domingo, junho 05, 2011

Acho que estou esquecendo alguma coisa

Aceitei o convite para ir à casa de um ex-namorado. É sempre arriscado visitar alguém cujos braços já frequentamos. Mas fui. Arrumei-me de modo a destacar meu corpo. Uma blusa justa, que deixava um tantinho da barriga de fora, uma pequena jaqueta a proteger-me do sereno e de arrepios e a calça strech, de modo a ressaltar meu bumbum.

Ao chegar, reparei que ele tinha pensado em tudo. Uma mesa plena de iguarias e um bom vinho aguardavam-me. Fundo musical de piano expandia-se suave, envolvendo a sala num misto de beatitude e desejo. Será que ele desejava me conquistar de novo? Fora ele que me dera o fora...

Abriu a garrafa de vinho. Pediu para que eu o experimentasse. Gostei. Movi a cabeça saliente; sorri insinuante.

Permaneci sentada num pequeno divã, enquanto ele ficou frente a mim, numa cadeira bonita, dessas de madeira antiga. Conversamos. Lembramos velhos tempos, velhos amigos. Comemos e bebemos. O vinho acentuava nosso entusiasmo.

Em algum momento, tirei da bolsa a câmera. Que bom que todos temos hoje uma máquina de retratos!

“Quer fazer uma foto minha?”, perguntou.

“Sim; posso?”

“Tenha a bondade.”

Fiz a foto. Ele segurava a taça de vinho e sorria. Levantei-me e procurei outro ângulo. Fotografei-o mais uma vez. Observei as fotos na tela; ficaram lindas. Mostrei a ele. Guardei a câmera e conversamos mais um pouco.

Depois de algum tempo, falou:

“Vou mostrar uma coisa a você.”

Ligou o computador. Logo chegou a uma tela em que havia uma foto minha. E eu estava nua! Então lembrei que eu me deixara fotografar por ele. Havia outras fotos minhas. Mostrou-me todas.

“Você enrubesceu”, falou-me em voz baixa, quase um galanteio.

“Enrubesci?, não acredito.”

Meneou a cabeça, depois saiu da página em que eu me apresentava de corpo ereto, desinibida e de frente.

“Volte lá, quero ver uma das fotos.”

Voltou ao local. Apontei a ele:

“Olha, essa é a mais bonita.”

“É a que ficou melhor”, frisou.

“Isso mesmo. Sabe, faz tanto tempo que ninguém me fotografa...”

“Se você quiser, estou pronto.”

“Ainda não; vou pensar. Pode ser que eu saia de face vermelha em todas as fotos...”

Sorriu. Terminamos a garrafa de vinho. Comi ainda duas torradinhas com pasta de caviar. Olhei as horas.

“Já pensa em partir?”

“Vou ficar mais uns minutinhos.”

“Então vamos escutar uma cantora que descobri faz um mês ou dois. Ela é americana, mas também canta em francês."

Colocou o CD. Prestei atenção em silêncio à primeira música.

“Excelente”, eu disse.

Ouvimos mais um pouco.

“Você deseja mais alguma coisa?”

“Queria beber mais vinho.”

“Vinho, não tenho. Quer ir até lá embaixo para comprarmos?”

“Vamos; pode ser que eu crie coragem depois.”

“Coragem? Para quê?”, quis saber.

“Depois te conto.”

Descemos, procuramos um bar nas proximidades. Como já passava da meia-noite, muita gente estava junto ao balcão; conversavam e tomavam cerveja.

Conseguiu uma caneca de vinho para mim.

“Esse não é da mesma qualidade do que você bebeu lá em casa, mas...”

Tomei assim mesmo. Não era mau o vinho.

Voltamos ao apartamento.

Pedi licença e fui ao banheiro. Demorei um pouquinho.

Saí devagar. Ele, naquele momento, estava sentado no mesmo local onde eu estivera. Quando me viu, fingiu não se surpreender. Eu estava nuazinha. Portei-me como se fosse a mulher mais vestida do mundo. Sentei na cadeira que antes fora dele.

Pedi a bolsa, tirei a máquina e a entreguei nas mãos dele.

Fez várias fotos. Eu escolhia a pose e ele clicava. Depois me perguntou se podia descarregar no computador. Permiti. Continuei nua ao lado dele enquanto via minhas fotos se espalharem pela tela luminosa.

“O vinho fez bem a você”, falou.

“E como, estava uma delícia.”

Levantou-se e saiu da sala por algum tempo. Quando retornou, ouvimos mais um CD: um quarteto para cordas.

Após vinte minutos, fui ao banheiro; queria me vestir. Mas, surpresa: minhas roupas não estavam lá.

Saí, nada falei; ele já fizera semelhante brincadeira outrora.

“Preciso ir”, tomei a bolsa, coloquei-a a tiracolo.

“Já?”

“Tenho um compromisso.”

“Então vamos, vou chamar um táxi pra você.”

Descemos pelo elevador social.

“Acho que estou esquecendo alguma coisa”, disse a ele.

“Será a máquina de fotos?”

“Não, a máquina está aqui na bolsa.”

Quando íamos deixar o prédio, vinha uma pessoa. Então ele me abraçou junto a uma das pilastras e cobriu meu corpo com o seu, que era bem maior. Beijou-me a boca.

“Já descobri o que você esqueceu”, falou excitado.

“O quê?”, perguntei fingida.

“Não notou que você está pelada?”

“Eu, pelada?”, abaixei a cabeça e tapei os seios com um dos braços, “e você nem pra me avisar!”, fui perfeita na representação.

Subimos de novo ao apartamento.

“Acho que só vou devolver amanhã”, colocou-me na cama.

“Não posso, juro, tenho um compromisso.”

“Então você é capaz de ir ao seu compromisso nua?”

“Prefiro voltar aqui outro dia e prometo que volto nua.”

“Promete mesmo?”

“Claro; você me conhece.”

Vesti-me. Despedimo-nos.

E fui ao meu compromisso.

Lá fiquei nua de novo. Até de manhãzinha.

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