domingo, dezembro 11, 2022

Convite para terça-feira

Eu já imaginava que aquele convite me deixaria numa situação delicada. Era uma terça de janeiro, o telefone tocou; antes de atender, o nome dele já aparecia na tela.

Oi, como vai, tudo bem?, você está aí na Serra?, a voz dele, incisiva, parecia dizer que me desejava encontrar.

Estou, sim, respondi, sei que meu tom de voz revelou algum interesse, como se eu dissesse você vem encontrar comigo?

Vou a M. hoje, gostaria de ver você.

Suspirei. Minha vida estava parada, eu enfurnada em casa em pleno verão...

Você vem a M. mesmo?, quis me certificar.

Vou. E quero encontrar você.

Tudo bem, respondi, vou descer, que hora você chega?

Lá pelas onze.

Depois que desligou, abri o armário e escolhi uma roupa que combinava com o verão. Não sou muito de short, nem de bermuda, preferi uma blusa de malha e uma minissaia. Mas nada extravagante. É preciso dizer que ele, o homem do telefonema, já fora meu namorado, ou mesmo bem mais do que isso. Mas depois de sua partida da cidade, o relacionamento esfriou. Foi quando arranjei o meu atual companheiro. O homem mora comigo, mas deu para ser locutor de uma rádio comunitária, onde permanece bem mais do que em casa. E o pior é que nada ganha, tudo nas minhas costas, salário de professora.

Desci para M. no ônibus de dez e vinte. Fui apreciando a paisagem. O lugar não era feio, mas as pessoas não sabem dar o devido valor ao que possuem. O ar estava fresco. Quando o ônibus acabou de descer a serra e atravessou a rodovia, era possível sentir a brisa que vinha do mar. Sobreveio-me um arrepio. Quem sabe meu antigo namorado vai querer ir à praia, e eu nem trouxe o biquíni.

Às onze e dez cheguei ao local combinado. Não era na rua principal da cidade, mas na rótula, próxima ao Cajueiro. Ele já me esperava.

Beijei-o e sorri ao entrar no carro. Correspondeu ao beijo e ao sorriso. Deu a partida e seguiu na direção de Cavaleiros.

Não vamos a Cavaleiros, por favor, conheço muita gente, vai dar o que falar, sugeri.

Era o preço de viver em lugar pequeno. Sempre uma fofoca. Sempre a saberem quem está traindo quem. E meu objetivo nem era trair. Estava gostando daquele convite inesperado.

Ele tomou a estrada e seguimos na direção de Rio das Ostras.

No meio do caminho, falou:

Sei que você tem parentes em Rio das Ostras, por isso estou pensando em outro lugar, vamos ficar bem protegidos.

Acho que não há problema se alguém nos vir juntos, somos amigos, sorri no final.

No meio do caminho, aconteceu o que eu não esperava. Fez o retorno e entrou num hotel. Desses à beira da estrada.

Poxa, não sabia que você iria me levar para um lugar assim, cheguei a me queixar.

Não vou fazer nada contra a sua vontade, ok? Quero apenas ficar com você, e um pouco de tranquilidade.

O hotel era daqueles antigos, onde se dirige até à varanda do apartamento. Saímos do carro e entramos. Algo me surpreendeu. Bem ao lado do quarto havia uma piscina, e para o tamanho do local era enorme.

Está calor, não?, sorriu.

Sentamos e conversamos amenidades. Pediu um serviço de quarto. Para ele uma cerveja, para mim um suco com espumante. Lembrou a tal bebida que sempre apreciei. Num determinado momento, tirou a camisa, viera de bermuda.

Você não repara, vou entrar na piscina, está calor, só que não trouxe roupa de banho, sorriu ao terminar a frase.

Foi a banheiro, tirou a roupa e voltou enrolado na toalha. Depois, à beira da piscina, ficou de costas para mim, soltou a toalha e entrou n’água. O gesto dele me provocou um arrepio.

Você não quer entrar?, sugeriu.

Não sei, estou pensando.

Ele ficou dentro d’água, o copo à beira da piscina, ele com a cabeça de fora.

Acho que vou entrar, falei a mim mesma, em pensamento.

Pedi licença, fui ao banheiro e voltei enrolada na outra toalha. Fiz a mesma encenação dele, virei de costas, deixei a toalha ao lado e entrei n’água, não sem fazer alguma agitação na superfície que estava tão plácida. Continuamos a conversar como se tudo aquilo fosse a coisa mais normal do mundo.

Aproximou-se de mim.

Por favor, não me toque, não quero praticar um adultério.

Adultério?, repetiu. Achou a palavra muito engraçada.

Estou com você como amigo, não quero trair meu atual companheiro, eu disse. Mas estava ardendo de desejo. O pior é que queria negar que tinha tesão pelo homem bem ali à minha frente.

Tudo bem, não vou tocar você. Como já falei, não vou fazer nada que você não queira.

Mas lá pelas tantas fui eu que toquei nas costas dele. Virou para mim cheio de entusiasmo, mas adverti:

Não, não, foi apenas uma brincadeira, nada disso.

Vou apenas segurar na tua cintura, falou em tom de pedido.

Acabei deixando, ficamos os dois ali, um olhando para o outro, como caras de bobo.

Você veio a M. apenas para me ver?, perguntei interessada.

Digamos que sim.

Então, ainda gosta de mim.

Sim.

E você tem interesse em transar comigo, mesmo eu já não sendo aquelas coisas. Estou ficando velha.

Lembro você, corajosa, a circular nua ao meu lado, pela cidade, nua na estrada, na praia. Sinto tesão nisso.

Então você gosta do passado, afirmei.

Também do presente, você está nua à minha frente e tem muito charme. Acho que vou deixar você em casa, peladinha, como da outra vez.

Sorri.

Nada disso, onde moro há uma porção de gente.

Naquele tempo também havia.

Continuou com as mãos na minha cintura, aproximou-se, quase roçando minha pele.

Acho legal você ter vindo, venha outras vezes, venho ver você, disse dissimulada.

Então desfile pra mim, vai, sai da piscina e desfile.

Ah, tenho vergonha, ri.

Vergonha de quê? Só há nós dois aqui.

Espere, tenho de me preparar.

Afastei-me dele, apoiei na escadinha e saí da água, de costas. Peguei a toalha e fiz um curto tomara que caia. Virei para ele e sorri. Tocava uma música romântica na rádio. Comecei o desfile a passos curtos. No ponto mais distante dele, deixei cair a toalha.

Quando acabei o desfile, corri para junto dele.

À tarde, deixou-me no ponto, o mesmo onde eu saltara pela manhã. O dia ainda estava claro, fazia calor, mas fora eu que pedira para ir embora. Voltava satisfeita com tudo que vivera, mas sempre quando está próxima a noite a gente sente a consciência um pouco pesada. Realizar um desejo não é pecado, mas muitas vezes nos deixa com a pulga atrás da orelha. Afinal, traem-se uns aos outros não apenas com homens e mulheres, mas também com coisas, com trabalho, com algum jogo, ou mesmo com um amigo em uma mesa de bar. O resultado daquilo tudo era simples: as pessoas sempre estão se enganando, cada uma na verdade é a primeira a colocar chifres em si próprio.

Abri a porta e entrei. Do quarto ouvia-se o correr do riacho, bem aos fundos da casa. Tive vontade de ir até lá, de tirar de novo a roupa e namorar as águas do rio, faria de conta que estava com aquele homem que agora ia longe, em algum trecho da estrada. Lembrei-me, então de Gerson, homem que aparecera em Glicério nos tempos em que eu ainda não conhecera meu atual companheiro. Gerson, na verdade, queria trepar comigo.  Entardecia e eu tomava banho de rio, junto às pedras, onde se forma uma pequena queda d’água. Como uma mulher surpreendida nua por um homem pode fugir dele, tanto mais quando a nudez é motivada pelo puro tesão?

O mesmo aconteceu àquela tarde. Como uma mulher nua dentro da piscina de um quarto de motel ia escapar do ex-namorado? Tanto mais depois que ele passou um creme sobre o meu corpo.

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