempos em que eu ainda não conhecera meu
atual companheiro. Gerson, na verdade, queria trepar comigo. Entardecia e eu tomava banho de rio, junto às
pedras, onde se forma uma pequena queda d’água. Como uma mulher surpreendida
nua por um homem pode fugir dele, tanto mais quando a nudez é motivada pelo
puro tesão?
O mesmo aconteceu àquela tarde. Como uma mulher nua dentro da piscina de um quarto de motel ia escapar do ex-namorado? Tanto mais depois que ele passou um creme sobre o meu corpo.