A Praça Saens Peña estava movimentadissima às cinco e meia da tarde. Logo que o semáforo ante à Major Ávila tornou-se verde, toda a fila de automóveis começou a buzinar. Mães seguravam a mão de seus filhos temendo que atravessassem antes da hora. Do outro lado, na calçada diante das Lojas Americanas e C&A, pedestres e camelôs misturavam-se. A banca de jornais era uma espécie de oásis; quem ali entrava para ver ou comprar uma revista usufruía minutos de alguma tranquilidade. Viam-se pelos arredores muitos estudantes que, em grupo, caminhavam barulhentos. Era hora da saída nas escolas que ficavam nos arredores. Uma menina loira de mais ou menos dezesseis anos destacava-se; os garotos disputavam para estar ao lado dela. A jovem sorria, como se não pudesse abraçar todos ao mesmo tempo. Quando alcancei a saída do metrô, junto à General Roca, senti alguém me puxar por um dos braços. Virei-me.
“Oi, Karina, quanto tempo, acho que faz uns dois anos, não? Voltei para o Brasil. E você sempre surpreendendo, com essa maquiagem parece até mais velha...”
Quis dizer que eu não era a Karina, mas a mãe dela, no entanto não tive tempo. Estávamos na calçada atrapalhando a passagem. Foi ele quem continuou a me segurar pelo braço e me arrastou para o canto, onde pudemos trocar algumas palavras. Quando tentei falar, surpreendeu-me com um beijo na boca; seus lábios estavam úmidos.
“Você continua linda.”
O sol por trás das montanhas da Tijuca mostrava seus últimos raios. Uma vez que estávamos no mês de julho, a noite não demoraria a nos cobrir. Quando resolvi falar, pronunciei apenas seu nome:
“Jeferson!”
Ele tacou-me mais um beijo, abraçou-me e nos pusemos a caminhar entre as tantas pessoas daquele final de tarde. Levou-me para uma cafeteria, na Desembargador Izidro.
“Podíamos ir ao Shopping, mas lá deve estar um inferno”, falou.
“Eu ia exatamente para lá...”
“Por que não falou? Vamos, então.”
“Depois, agora quero um cappuccino.”
“Ah, boa ideia, vou querer também um.”
Continuei sem coragem para dizer que eu não era a Karina. Deixei que ele tomasse a iniciativa da conversa. Em momento algum desconfiou de que contava suas confidências à pessoa errada. Falou sobre sua viagem, a bolsa de estudos, a estada numa universidade no interior dos Estados Unidos. Comentou sobre suas perspectivas dali em diante.
“Não vai voltar para a América?”
Olhou-me curioso e demorou a responder. Pensei que tivesse desconfiado e que descobrira minha verdadeira identidade. A palavra América soara mal. Os jovens geralmente dizem Estados Unidos.
“América?”, repetiu, “legal esse seu jeito de falar. Não sei se volto. Tenho alguns convites, mas acho que vou ficar por aqui. Também estão querendo que eu vá à Europa; aprendi alemão e na minha profissão sempre estão ávidos por alguém competente. Tenho um convite para Frankfurt, mas vou pensar um pouco. Agora estou de férias, quero me divertir."
Mais uma vez, sem que eu esperasse, beijou-me. Naquele momento, um beijo mais demorado; sua língua invadiu-me, disfarcei meu desespero. Mas no final gostei do seu gesto e do modo como beijava.
“Me traiu muito na América?”, perguntei serelepe.
“Trair você? Oh, jamais!”, sorriu e levou a xícara à boca. “O que você vai fazer hoje à noite?”
Minha pergunta sobre a possível traição deixara uma porta aberta.
“Vou ao Shopping, como já disse”, falei.
“Depois? Gostaria de saber.”
“Ah, ainda não sei; espero um telefonema...”
“Quer dizer que tem um namorado...”
“Não é bem um namorado, sabe como é, tanto tempo sem ver você, e nossas comunicações interrompidas; a gente aqui nessa cidade não consegue ficar só”, embarquei na fantasia e arquitetava para torná-lo curioso; também desejava despertar uma dose de ciúme.
A garçonete passou com uma bandeja cheia de xícaras e um bule com chocolate quente. Numa das pontas, quatro senhoras contrastavam com três jovens de cabelos castanhos que tomavam café com creme e gesticulavam animadamente.
“Fica comigo esta noite”, ouvi a voz de Jeferson e me voltei a ele.
“Calma, vamos devagar, quem sabe?”
Sorriu. Dessa vez, fui eu quem lhe beijei a boca. A porta não estava aberta, mas escancarada.
Fomos ao Shopping. Circulamos por dois pavimentos. Havia gente por todo o lado. Entrei numa loja, mas era difícil escolher alguma coisa com alguém ao meu lado. Sempre estou acostumada a fazer compras sozinha. Ele, porém, interveio, mostrou uma peça de roupa muito bonita, que eu mesma não reparara. Experimentei. Ficou ótima. Chamei-o para que visse em meu corpo.
“Ficou maravilhosa, acho que vou pedir para que desfile só para mim.”
“Quem sabe?”, sorri, voltei ao provador e tirei o vestido.
Andamos ainda a esmo; deparamo-nos com um bar, estilo italiano.
“Vamos tomar uma taça de vinho para comemorar. Caso tivéssemos marcado, talvez as coisas não acontecessem desse modo”, falou.
Continuei olhando para ele. Eu estava realmente feliz. Jamais me desnudaria daquela fantasia. Agora que mergulhara nela, iria até o fim. Por trás dele, no fundo do corredor, havia uma livraria. As luzes e a vitrina compondo o cenário arremessaram-me com maior ímpeto na fantasia.
“Vamos tomar o vinho?”, insistiu no convite.
“Vamos!”
Percebeu meu entusiasmo.
Bebemos a garrafa inteira. Saímos às dez do Shopping.
“Aonde vocês está me levando?”, brinquei.
“Vou fazer uma surpresa.”
Naquele momento, ele já tinha definitivamente me conquistado. Tentei disfarçar. Não queria dar mole, como dizem os jovens.
Levou-me para um apartamento muito grande. Percebi que havia outras pessoas em casa, mas não incomodaram. Trancamo-nos em seu quarto.
Meu coração estava aos saltos. Mas disse a mim mesma: ‘Maria Lúcia, ou melhor, Karina, você precisa se controlar!’
Tivemos uma noite ótima. Como temia ser desmascarada (já pensou, que vexame!), fiz que abaixasse a luz. Pedi para que colocasse uma música suave. Quis dançar nua para ele, mas achei que desconfiaria. Karina não era afeita a danças. Quando o abracei e permiti que escorregasse para dentro de mim, ligeiro tremor sacudiu meu corpo. No início, tentei-me conter, mas logo me soltei completamente. Sussurrei em seu ouvido coisas impagáveis. Pedi que me amarrasse, que rasgasse minhas roupas, que me arranhasse a pele, e tudo mais que pude imaginar naquele momento. Caso concretizasse minhas palavras, não sei o que seria de mim. Mas o que ele mais fez foi procurar cada vez com maior avidez meus lábios; beijou-me cheio de fogo. Ficamos agarrados durante boa parte da noite. Depois que gozei, morri de vergonha!
“Aprendeste muitas coisas na minha ausência”, disse, introduzindo-me a língua uma última vez. Dormimos.
Acordei sobressaltada e parti antes do amanhecer sem que ele percebesse. Temi ser surpreendida por um dos pais dele. Conheciam Karina e na certa não cometeriam o mesmo engano.
Morri de medo, naquele dia e nos seguintes, que ele aparecesse lá em casa.
“Vou à sua casa qualquer hora dessas”, ouvira sua voz em meio ao arfar do amor e gozo.
Semanas depois, Karina soube através de uma amiga que Jeferson estivera no Rio, permanecera durante três semanas e embarcara para a Alemanha.
Só então pude respirar aliviada.
Jamais o reencontrei. Nunca contei a ninguém sobre aquela noite de amor. Tampouco à Karina.
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