Estou no parque tomando sol; o dia, lindo, de repente vejo
um dos meus pacientes. É preciso dizer que sou dentista e que nas horas vagas
adoro ir ao Olhos D’Água. Esse é o paciente de quem mais gosto. As pessoas não
imaginam quantas vezes médicos, dentistas e outros profissionais de saúde se apegam
a quem lhes procura. Acho que estou apaixonada por ele. A primeira vez que
chegou a meu consultório foi para uma breve consulta. Logo que o vi, pensei, faz
tanto tempo não vejo homem tão atraente. Sou mais velha do que ele, seis anos. Nessas
consultas acabamos por conversar assuntos que não deveríamos. Mas meu paciente
me aparece no parque, de bermuda, camiseta e tênis. Depois segue em caminhada,
acho que não me viu. Continuo deitada sobre uma toalha, na grama, na parte em
que as pessoas param para tomar sol. Segredinho: estou de biquíni. Sou magra,
pequena, mas tenho meu charme, sei que os homens adoram me apreciar. Mas esse
meu paciente... Já encostei nele, toques sutis, demonstrações espontânea de
afeto. Há quem diga que a relação sexual começa nesses ligeiros movimentos. Quero
que ele me veja. Será o primeiro encontro fora do consultório. Poderemos
conversar à vontade. Tenho uma amiga que diria o seguinte, “Deus me livre, dar de cara com um paciente, e eu de biquíni,
morro de vergonha.” Comigo, porém, nada
disso, não tenho o que temer. Ele já insinuou em me convidar para um café. Mas na hora agá recuou, pensou
que minha profissão me exige muito. Eu, enfim, preciso descansar. Mal sabe ele
de que realmente preciso. Perdida nesses pensamentos, eis que ele volta pelo mesmo
caminho em que se foi. Preparo o melhor sorriso. Me vê, acena. Será que virá
até aqui?
“Oi, doutora, que surpresa, tudo bem?
“Tudo ótimo.” Minha resposta inclui o lado bom do imprevisto.
Acho que percebeu.
“Mais parecia que ia chover quando amanheceu.”
“Não, nada de chuva, o sol e outras coisas boas”, digo.
“Fique um pouco. Está com pressa?”
“Não, nada de pressa, hoje não tenho o que fazer.”
“Que bom!, um dia e nada para fazer, não pode haver coisa
melhor.”
“E você, vai ao consultório hoje?”
“Mais tarde, tenho dois pacientes depois das quatro.”
“Então, ainda há tempo.”
“Oh, há muito tempo.”
Senta-se ao meu lado.
“Importa-se?”
“Não, sua companhia é um prazer.”
Sorri. Acaba por se deitar.
Sem pensar – porque se a gente pensa não faz essas
coisas – encosto no braço dele.
“Você está bronzeado, vem aqui todos os dias?”
“Quase todos.”
Aproxima-se mais um pouquinho. Acho que lembrou os meus
sorrisos no consultório, nossas conversas... Um dia falamos tão intensamente
sobre um filme, que quase chegou a me convidar para o cinema.
“Venha mais, vamos nos encontrar mais vezes, aqui é melhor
para conversar”, dele a proposta.
“Venho, sim, mas isso não significa que você vai embora...”
“Não! Quero aproveitar para lhe falar uma coisa.”
“Então?”, arrisco.
“Arranjei uma namorada.”
“Namorada?” Não consigo ocultar a decepção.
“Não se preocupe, ela está exatamente ao meu lado.”
Rimos ambos, um sorriso envolvente, quase um abraço. E o meu
corpo a crescer, e o biquíni a se estreitar...
Me respondam, vocês acham que eu ainda vou ao consultório,
hoje?
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