Sempre gostei de andar composta, com todas as roupas
necessárias para me sentir elegante. Outro dia, ao sair com uma amiga (fomos
a uma festa, uma espécie de coquetel com jantar), reparei que uma das mulheres
era muito assediada pelos homens. Perguntei à amiga:
“Por que ela tem tantos homens à sua volta? Nem é tão bonita.”
“Adivinha.”
“Está usando um vestido curtinho.”
“Se fosse só isso”, afirmou.
“O que mais?”, estava interessada porque não via motivo para
tal assédio. “Ela é uma pessoa importante, profissionalmente?”, completei.
“Nada disso, Isabel”, respondeu-me a companheira de festa,
“ela só está usando o vestidinho.”
“Como só o vestidinho?”, insisti enquanto segurava uma taça de
vinho servida por um dos garçons.
“Ela não usa nada além do vestido”, esclareceu a amiga.
A única coisa que eu pude fazer foi rir.
“E não é só ela”, continuou, “outras também gostam de
aparecer.”
“Que desvalorização”, observei, “nada pior para nós
mulheres.”
“Isabel, muitas agem assim porque homem está difícil hoje em
dia.”
“Mas é se rebaixar muito.”
“Será?”, indagou minha amiga.
“Você quer dizer que também joga no mesmo time?”
“Hoje, não. Estou vestidíssima, assim como você. Mas já saí
sem. Não tem nada demais. E é bom porque os homens quando percebem não nos
largam.”
“Mas você fica mal falada entre eles.”
“Depende”, salientou, “caso seja uma festa onde pouca gente
nos conheça, não há problema. O ideal é que seja uma dessas comemorações que
acontecem bem tarde, depois de meia-noite.”
“Quando os homens descobrem, eles não ficam loucos para
trepar com você?”
“Ficam, mas a gente precisa segurar a barra um pouco, fingir
que está tudo normal, conversar assuntos que nada tenham a ver com sexo, coisas
desse tipo.”
“Aí eles ficam ainda mais excitados...”
“Viu como você também sabe das coisas?”
“Sei. Mas prefiro estar vestidinha. Caso alguém goste de
mim, deve ser desse jeito”, ressaltei.
“Ótimo, então, prepare-se, porque já vi um homem lindo
olhando para cá.”
“Outra coisa que não concordo é sair com um homem no mesmo dia que o conheço.”
“Isso depende de cada uma. Eu já não sei se isso é bom.”
“Você sai sem conhecer a pessoa?”
“Sempre achei que os convidados dessas festas são muito
selecionados. Também deixo alguém de sobreaviso.”
“Sobreaviso?”, eu quis saber.
“Isso mesmo, para o caso de acontecer alguma coisa de ruim comigo”, ela disse.
“Isso mesmo, para o caso de acontecer alguma coisa de ruim comigo”, ela disse.
“E como a pessoa poderá saber que algo saiu errado?”
“Ah, Isabel, sempre há um grau de imprevisibilidade, mas isso ainda não aconteceu comigo.”
“Desculpe, foi apenas um palpite.”
Alguém começou a tocar piano. Várias pessoas movimentaram-se
pelo salão, esticaram o pescoço, procuravam ver de onde vinha a música.
Minha amiga distanciou-se com a desculpa de procurar alguém.
Misturei-me às pessoas e logo apareceu o homem que me espreitava. Sorri,
dissimulada. Deixei que lançasse toda a sua sedução. Não é bom revelar
nossos desejos às amigas, logo falam para alguém. O segredo é fazer as coisas
em silêncio, só a gente a sentir o prazer. O coquetel continuou, outras pessoas
chegaram, algumas se foram, e, no final, o homem me perguntou se poderíamos
conversar em outro lugar. Eu o segui. Quis saber se aprecio fotografias.
“Se a fotografada for eu, adoro”, dei a senha.
Saímos da festa no automóvel dele. No rádio, uma orquestra tocava Mahler, um arrepio. Trafegamos pelos bairros
nobres da cidade, até pararmos na Gávea, uma casa de dois andares, com muros
altos, dois cães enormes.
“Não tenha medo, são amigos, sabem distinguir pessoas belas,
sobretudo mulheres.”
Toda vez que ele falava, sua voz soava como música. E eu sentia arrepio sobre arrepio, ero o mesmo de já estar nua, suas mãos a deslizar sobre a minha pele. Pensei na amiga já distante e no que a noite reservava-me.
Toda vez que ele falava, sua voz soava como música. E eu sentia arrepio sobre arrepio, ero o mesmo de já estar nua, suas mãos a deslizar sobre a minha pele. Pensei na amiga já distante e no que a noite reservava-me.
“Você bebe?”, perguntou assim que entramos numa sala grandiosa,
quadros nas paredes, móveis pesados de madeira nobre.
“Sim, gosto de bebida gelada, um Martini, com uma cereja ou mesmo uma uva mergulhada nele.”
“Ok, já sei do que você está falando. Aqui tenho muitas
bebidas, quase todas, não se acanhe. E também tenho frutas.”
Voltou com uma taça pequena, uma primor a bebida.
“Reparei que você admira Mahler.”
“Apenas conheço alguns acordes”, tentei ser humilde.
Meu admirador era grande, um pouco acima do peso, mas vestia
um terno que lhe dava elegância. Ofereceu-me a melhor das poltronas, foi buscar
uns acepipes.
“Estás confortável assim?”, tentou a segunda pessoa.
“Sabes conversar de modo culto...” afirmei ressaltando as
reticências.
“É necessário que se conheça alguma coisa, não é só pelas
mulheres, há o mundo, a diplomacia, ainda existe certa nobreza.”
“Como a beleza das orquídeas”, sugeri em voz baixa.
“Oh, as orquídeas, sabes do que é belo nesta vida.”
“Será?, sou tão tacanha.”
“Tacanha?”, sorriu, como se me pedisse explicações sobre a
palavra.
Retirou-se durante alguns minutos para voltar com uma
garrafa de vinho. Não consegui observar a procedência. Ele abriu. Bridamos. Após o primeiro
gole, pude sentir o delicado aroma.
Conversamos de modo mais solto a partir dessa segunda
bebida. Também trouxe uma tábua de queijos. Pouco a pouco aproximou-se e tocou
um dos meus braços. Perguntou se podia fotografar-me.
“Claro”, assenti graciosa.
Pediu que eu escolhesse as poses. Sentei ora de modo sério
ora de maneira divertida. Cruzei as pernas para um lado, para o outro e descobri no
olhar dele o desejo de me fotografar nua. É lógico que não fez tal proposta.
Não colocaria a noite em risco com uma atitude infantil. Continuei sentada, com a
taça nas mãos, completada por ele pouco a pouco. Já que eu trajava roupas de
festa, vestido comprido, com decote e algum brilho, colar e brincos, um echarpe
para caso fizesse aquele friozinho de outono, ele respeitou a minha postura.
Talvez, se usasse roupa curta, como mais cedo as mulheres da festa, ele já
tivesse saltado sobre mim. A discrição de minha parte o deixava um tanto
reservado.
Será que minha timidez impediria nosso mergulho no amor, momento que já nos rondava?
Fechei os olhos, ainda sentada na poltrona. Ouvi sua voz de barítono declamar um poema. Não se tratava de uma declamação afetada, mas fala
coloquial, quase um dizer de amor. Cantava o amor e cuidado que este sentimento exige.
Enquanto descansa, dorme,
a mulher que amo, que me ama,
sigo neste exercício da ternura exata
e comum:
cuidar, de quando em quando,
que as treliças da janela
amenizem a manhã em sua rudeza de adaga,
ainda que doméstica lâmina.
E, assim, em volta da mulher que amo,
que me ama, vá o dia
como deve ser: o sol
necessário, um debrum.
A manhã ainda ia longe, mas o canto iluminou-me como o sol que traz o vigor da manhã. Sorri, ainda de modo tímido, olhos
fechados. Foi então que senti o seu hálito próximo ao meu rosto, uma odor de
vinho tinto misturado ao desejo, perfume que toda mulher há de saber...
Beijou-me, delicado. Suspirei. Deixei que sua boca invadisse
a minha, que sua língua me tocasse, uma espécie de prólogo à madrugada que ainda havia de durar. A partir
deste momento, coube a ele toda a ação. Tomou-me nos braços e levou-me para o
quarto. Quando abri os olhos, estava no centro de uma cama imensa. Ainda
vestido, ele olhava-me terno. Veio-me à mente as palavras da amiga, companheira de festa na noite
recente. "Cada uma tem o seu vício, ainda que esconda-o." O dela era andar nua,
ou de vestido muito curto, apenas. Quem sabe trazia também outros vícios não revelados? O meu é o de gritar na hora do sexo, dizer palavras
descontroladas, perder-me em sons desconexos, grunhidos de apetite e gozo, como alguns animais realizando o desejo instintivo. Quando começou a tocar meu corpo, primeiro suspirei palavras de amor, depois lancei gritos breves, mais adiante berros em uníssono.
“Podes dizer tudo que quiseres, o que está mais oculto dentro de
ti, a palavra reprimida, o desejo impossível”, sua voz expandia-se num entusiasmo crescente. Ele trabalhava sobre
o meu corpo.
Pouco a pouco me despiu. Naquele momento, dei o sinal mais
estrondoso:
"Rasga-me, rasga-me toda, todinha, viu. Penetra-me e
rasga-me, arranca com violência a roupa que ainda me cobre."
Ele, como um bom amante, compreendeu minhas palavras. Eu,
num enlevo, esperei seus movimentos de braços, de pernas, do pênis dentro
de mim.
Já próximo ao final do ato, numa gradação impossível de ser contida, emiti uivos do gozo que se avizinhava. Meu recente amante incendiava-me, dizia que gritasse mais e mais.
Assim foi a minha noite. De mulher convidada a um coquetel, vestidíssima e recatada, a um fim de madrugada com a pele alva banhada em líquidos de amor, as fibras esgarçadas por um fio frio de adaga.
Assim foi a minha noite. De mulher convidada a um coquetel, vestidíssima e recatada, a um fim de madrugada com a pele alva banhada em líquidos de amor, as fibras esgarçadas por um fio frio de adaga.
O poema
presente neste conto pertence a Eucanaã Ferraz, e se chama: “Enquanto descansa,
dorme...”
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