“Quando, cerrando os olhos, numa noite ardente,
Respiro a fundo o odor dos teus seio fogosos,
Percebo abrir-se ao longe litorais radiosos
Tingidos por um sol monótono e dolente.”
“Oh, é Baudelaire!”
“Conhece-o?”
“Como, não?”
“Não tinha ideia de que ao sair de uma boate, às 4:30, ainda a bruma nos cobrir, a mulher com quem dancei boa parte da noite conhecesse o poeta francês.”
“Tens idéias desrespeitosas sobre as mulheres daqui.”
“Oh, perdão! Não foi essa minha intenção.”
“Estás perdoado.”
“Acompanha-me?”
“Não, deixo a uma próxima vez?”
“Haverá próxima?”
“Oh, claro. O mundo não é tão extenso e a noite a todos abarca.”
“Queria vê-la nua, em meu quarto de hotel.”
“Permite a mim, em primeiro lugar, sonhar; depois, talvez vá.”
“Oh, o sonho, acho que você tem razão.”
“O sonho deve vir primeiro; não deixemos que a realidade se lance sobre nossos rastros.”
“Mas você está tão bela; o vestido pouco, a seda transparente...”
“Logo vem o sol; não quero que o astro loiro me desnude e me exponha a desconhecidos.”
“Mas tenho como cobri-la, possuo tecidos sóbrios e prateados. Basta escolhê-los.”
“Prefiro o tempo exíguo que me resta e correr a casa. Tal expectativa também me excita.”
“Teme a luz?”
“Não propriamente a luz; também sou ser diurno; às vezes cora-me a súbita nudez.”
“Deixe-me tocá-la, ainda.”
“Com a ponta dos dedos quentes e com a borda dos lábios úmidos... Oh, roubas-me o echarpe, deixas-me seminua!”
“Já percebi que você gosta da própria pele despida e lisa; ama o minuto em que se vê à beira do abismo.”
“Do abismo do amor e de mais um: o da possibilidade de ser surpreendida sem nada a cobrir-me o corpo!”
“Posso levá-lo como sinal de um encontro vindouro?”
“Oui. Mas me deixa só, tomo condução própria.”
“Mas vai nua, sem homem a escoltá-la?”
“Não preciso de batedor. Oferto-te o mimo. Resolvo-me. Os motoristas noturnos olham apenas as ruas e os faróis.”
“Beijo-a mais uma vez?”
“Beijo-te. Parto e suspiro. Assim, amar-te-ei além da conta.”
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