sexta-feira, setembro 23, 2011

Óculos

"Basta que você não tire meus óculos. A posição é confortável: sentada neste estofado macio, com as pernas cruzadas. Caso, porém, me faltem as lentes escuras, vou morrer de vergonha, sou capaz de correr à procura de minhas roupas, enrolo-me até à cabeça no primeiro lençol", falava eu no vasto salão aonde havia me levado, seu apartamento, segundo ele.

"Você conversa com a Ana?", ele quis saber.

"A secretária do presidente?"

"Ela."

"Só para cumprimentar, como manda a boa educação. Não me diga que ela já esteve aqui?"

"Não, não", percebi seu embaraço. "Nada disso, apenas queria salientar o tamanho dos saltos que ela usa.

Lembrei a Ana atravessando o salão. Os saltos sempre os maiores, e a saia curtinha, meias finas por baixo. Alguns dizem que sai sem calcinha com os namorados.

"Reparei um dia desses que ela olha demais pra você, acho muito difícil que vocês não tenham um caso. Vou perguntar a ela."

"Por favor, não faça isso, serei demitido."

"Brincadeirinha", acenei a ele para que viesse sentar ao meu lado. "Mas por que a Ana agora? Você não é nada hábil, viu?"

"Como, nada hábil?"

"Quantas mulheres você já teve?"

"Não sei o total, mas não foram tantas."

"Vou contar a você um segredinho básico: quando se está com uma mulher, não se deve falar de outra. Somos muito exclusivistas."

"Ah, sei disso."

"Não parece."

Ele levantou e foi buscar as taças de vinho, que repousavam sobre a mesa da antessala. Ofereceu uma a mim.

"Quer dizer que você não tira os óculos escuros?", tentava deixar as outras mulheres e a falta de habilidade para trás.

"Não, já falei, e nem tente; depois dessa conversa sobre a Ana, se você me despir dos óculos, adeus."

"Sinto muito sobre a Ana, não se fala mais nisso."

"Acho bom", ressaltei e sorri. "Até que você sabe escolher um bom vinho", saboreei a bebida.

"Que bom, pelo menos nisso eu tenho habilidade."

"Tenho que elogiar o que merece ser elogiado."

Ele apagou a luz da sala e acendeu um abajur comprido, de cúpula pequena. Nossos reflexos se espalharam com conforto sobre a parede em frente. Sentou-se ao meu lado e começou a tocar-me os seios.

Até quando vou sair com homens que se sentem o máximo mas não medem um centímetro? Pensei em correr dali, nua mesmo, e deixá-lo chupando dedo. Mas já que está, deixa ficar... Vou me divertindo enquanto isso. Quanto ao dia de amanhã, quem sabe, dependendo de quem seja o namorado, até deixo que me roube os óculos escuros...

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