quarta-feira, setembro 07, 2011

Corpo e poesia

Foi por um triz, mas consegui. Apesar do susto, não tenho como negar, gostei muito, posso dizer que achei ótimo mesmo. Fazer o que não é permitido acaba proporcionando mais prazer.

Um colega havia falado: “a poesia é o único lugar onde a transgressão é totalmente possível. Rompe-se a sintaxe, muda-se o sentido das palavras e estará estabelecido o caos. Jamais será possível voltar à antiga ordem. O ponto máximo a que ainda se poderá chegar é tentar estabelecer uma nova ordem, que também não demorará a estar condenada ao abismo.” 

Pensei alto: “não vou tão longe, só queria praticar um outro tipo de transgressão.


“Qual?”, ele quis saber.

“Sair pelada por aí.”

Ele riu e continuou falando sobre o seu amor pela literatura. 

Depois que fui embora é que dei conta de minhas palavras. Ele poderia ter dito: “oh, que mente poluída você tem”; ou mesmo: “você é muito reprimida, pensa em se liberar, ato falho, hein?”

Eu teria enrubescido. Mas continuei pensando sobre meu desejo e minha possível transgressão. Ah, quem me dera, andar pelada por aí...

E surgiu a oportunidade. Saímos quatro mulheres, falei o que acontecera, elas riram. Depois de chopes e taças de vinho, alguém citou a Thaís: “ela cansa de sair pelada, e ninguém nunca percebeu.”

“Mas como?”, eu quis saber.

Elas me contaram.

“Ela mesma disse a vocês?”, perguntei.

“A umas, sim; a outras, não. Mas há homens que a ajudam.”

“Ajudam a Thaís, em quê?”.

“Deixando-a em determinado lugar, pegando-a em outro, fazendo a vontade dela.”

“A vontade de andar pelada?”.

“Isso. Há sempre quem ajude.”

“Como?”, eu insistia.

“Só perguntando a ela.”

Dias depois, procurei a Thaís.

“Quem disse isso a você?”, ela quis saber.

“Umas amigas.”

“Amigas tuas, não minhas. Minhas amigas não falam isso de mim.”

“Desculpe-me”, supliquei, “não quis ofender.”

“Mas falaram a verdade”, acabou por contar. “Sabe como é, coisa boa sempre se espalha. Você também vai gostar.”

“Mas não é perigoso?”, perguntei.

“Perigo sempre tem, mas sem ele a gente não ficaria arrepiada. Caso você não queira, bote o pijama e vá pra casa dormir.”

A conversa me ofendeu. Eu? De pijama? Tinha de experimentar o perigo.

“É lógico que você não vai tirar a roupa e sair pelada de primeira, numa rua. É preciso se acostumar, pouco a pouco. Você já preparou calda de pudim? Dá trabalho, não? Mas depois fica uma delícia.”

“Fica sim, adoro pudim”, falei.

“Então, primeiro prepare a calda, treine bastante. Faça assim: vá à praia durante a noite, mas vá de biquíni. Ande pela areia, depois pare num quiosque e beba um suco. Muitas mulheres não saem de biquíni à noite porque morrem de vergonha. Se você passar nesse teste, continue. Vá mais vezes. Mas tem de ser de noite, durante o dia não tem graça, qualquer uma consegue. Conte com alguns amigos. Eu disse amigos. Mulheres, a princípio, não servem. Os homens são discretos. Peça que um deles leve você. Vai gostar da sua ousadia. Vá de canga, mas só de canga, entendeu?, nada mais. Diga que vai dar uma molhadinha nos pés na beirinha d'água e que não quer ele junto de você. Quando lá chegar, solte a canga do corpo, dê uma entradinha. Depois, volte, acenda um cigarro caso você fume, e espere. Daí pra frente, você estará sempre a crescer em ousadia: roupas curtas, braços nus, pernas nuas etc. Em outro passeio, vá pelada ao lado dele. Os homens adoram. No princípio deixe a roupa por perto. Mas se você mora numa casa, vai acabar saindo nua. A sensação é ótima. Ele, sempre apaixonado por você. Mas quem anda muito nua, também gosta de sair nua sozinha.”

“Sozinha?”

“Temes a solidão?”, ela quis saber.

“Nunca pensei nisso, há sempre tanta gente à minha volta.”

“Mas não arrisque demais. Sozinha, mas com alguém de sobreavsiso, a pelo menos quinhentos metros. É bom estar prevenida.”

“Já ouviu falar na Mona?”

“Ah, a Mona, sempre falam nela.”

“E sobre o que ela fez, o que você acha?”

“Já fiquei também nua na praia e deixei meu biquíni nas mãos de um estranho. No começo, tudo dá certo. Não se pode é pegar muita confiança.”

“Ela confiou demais?”

“Não se preocupe, o que aconteceu com a Mona só acontece com veteranas. E ela não deixou de andar nua por causa daquilo”, completou Thaís.

Então, fui eu... Comi todo o pudim. Fiz a lição direitinho!

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