segunda-feira, dezembro 19, 2022

Lábios molhadinhos

Tenho um admirador com quem saio vez ou outra. Ele adora me beijar os lábios, diz que eles são molhadinhos, o maior frisson. Mas tenho um segredo, vou contar, não espalhem. Sou casada. Meu bairro é Copacabana, meu marido fica em casa, e eu domingo pela manhã dando beijos na boca de meu admirador. Ele é esperto, sempre convida para o café da manhã. Caminho até a orla ou até o local combinado, encontro com ele e vamos para uma das cafeterias do bairro. Caso meu marido me telefone, estou com a Milena, uma amiga parecidíssima comigo que muita gente pensa que é minha irmã gêmea -, ela adora tomar café. Meu amigo me diz escolhe o que você quiser. Outro dia me disse vamos tomar café da manhã no restaurante do Hotel Tal e Tal. Entrei e saí do hotel com o rabinho entre as pernas, morta de medo de que algum conhecido me reconhecesse, e ao lado de um homem que não é o meu marido! Na despedida, me segurou a cabeça com as duas mãos e beijou meus lábios, úmidos e deliciosos, como sempre diz.

Quando era solteira, tive um namorado que adorava a mesma coisa. Era um sarro. Eu não queria outra vida. Penso por que não ficamos juntos. Não sei. À época, eu saía com tanta gente, muitas festas, muitos homens. A fila anda, eu dizia. Até que parou. Parou no casamento. Será? Você, querido leitor, há de achar que não parou, que continua, e como.

Ah, minhas divagações. Agora, caminho pela Santa Clara, meu amigo ou admirador-amigo-namorado me aguarda. Enquanto desço a Rua, penso na Clara. Ela adora passear sem o marido. Clara, por que você casou, se sai com tanta gente? Márcia, fala sério, você acredita em monogamia? Mono o quê?, tenho vontade de perguntar, só de brincadeira. Não sei, Clara, monogamia é um problema... Então, o que tem a gente passear com amigos, admiradores, colegas etc. e tal? Diz adorar o marido, mas adora mais a vida que leva, portanto as duas ações lhe caem bem. Você apenas, passeia, não é, Clara? O que você acha, Márcia? Sorriu, extasiada. Não sei o que significou o sorriso. Eu não quis insistir no assunto. Certa vez a encontrei vestindo uma saída de praia de rendinha, o biquíni mínimo. Vou encontrar um amigo, disse, ele fica ali no 4, um amigão mesmo, me deu as costas e partiu, de bundinha de fora. Acho que me lembro de Clara, porque faço a mesma coisa que ela!

Ah, é aqui, o local combinado com meu admirador, uma nova cafeteria. Onde, ele? Acho que está atrasado? Envio mensagem. Outro dia foi a Alessandra, disse que ficou uma hora esperando pelo homem. Eu, esperar?, nem pensar, sumo no ato. Alessandra esperou, desculpou-o pelo atraso e depois disse que teve uma tarde maravilhosa. Meu admirador-amigo-namorado já chegou, olhe ele lá, numa mesa, bem no final da varanda. Será verdade o que vejo, está acompanhado? Quem é a mulher? Não é possível, não acredito, é a Milena! E tem os lábios todo molhadinho...

domingo, dezembro 11, 2022

Convite para terça-feira

Eu já imaginava que aquele convite me deixaria numa situação delicada. Era uma terça de janeiro, o telefone tocou; antes de atender, o nome dele já aparecia na tela.

Oi, como vai, tudo bem?, você está aí na Serra?, a voz dele, incisiva, parecia dizer que me desejava encontrar.

Estou, sim, respondi, sei que meu tom de voz revelou algum interesse, como se eu dissesse você vem encontrar comigo?

Vou a M. hoje, gostaria de ver você.

Suspirei. Minha vida estava parada, eu enfurnada em casa em pleno verão...

Você vem a M. mesmo?, quis me certificar.

Vou. E quero encontrar você.

Tudo bem, respondi, vou descer, que hora você chega?

Lá pelas onze.

Depois que desligou, abri o armário e escolhi uma roupa que combinava com o verão. Não sou muito de short, nem de bermuda, preferi uma blusa de malha e uma minissaia. Mas nada extravagante. É preciso dizer que ele, o homem do telefonema, já fora meu namorado, ou mesmo bem mais do que isso. Mas depois de sua partida da cidade, o relacionamento esfriou. Foi quando arranjei o meu atual companheiro. O homem mora comigo, mas deu para ser locutor de uma rádio comunitária, onde permanece bem mais do que em casa. E o pior é que nada ganha, tudo nas minhas costas, salário de professora.

Desci para M. no ônibus de dez e vinte. Fui apreciando a paisagem. O lugar não era feio, mas as pessoas não sabem dar o devido valor ao que possuem. O ar estava fresco. Quando o ônibus acabou de descer a serra e atravessou a rodovia, era possível sentir a brisa que vinha do mar. Sobreveio-me um arrepio. Quem sabe meu antigo namorado vai querer ir à praia, e eu nem trouxe o biquíni.

Às onze e dez cheguei ao local combinado. Não era na rua principal da cidade, mas na rótula, próxima ao Cajueiro. Ele já me esperava.

Beijei-o e sorri ao entrar no carro. Correspondeu ao beijo e ao sorriso. Deu a partida e seguiu na direção de Cavaleiros.

Não vamos a Cavaleiros, por favor, conheço muita gente, vai dar o que falar, sugeri.

Era o preço de viver em lugar pequeno. Sempre uma fofoca. Sempre a saberem quem está traindo quem. E meu objetivo nem era trair. Estava gostando daquele convite inesperado.

Ele tomou a estrada e seguimos na direção de Rio das Ostras.

No meio do caminho, falou:

Sei que você tem parentes em Rio das Ostras, por isso estou pensando em outro lugar, vamos ficar bem protegidos.

Acho que não há problema se alguém nos vir juntos, somos amigos, sorri no final.

No meio do caminho, aconteceu o que eu não esperava. Fez o retorno e entrou num hotel. Desses à beira da estrada.

Poxa, não sabia que você iria me levar para um lugar assim, cheguei a me queixar.

Não vou fazer nada contra a sua vontade, ok? Quero apenas ficar com você, e um pouco de tranquilidade.

O hotel era daqueles antigos, onde se dirige até à varanda do apartamento. Saímos do carro e entramos. Algo me surpreendeu. Bem ao lado do quarto havia uma piscina, e para o tamanho do local era enorme.

Está calor, não?, sorriu.

Sentamos e conversamos amenidades. Pediu um serviço de quarto. Para ele uma cerveja, para mim um suco com espumante. Lembrou a tal bebida que sempre apreciei. Num determinado momento, tirou a camisa, viera de bermuda.

Você não repara, vou entrar na piscina, está calor, só que não trouxe roupa de banho, sorriu ao terminar a frase.

Foi a banheiro, tirou a roupa e voltou enrolado na toalha. Depois, à beira da piscina, ficou de costas para mim, soltou a toalha e entrou n’água. O gesto dele me provocou um arrepio.

Você não quer entrar?, sugeriu.

Não sei, estou pensando.

Ele ficou dentro d’água, o copo à beira da piscina, ele com a cabeça de fora.

Acho que vou entrar, falei a mim mesma, em pensamento.

Pedi licença, fui ao banheiro e voltei enrolada na outra toalha. Fiz a mesma encenação dele, virei de costas, deixei a toalha ao lado e entrei n’água, não sem fazer alguma agitação na superfície que estava tão plácida. Continuamos a conversar como se tudo aquilo fosse a coisa mais normal do mundo.

Aproximou-se de mim.

Por favor, não me toque, não quero praticar um adultério.

Adultério?, repetiu. Achou a palavra muito engraçada.

Estou com você como amigo, não quero trair meu atual companheiro, eu disse. Mas estava ardendo de desejo. O pior é que queria negar que tinha tesão pelo homem bem ali à minha frente.

Tudo bem, não vou tocar você. Como já falei, não vou fazer nada que você não queira.

Mas lá pelas tantas fui eu que toquei nas costas dele. Virou para mim cheio de entusiasmo, mas adverti:

Não, não, foi apenas uma brincadeira, nada disso.

Vou apenas segurar na tua cintura, falou em tom de pedido.

Acabei deixando, ficamos os dois ali, um olhando para o outro, como caras de bobo.

Você veio a M. apenas para me ver?, perguntei interessada.

Digamos que sim.

Então, ainda gosta de mim.

Sim.

E você tem interesse em transar comigo, mesmo eu já não sendo aquelas coisas. Estou ficando velha.

Lembro você, corajosa, a circular nua ao meu lado, pela cidade, nua na estrada, na praia. Sinto tesão nisso.

Então você gosta do passado, afirmei.

Também do presente, você está nua à minha frente e tem muito charme. Acho que vou deixar você em casa, peladinha, como da outra vez.

Sorri.

Nada disso, onde moro há uma porção de gente.

Naquele tempo também havia.

Continuou com as mãos na minha cintura, aproximou-se, quase roçando minha pele.

Acho legal você ter vindo, venha outras vezes, venho ver você, disse dissimulada.

Então desfile pra mim, vai, sai da piscina e desfile.

Ah, tenho vergonha, ri.

Vergonha de quê? Só há nós dois aqui.

Espere, tenho de me preparar.

Afastei-me dele, apoiei na escadinha e saí da água, de costas. Peguei a toalha e fiz um curto tomara que caia. Virei para ele e sorri. Tocava uma música romântica na rádio. Comecei o desfile a passos curtos. No ponto mais distante dele, deixei cair a toalha.

Quando acabei o desfile, corri para junto dele.

À tarde, deixou-me no ponto, o mesmo onde eu saltara pela manhã. O dia ainda estava claro, fazia calor, mas fora eu que pedira para ir embora. Voltava satisfeita com tudo que vivera, mas sempre quando está próxima a noite a gente sente a consciência um pouco pesada. Realizar um desejo não é pecado, mas muitas vezes nos deixa com a pulga atrás da orelha. Afinal, traem-se uns aos outros não apenas com homens e mulheres, mas também com coisas, com trabalho, com algum jogo, ou mesmo com um amigo em uma mesa de bar. O resultado daquilo tudo era simples: as pessoas sempre estão se enganando, cada uma na verdade é a primeira a colocar chifres em si próprio.

Abri a porta e entrei. Do quarto ouvia-se o correr do riacho, bem aos fundos da casa. Tive vontade de ir até lá, de tirar de novo a roupa e namorar as águas do rio, faria de conta que estava com aquele homem que agora ia longe, em algum trecho da estrada. Lembrei-me, então de Gerson, homem que aparecera em Glicério nos tempos em que eu ainda não conhecera meu atual companheiro. Gerson, na verdade, queria trepar comigo.  Entardecia e eu tomava banho de rio, junto às pedras, onde se forma uma pequena queda d’água. Como uma mulher surpreendida nua por um homem pode fugir dele, tanto mais quando a nudez é motivada pelo puro tesão?

O mesmo aconteceu àquela tarde. Como uma mulher nua dentro da piscina de um quarto de motel ia escapar do ex-namorado? Tanto mais depois que ele passou um creme sobre o meu corpo.

domingo, dezembro 04, 2022

Paixão, desejo e consciência

Certa vez conheci um homem na antessala de um teatro. Como ele estava sozinho e eu também, não foi difícil iniciarmos um diálogo. Falamos, de início, da peça que estávamos prestes a assistir; depois, sobre teatro em geral. Quando entramos na sala, fomos procurar nossos acentos.

Após o término do espetáculo, reencontramo-nos. Eu estava doidinha para que isso acontecesse. Ele também tinha o mesmo sentimento. A peça fora tão interessante, que não nos faltaria assunto. Dali, ainda ficamos um pouco pelos arredores. Fomos a um bar, onde tomou uma taça de vinho e eu um suco. Como era dia de semana, não demoramos a nos despedir, deixando um com o outro o número dos nossos telefones.

Passaram-se alguns dias e marcamos um encontro. Encontramo-nos em torno de 19 horas. Assistimos a uma sessão de cinema. O filme era interessante, uma produção polonesa onde um homem visitava pessoas ricas para lhes tratar a alma e o corpo. Não era médico nem religioso, mas alguém que trabalhava com as mãos e com as ideias. A questão do clima também era abordada, já que, no local, nevava bem menos do que outrora. Após a sessão, pegamos um táxi e fomos a um restaurante, no Leme, local conhecido por reunir, já tarde da noite, muitos artistas.

Ainda nada disse sobre ele, chamava-se Léo e, desde o início, demonstrou ser pessoa extremamente delicada, sempre dando muita importância a tudo que eu falava. Passei mesmo a tomar cuidado com minhas opiniões, já que o homem as escutava com atenção.

Sempre quando conheço alguém, fico na defensiva. Não posso me revelar de primeira, pode ser algo perigoso, principalmente porque o conheci num lugar público. Quando alguém me apresenta um amigo ou colega de trabalho, é outra coisa, mas em relação a alguém que surge quase ao acaso, sinto certa preocupação. Fiquei mais tranquila quando me disse que trabalhava na Petrobras, chegou mesmo a mostrar sua identificação.

Jantamos na tal cantina. Comi um prato de massa e tomei também uma taça de vinho, o que me deixou bem mais à vontade. Ele queria que pedíssemos uma garrafa. Não, por favor, só aguento uma taça, afirmei.

Depois que terminamos, perguntou se eu queria fazer mais alguma coisa. Quando alguém recém-conhecido faz tal pergunta, é porque quer me levar ao seu apartamento. Não sei se acontece o mesmo com minhas amigas, porque pouco converso sobre isso quando estamos juntas, mas meu coração acelera mais do que o normal quando vou pela primeira vez ao apartamento do namorado. Não sei se é fruto de algum temor, ou se se trata da perspectiva dos possíveis momentos de prazer que vem pela frente.

O apartamento de Léo era muito bonito. Numa rua de Botafogo, de frente. Da janela da sala, dava para apreciar a copa das árvores; ao longe, outros prédios e algum comércio. Do lado de dentro, não havia muita coisa: um pequeno sofá, uma mesa com duas cadeiras, estante com poucos livros e um abajur num dos cantos da sala, próximo à janela. Lembrei-me de uma amiga que tinha a chave do apartamento do namorado. Adorava ir para lá na parte da tarde. Dizia que descansava em silêncio, adorava a luz do dia que vinha de fora; para completar, tirava toda a roupa.

Ele foi à cozinha e voltou com uma garrafa de vinho, abriu-a e derramou um pouquinho nas taças. Por favor, alertei, para mim apenas um dedinho, quero sentir o sabor. Obedeceu, brindamos e bebemos. A seguir, ligou o som, que tipo de música você gosta?, quis ele saber. Perguntei se tinha música instrumental, como jazz. Sim, é o que mais tenho, sorriu. O ambiente, então, se tornou mais relaxado, bebemos o vinho, ouvimos a música e namoramos.

Quando começo a sair com alguém, sinto vergonha de trepar na primeira vez. Quis dizer isso a ele, e esperei pelo momento certo. Depois de uma hora ou hora e meia, quando fomos para o quarto, sussurrei no seu ouvido você fica aborrecido se a gente não transar hoje? Tudo  bem, mas por que esta preocupação?, quis saber. É porque a primeira vez é difícil pra mim, ri depois destas últimas palavras. Ele pareceu compreender. Fiquei deitada na cama, ao lado dele, depois agarrada a ele, de calcinha e sutiã. Em determinado momento, dormi. Não sei se por causa da bebida ou pelo cansaço, mas isso não era importante naquele momento. Ele mantinha os olhos fechado, mas acariciava o meu ventre.

Quando acordei pela manhã, ele não estava no quarto, senti cheiro de café, que vinha da cozinha. Só então reparei que estava nua! Teria ele tirado minha roupa enquanto eu dormia? Não sei, jamais saberia. Posso dizer que, a partir daquele momento, eu pude trepar com ele com desejo, paixão e consciência.